sábado, maio 14, 2011

WALTER CENEVIVA - Osama e o direito comparado


Osama e o direito comparado 
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/05/11

A discussão impõe a lembrança de pontos que ficariam em aberto na lei brasileira, na qual só o causador do dano é punível


LEIS SOBRE a pena de morte são semelhantes nas democracias que a aceitam. Nelas, a punição cabe quando o acusado é julgado pela Justiça, na forma da lei. Também é assim no Brasil, mas aqui a pena capital só se aplica quando existente estado de guerra, declarada pelo presidente da República, se autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por este.
As regras a respeito disso estão na letra "a", do art. 5º, em seu inciso XLVII, combinado com o art. 84, no inciso XIX. Entre nós não há exceção em tempos de paz, mas nos Estados Unidos a punição capital é aplicada pelo Judiciário em alguns Estados depois da decisão do júri.
O assunto merece referência no exame da ação militar que resultou na morte de Osama bin Laden. Tem utilidade para a avaliação dos fatos em termos de direito comparado. Essa é, entre as ciências humanas, a disciplina cuja finalidade principal consiste no estudo simultâneo de mais de um conjunto de Direitos e leis vigentes em países diversos para o seu aperfeiçoamento.
No caso concreto, Osama terá sido o líder das operações no ataque às chamadas Torres Gêmeas, em Nova York. Dois aviões de carreira foram dirigidos contra elas na manhã do dia 11 de setembro de 2001. Ele mereceria ser punido, em processo regular, por ter causado mortes e ferimentos em muitas vítimas, apurados na área penal, e pela quantidade descomunal de prejuízos, verificados nos termos da área civil.
Houve danos que se originaram, direta e imediatamente, dos choques dos aviões contra as duas torres. Os mais graves vieram depois de algum tempo, quando os prédios caíram, gerando a enorme tragédia humana. Contudo, a discussão do direito comparado impõe a lembrança de pontos que ficariam em aberto na lei brasileira, pois nessa só o causador do dano é punível (Código Civil, art. 186 e seguintes). Passou em branco a ausência de processo contra os que construíram as torres, tão altas e tão frágeis. Valeria até para mostrar, se fosse o caso, com sentença judicial incontroversa, que não houve defeito por ação ou omissão na obra construtiva. E, se houve, caberia, à vista do projeto de construção, saber como a obra foi aprovada pelas autoridades responsáveis.
Com a mesma força, mas em outro sentido, terão sido desconsideradas as causas pelas quais todos os ocupantes ou usuários dos dois edifícios não foram previamente informados, em tempo hábil, de modo claro, sobre a possibilidade de que um choque de aeronave, embora raro, pudesse acontecer com tais consequências. Com neutralidade de julgamento, não daria para saber se o desabamento seria o resultado natural do choque de avião comercial de porte relativamente pequeno contra os edifícios. Tem sido dito que os terroristas sabiam que os prédios cairiam. Nesse caso, caberia explicar por que os bombeiros de Nova York e seus comandantes não sabiam do perigo. Também é claro que instruções integrais para usuários e ocupantes dos prédios deveriam ter sido divulgadas, para a rapidez dos meios de fuga em qualquer desastre.
Se a questão fosse discutida sob o Direito brasileiro, seria indesculpável que o poder público se descuidasse das demais causas desse evento e inaceitável a não punição dos que geraram consequências colaterais do atentado.

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