Chove chuva
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 12/10/11
Depois da crise não é mais moda citar Alan Greenspan, mas o ex-presidente do Federal Reserve acertou na mosca quando afirmou que "a incerteza não é apenas uma característica comum no panorama da política monetária; é a propriedade que define esse panorama". De fato, decisões relativas à taxa de juros envolvem não apenas o já complicado julgamento da situação em que a economia se encontra, mas, ainda mais importante, estão intimamente relacionadas à evolução futura da economia, em particular as previsões sobre a trajetória da inflação.
Entretanto, se isso é verdade, como podemos julgar o mérito dessas decisões? Certamente não como engenheiros de obras feitas que, tempos depois, sabendo o que efetivamente ocorreu, se arrogam dizer se uma decisão foi correta ou não. Por outro lado, minha experiência com meu irmão no fim de semana nos dá pistas de como abordar o problema.
Costumamos, aos domingos, fazer um longo (cerca de 48 km) passeio de bicicleta pela cidade, atividade das mais prazerosas, sem contar que o consumo calórico do exercício nos permite almoçar sem culpa, outra prática bastante agradável.
No último domingo, porém, o céu fechado anunciava grande chance de chuva. Sem saber se esta viria, ainda pela manhã tivemos que decidir se seguiríamos com nossos planos ou se deixaríamos para hoje, feriado, afinal de contas.
Escolhemos, por fim, ficar, pois havia a flexibilidade do passeio pouco depois (se não chover hoje!) e porque, no nosso entendimento, o desprazer de retornarmos ensopados (ponderado pelo risco de chuva) nos parecia muito maior do que o prazer da pedalada (também ponderado pela chance de não chover).
A verdade é que choveu, mas a escolha não pode ser considerada acertada pelo que efetivamente ocorreu, mas sim porque -à luz da informação disponível no momento da decisão- tomamos a decisão que maximizava nosso prazer esperado naquele domingo. Caso me tenha restado algum leitor após a breve crônica de como um economista justifica sua opção por não andar de bicicleta num domingo nublado, chamo a atenção para os paralelos com as decisões mais recentes de política monetária do Banco Central. Concretamente, o BC reduziu a Selic em meio ponto percentual e acenou com novas rodadas de corte, justificando sua decisão por conta dos riscos associados à crise internacional.
Na verdade, de acordo com as previsões do próprio BC em seu "Relatório de Inflação", caso a Selic se mantivesse em 12% ao ano, a inflação convergiria para a vizinhança da meta (4,5%) por volta do terceiro trimestre de 2012 -e lá se estabilizaria. Por outro lado, caso a taxa de juros continuasse a ser reduzida (até 11% ao ano), as otimistas projeções do BC sugerem que a inflação cairia até 5%, e acima da meta permaneceria, no mesmo horizonte temporal.
Em outras palavras, as próprias previsões do BC não validariam a continuidade do processo de afrouxamento monetário. A única justificativa para isso seria uma aposta num cenário alternativo a tais projeções, qual seja, que uma crise externa se materializaria e acabaria por produzir a desaceleração do crescimento necessária para trazer a inflação de volta à meta.
Nos termos do exemplo acima, o BC agiu como alguém que tem a convicção de que a chuva não virá, e que, portanto, pode pedalar à vontade. No entanto, não parece ter ponderado o custo da não ocorrência da crise externa, que o forçaria a voltar a subir a taxa de juros no ano que vem.
Posto de outra forma: apesar de afirmar o contrário, o BC agiu como se dispusesse de uma bola de cristal e pudesse apostar com base nela. Agora se vê na incômoda posição de torcer por uma crise de grande magnitude, sem o que enfrentará decisões ainda mais complicadas em 2012. Uma decisão que o torna um apostador, em vez de um administrador de riscos, não pode estar correta, independentemente do que ocorra no futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário