segunda-feira, fevereiro 07, 2011

CARLOS ALONSO ZALDÍVAR

Incidentes não podem obscurecer relações
CARLOS ALONSO ZALDÍVAR
Folha de S. Paulo - 07/02/2011

Os meios de comunicação brasileiros têm veiculado nos últimos dias o caso da sra. Denise Osório Severo, que teve sua entrada na Espanha negada no último dia 29, no aeroporto de Barajas, em Madri.
Desejo, em primeiro lugar, afirmar que sentimos muito pelo acontecido. A sra. Severo não tinha nenhuma intenção oculta, disse sempre a verdade, agiu de boa-fé, foi clara e mostrou toda a documentação que considerava necessária para ingressar no nosso país.
Mas a polícia espanhola tampouco agiu com má intenção no caso.
Começou a comprovar os requisitos e a documentação e estimou, no exercício de suas funções, da mesma forma como faz a polícia de fronteiras no Brasil, que não procedia a entrada na Espanha.
Por que se chegou a essa situação, que, insisto, lamento profundamente? Por dois motivos. O primeiro é que a sra. Severo, apesar da sua boa vontade, não dispunha de alguns dos documentos ou comprovantes necessários.
Segundo, porque não se usou adequadamente o mecanismo previsto para esses casos, mediante a intervenção do Consulado-Geral do Brasil em Madri.
Em torno desse caso, diversos meios de comunicação têm realizado manifestações que são completamente fora de propósito.
Um caso isolado como esse não pode dar margem a qualificar a Espanha e as suas forças policiais como racistas ou xenófobas nem dizer que perseguimos os brasileiros nos aeroportos espanhóis. Além de falso, isso é ridículo.
Mais de 120 mil brasileiros residem na Espanha. Trata-se de uma comunidade bem integrada e com a qual nunca houve graves problemas de racismo ou xenofobia.
A Espanha recebeu, nos últimos dez anos, cerca de 5 milhões de estrangeiros que ficaram residindo no nosso país, e que constituem hoje 12% da nossa população, muitos deles já com a nacionalidade espanhola. Essa autêntica revolução demográfica tem-se produzido sem grandes tensões sociais.
Além disso, a Espanha, com uma população de aproximadamente 47 milhões de habitantes, recebe anualmente mais de 55 milhões de turistas. É como se o Brasil fosse visitado anualmente por 220 milhões de turistas. O leitor acredita que isso possa acontecer numa sociedade fechada e xenófoba, em que se maltrate gratuitamente o visitante?
O problema das inadmissões é algo que preocupa os governos do Brasil e da Espanha, que mantêm sobre esse assunto uma comunicação contínua e fluida.
No fim da semana passada, conversei sobre o tema com o embaixador Eduardo Gradilone, subsecretário-geral para as comunidades brasileiras no exterior. Estão em andamento, desde 2008, mecanismos para prevenir os casos, melhorar a atenção aos afetados e solucionar os erros que possam ser cometidos.
Os resultados são muito positivos, pois se constata uma redução substancial no número de inadmitidos brasileiros na chegada à Espanha: 2.842 em 2008 (1,7% dos visitantes brasileiros nesse ano), 1.994 em 2009 (1,6%) e 1.831 em 2010 (1,2%). São cifras esperançosas, mas que ainda não nos satisfazem completamente.
Para finalizar, reitero que, entre a Espanha e o Brasil, o que existe hoje são excelentes relações e grandes possibilidades de colaboração no futuro. Lamentáveis incidentes, como o da sra. Severo, não podem nem devem obscurecer essas relações entre dois governos e duas sociedades que se respeitam e que se sentem tão próximas.
CARLOS ALONSO ZALDÍVAR, 64, é embaixador da Espanha no Brasil.

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