No tiroteio
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 06/07/11
O empresário Abilio Diniz admite que o BNDES poderá pôr menos dinheiro na transação. "Nós estamos olhando para o lado agora, se o banco diminuir." Mas afirma que não tomará a iniciativa de abrir mão do banco público. Ele me disse que foi surpreendido pela dimensão da reação contrária à proposta de fusão com o Carrefour tendo a participação do BNDES.
Numa longa conversa ontem, o empresário reclamou do sócio Jean Charles Naouri, do grupo Casino; explicou por que não o ouviu antes de ir ao BNDES; mas admitiu que o acordo entre eles era que, em 2012, o Casino passaria a ter a maioria das ações. "Nós cederíamos a ele uma ação por R$ 1, para que ele pudesse consolidar os resultados", disse.
Explicou que "consolidar resultados" é registrar no balanço os resultados do Pão de Açúcar no Brasil como um todo. Isso o tornaria, ainda que por uma ação a mais, o maior acionista. Briga entre sócio é comum, mas o que interessa mesmo é a entrada do BNDES. A explicação de Abilio Diniz é a seguinte. "No ano passado, Luciano Coutinho me chamou ao BNDES para fazer uma apresentação sobre varejo. Eles ficaram entusiasmados com a dimensão do setor no país e disseram que poderia procurá-los. Em fevereiro, levei a proposta da fusão. O banco negociou muito bem porque registrou que compraria ação a R$ 66 quando no dia seguinte do anúncio ela foi para R$ 74, ainda que depois tenha caído pelo medo de que o negócio não saia." Ele alega que com a "branding" (marca) do banco seria mais fácil fazer a negociação com o Carrefour.
"Reconheço que poderia ter passado sem isso (as críticas à participação do BNDES). Se soubesse que seria tão criticado... tenho 74 anos, mas ainda não adivinho. Estava atravessando uma rua e fui apanhado por um tiroteio, de gente que não gosta do BNDES, do pessoal da oposição."
Em nenhum momento da conversa ele disse que o dinheiro do BNDESPar não era público - como já disse em outros momentos. Ainda bem, porque esse argumento não faz sentido algum. O BNDESPar é um braço do BNDES, mas é um fundo de participações com um único cotista: o Tesouro. Se der prejuízo, é o governo que paga; se der lucro, é do governo. Portanto, a ideia de que o BNDESPar não é dinheiro público é de uma enorme estultice. Fui poupada de ouvir isso na conversa com Abilio Diniz, apesar de seus assessores repetirem o argumento com a mesma insistência do governo.
Os dois lados - Casino e Pão de Açúcar - estão preocupados em passar suas versões para a imprensa, e ontem foi dia de tentar convencer jornalistas. O problema é que o caso começou errado no início. O BNDES não poderia ter "enquadrado para análise" projeto que mudaria completamente a organização societária sem ouvir os sócios. Ouviu apenas um, o empresário Abilio Diniz.
Outro erro foi montar uma sucessão de sofismas para tentar convencer que a operação não era o que de fato era. O argumento de que a operação era para não desnacionalizar a empresa bate de frente com todos os fatos. Primeiro, o acordo anterior daria mesmo o controle ao Casino em 2012. Segundo, se o negócio for feito com o Carrefour, o grupo Diniz será diluído, da mesma forma que o grupo Casino.
Ele disse que não procurou o Casino antes de ir ao BNDES porque foi assim em todos os negócios. Tanto no Ponto Frio, quanto nas Casas Bahia, Jean Charles Naouri ficou sabendo depois de tudo consumado. "Não ando com o meu sócio a tiracolo."
Diz que na ata do conselho de outubro consta que ele iria procurar o BNDES. Perguntei se estava claro que procuraria o banco para propor uma fusão com o Carrefour, e ele disse que não, porque era um "negócio estratégico e confidencial".
Abilio disse que uma das várias divergências que tinha com o sócio era em relação ao Carrefour.
"Ele achava que o Carrefour estava em dificuldade e queria comprar barato e aos pedaços. Eu penso diferente: esta é uma boa hora para o Brasil e o câmbio favorece."
O empresário contou que nos seus contratos de acionista consta que mesmo após 2012 ele continuaria com a administração do negócio enquanto estivesse saudável e com bom desempenho.
"Portanto, continuaria com o direito de escolher o CEO, e o CEO, de escolher o resto da diretoria."
Repetiu o argumento de que isso é bom para o consumidor porque os preços vão cair. Acho o argumento fraquíssimo. Na verdade, o Cade é que verificará, se o negócio for feito, o grau de concentração. Mas informações mostram que em alguns lugares como São Paulo chegaria a quase 70% de concentração. Isso pode é elevar os preços.
A Wilkes, empresa dos Diniz e do Casino, vai se reunir dia 2 de agosto para analisar a fusão. Eles que são sócios que se entendam. O que interessa ao distinto público é: a participação do BNDES, se ocorrerá ou não; se haverá concentração que prejudique a competição. Os dois maiores acionistas podem brigar à vontade, o que não pode é o BNDES aceitar entrar numa empresa em que um sócio acusa o outro lado de quebra de contrato. Ainda mais porque é banco público.
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