domingo, julho 10, 2011

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS - Dez razões para ter cuidado com a China (2)

Dez razões para ter cuidado com a China (2)
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O ESTADÃO - 10/07/11
Completo hoje minhas razões para sugerir cuidado com a China. Há duas semanas escrevi que não se pode jogar fora a possibilidade daquele país seguir, de alguma forma, a trajetória recente do Japão, que após um longo período de crescimento rápido passou a enfrentar dificuldades para sustentar seu desenvolvimento. Naquela ocasião, apresentei minhas cinco observações iniciais, chamando a atenção para: o envelhecimento rápido da população; a redução na oferta de terras; a redução na oferta de água; os problemas decorrentes da poluição do meio ambiente e, finalmente, as limitações da oferta de energia, cara e suja.


Essas primeiras observações sugerem crescentes pressões sobre a renda familiar (dificultando a expansão do mercado interno) e crescentes pressões inflacionárias decorrentes de altas nos preços de alimentos e energia. Além disso, qualquer esforço para alterar a matriz energética (como por exemplo, a expansão da energia eólica) vai tornar o custo mais elevado ou demandar grandes subsídios uma vez que as energias alternativas e sustentáveis ainda são mais caras que as fontes de carbono tradicionais, carvão e petróleo. Ademais devemos considerar os seguintes pontos:


6 - Maiores dificuldades nas exportações.


Os custos chineses estão subindo, embora ainda sejam muito competitivos. Entretanto, a alta dos salários, o custo da energia e de materiais e a esperada valorização da moeda continuarão a tornar os produtos chineses mais caros; na verdade já se observam mudanças de muitas plantas de produtos mais simples para países vizinhos como Vietnã, Camboja, Filipinas e Bangladesh. Ao mesmo tempo, acredito que os produtos chineses serão crescentemente objeto de contestações na OMC e de restrições comerciais e não comerciais em muitos países importadores, incluindo o Brasil. As acusações de diversas práticas desleais de comércio são cada vez mais recorrentes. Essa imagem negativa está sendo reforçada pela natureza de boa parte dos investimentos chineses nos países emergentes, onde a característica de enclave, a pouca atenção aos direitos trabalhistas e a destruição do meio ambiente são recorrentes. Isto é verdadeiro mesmo em países africanos mais pobres (sugiro olhar a edição de 11 de fevereiro deste ano do El Pais e no site www.foreignpolicy.com, China"s rise no longer just about China). Em resumo, embora as exportações chinesas devam continuar a crescer ao longo dos próximos anos, elas deverão contribuir algo menos para o crescimento, inclusive porque a internacionalização de várias empresas chinesas deve levar à produção em terceiros mercados, como é certo, por exemplo, no caso das indústrias automotivas que estão entrando no mercado brasileiro.


7 - A valorização do câmbio é


inevitável.


O crescimento do comércio exterior chinês, a desvalorização do dólar e as incertezas quanto ao futuro do euro estão levando as autoridades chinesas a uma liberalização controlada do mercado cambial, buscando a internacionalização da moeda. Nos últimos meses os regulamentos foram sendo flexibilizados para permitir maior participação dos bancos nas operações cambiais e no relacionamento comercial com regiões mais próximas como Cingapura. Essa é uma consequência direta da ascensão da China como a segunda maior economia do mundo. Embora a cautela continue sendo a norma é inevitável que o câmbio se aprecie nos próximos anos, reforçando a elevação dos preços de exportação em dólares dos produtos chineses. Mais importante, se admitirmos que a recuperação da economia americana se dê no próximo ano, o dólar deve voltar a se valorizar, quebrando a confortável situação de hoje, onde a moeda americana se desvaloriza e o yuan vai junto, em virtude do "peg" com o dólar, e terceiros países, como o Brasil, pagam a conta (a Alemanha, dada a elevação da produtividade, mantem-se com uma taxa de câmbio efetiva estável, alavancando suas exportações). Ao invés de uma guerra cambial entre China e Estados Unidos existe um casamento de conveniência que empurra o custo do ajuste para terceiros países. Ao mesmo tempo, as tendências inflacionárias mencionadas antes colocam um dilema para as autoridades monetárias: se os juros subirem o suficiente para bater a inflação de forma decisiva, a atividade pode se contrair bastante reduzindo a expansão do emprego e elevando os riscos de conflitos sociais, o que assusta muito o governo. A valorização da moeda passa a ser instrumento útil também no combate à inflação.


8 - A limitação do mercado interno.


O consumo das famílias na China é próximo a 35% do PIB, um número modestíssimo quando comparado com o que ocorre nas principais economias do mundo. Como consequência, a economia depende de elevadas taxas de expansão das exportações e dos investimentos para sustentar seu crescimento. Para vários analistas, a demanda por infraestrutura deverá crescer mais moderadamente no futuro, ainda que a taxa de urbanização deva continuar a crescer, tal o salto na construção que vem ocorrendo (vejam-se os casos do trem bala e dos aeroportos). Ao mesmo tempo, e como argumentado acima, é possível que as exportações venham a crescer mais moderadamente. Neste caso pergunta-se: irá o mercado interno expandir-se a uma velocidade tal que compense a redução relativa de gastos de capital, das exportações e das pressões decorrentes do envelhecimento rápido da população tal que mantenha o crescimento forte como até agora? Mais uma vez vem à mente o caso do Japão, onde a limitação do mercado interno refreou o crescimento quando as exportações deixaram de crescer a taxas muito elevadas.


9 - A produção de conhecimento.


É absolutamente certo que a China tem desenvolvido intensamente seu sistema educacional; é também certo que o número de patentes registradas tem subido muito, dando suporte para melhorias tecnológicas. Entretanto, duas observações poderiam ser feitas: vários analistas apontam que o sistema educacional muito rígido não estimula a criatividade, tal como ocorre em outros países desenvolvidos, o que é uma dificuldade a longo prazo. Ao mesmo tempo, os inúmeros casos de roubo de tecnologia têm levado várias multinacionais a utilizar em investimentos na China apenas tecnologias mais maduras, o que também reduz o progresso tecnológico.


10 - Riscos sociais e políticos.


A elevação da renda das famílias vem produzindo, ao lado de maior padrão de vida, várias manifestações de insatisfação. Em boa medida isso decorre da natural demanda por maior liberdade que acompanha o crescimento da renda. Não se trata necessariamente de demanda por democracia, mas demanda por liberdade de ler, de se movimentar, de protestar contra arbitrariedades do poder local, de defender minorias de diversas naturezas etc. Há também alguma repulsa a corrupção generalizada (que sempre cresce quando partidos hegemônicos assumem o poder). Estas demandas chocam-se com a ditadura do PC chinês e ao longo do tempo elevam as chances de fragmentação e a perda de eficiência do sistema.


Em resumo, acredito que a China continuará a crescer bem no futuro próximo. Entretanto, a prazo mais longo não tenho a mesma certeza e o Japão está aí mesmo para nos mostrar como é arriscado projetar a manutenção de tendências atuais. O futuro continua surpreendente.

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