terça-feira, setembro 13, 2011

BENJAMIN STEINBRUCH - BC responsável

 BC responsável
BENJAMIN STEINBRUCH 
FOLHA DE SP - 13/09/11

Deveríamos soltar rojões para comemorar o golaço marcado pelo BC ao cortar em 0,5 ponto a taxa de juro

QUEM FAZ crítica persistente à política de juros elevados colocada em prática pelas autoridades monetárias brasileiras tem a obrigação, mesmo que com duas semanas de atraso, de saudar a grata surpresa de 31 de agosto, quando o Banco Central decidiu cortar em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros.
A questão dos juros no Brasil virou um verdadeiro Fla-Flu, tamanhas são as divergências sobre o assunto. Muitos adjetivos foram atribuídos ao BC após a decisão, alguns ofensivos por parte dos defensores da manutenção da Selic em 12,5% ao ano. No meu caso, acho que o adjetivo mais apropriado para definir a atitude do BC é "responsável".
É muito difícil, quase impossível, encontrar analista no planeta que não preveja um novo período de estagnação econômica global, com recessões localizadas em muitos países desenvolvidos e em alguns emergentes. De forma responsável, o BC procurou olhar para o que vem pela frente, e não apenas para o retrovisor da economia. E viu tormenta.
Nos 17 países da zona do euro, o crescimento do último trimestre foi de apenas 0,2%. Até a resistente e eficiente Alemanha está com a economia praticamente estagnada (0,1% no trimestre), o mesmo ocorrendo na França.
Nesse contexto, seria temerário o BC repetir a atitude de 2008, quando houve a quebra do Lehman Brothers. Tudo apontava para a recessão global e, mesmo assim, o país teve de esperar quatro meses para que houvesse a redução dos juros.
Nesse período, a maioria dos países avançados cortou suas taxas para quase zero. O ex-ministro Delfim Netto estima, num cálculo que ele caracteriza como opinião apenas "impressionista", que esse vacilo custou caro ao país. Em vez da queda de 0,6% no PIB de 2009, poderíamos ter tido avanço entre 2% e 3%. Ou seja, houve perda do PIB que estimo, também de forma impressionista, em uns R$ 100 bilhões.
Internamente, o desaquecimento também já é bastante visível. O crescimento do PIB foi de apenas 0,8% no segundo trimestre, com a indústria praticamente estagnada. Depois de crescer mais de 10% em 2010, a produção manufatureira deve avançar pouco mais de 1% neste ano, segundo estimativas.
Muitos economistas já trabalham com taxa de 3,5% para o PIB deste ano. Para 2012, o desempenho da economia dependerá de decisões como a de 31 de agosto. Se prevalecer a atitude responsável, será possível evitar nova queda no PIB.
Injustificadas são as afirmações segundo as quais o BC teria abandonado o regime de metas de inflação em favor do regime de metas de crescimento.
Na verdade, a manutenção do regime de metas de inflação, que se mostrou eficiente ao longo do tempo, não impede a ação responsável do BC no acompanhamento do nível de atividade econômica, até porque o desaquecimento tem óbvio impacto na evolução dos preços.
Ninguém, em sã consciência, poderia sugerir negligência no combate à inflação. Mas também não se pode ignorar que os sinais inequívocos de que as pressões inflacionárias decorrentes de preços internacionais tendem a diminuir, apesar da resistência da demanda da China. Na Europa, a inflação anual está em 2,5%, ligeiramente acima do teto da zona do euro, de 2%.
Também é inadmissível a ideia de que a decisão de cortar os juros, na contramão da opinião do mercado, põe em xeque a credibilidade do BC.
O fato de o BC ter feito o movimento que o governo supostamente esperava não torna ilegítima sua decisão nem compromete sua autonomia. Da mesma forma, a credibilidade do BC nunca foi posta em xeque nas inúmeras vezes em que seguiu exatamente aquilo que queria e previa o setor financeiro.
Do governo, espera-se a continuidade no processo de austeridade fiscal, com corte de gastos de custeio, nunca de investimentos. A esterilização de R$ 10 bilhões de arrecadação adicional deve ser apenas o começo.
Da autoridade monetária também se espera a continuidade dessa atitude sensível aos efeitos que suas decisões solitárias na fixação dos juros podem ter no emprego e na vida das pessoas. Como num Fla-Flu, deveríamos soltar rojões para comemorar o golaço marcado pelo BC no último dia de agosto.

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