A faxina ferroviária deve continuar
ELIO GASPARI
O Globo - 06/07/2011
A boa notícia é que o palácio do Planalto acordou para a faxina no setor de transportes do governo. Agora, a má: acordou tarde e faz de conta que não vê a floresta. Se a doutora Dilma perder cinco minutos pensando no estrago que a obsessão do trem-bala poderá fazer no seu governo, ela fecha a quitanda desse projeto.
Na degola do mensalão do PR, a lâmina pegou o presidente da Valec, José Francisco das Neves, o "Doutor Juquinha" ou simplesmente "Juquinha". Ele foi nomeado em 2003 para a direção da estatal ferroviária. Veio da presidência da Companhia Energética de Goiás e das redes políticas do Estado. Foi do PMDB, migrou para o PR e tem amigos no PSDB local. Até 2007, o estudo do trem-bala ficou por conta da Valec.
Em maio daquele ano, o Ministério dos Transportes (já nas mãos do doutor Alfredo Nascimento), informou que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, viajaria à Italia para conhecer uma das propostas. Seria uma iniciativa 100% privada e, segundo "Juquinha", custaria R$19 bilhões. O trem faria o percurso Rio-São Paulo em 85 minutos com uma tarifa de R$127. Melhor negócio não poderia haver.
Tudo muito bonito, mas o bicho tinha um pescoço enorme, pois a linha não teria paradas intermediárias. Parecia uma girafa. O trem não iria a Campinas, a girafa tinha asas. O Tribunal de Contas duvidou de uma planilha com a expectativa de demanda estimada em 40,7 milhões de passageiros/ano. Pediu esclarecimentos e veio um novo número: 4,5 milhões de passageiros/ano. O empresario italiano que patrocinava o projeto informou que não foi ele quem apresentou a planilha dos 40,7 milhões de passageiros. A girafa alada tinha tromba.
Meses depois, o trem-bala fez sua primeira viagem. Saiu da Valec, foi para o BNDES e os italianos viram-se desembarcados. A companheira Dilma sabia perfeitamente por que. Infelizmente, isso foi feito com aquele nível de discrição que inibe o malfeito, mas não expõe o malfeitor. Mostrada ao público, a girafa teria recomendado a faxina.
Passaram-se quatro anos, o diretor financeiro da Valec, Bernardo Figueiredo, foi para a presidência da Agencia Nacional de Transportes Terrestres e levou consigo o trem. O projeto privado sumiu e a iniciativa baldeou-se para uma estatal, a ETAV. O custo foi para R$35 bilhões (pode me chamar de R$50 bilhões) e a demanda continua envolta em mistério, mas será garantida pela Viúva. A tarifa está em R$205 e o eventual concessionário receberá alguns mimos fiscais. O edital que fixará a data do leilão para a escolha do consórcio da obra já foi adiado sete vezes.
O governo está encurralado pelos fornecedores de equipamentos (que querem vender logo) e os empreiteiros que não querem botar a mão numa obra que escavará 103 quilometros de túneis (três vezes a extensão do Chunnel, sob o Canal da Mancha) sem blindar o negócio.
Capturada pela própria máquina de propaganda, a doutora Dilma está reescrevendo uma velha piada, segundo a qual o empreiteiro é aquele sujeito que convenceu o faraó a empilhar pedras no deserto. Agora é o faraó quem quer convencer o empreiteiro. Diversas mulheres governaram o Egito, nenhuma construiu pirâmide.
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