segunda-feira, janeiro 24, 2011

NELSON FONSECA LEITE

Sem sentido
Nelson Fonseca Leite
O GLOBO - 24/01/11

Em seu primeiro discurso como presidente eleita, Dilma Rousseff fez uma ampla defesa da estabilidade econômica, condenou soluções mágicas e assegurou respeito aos contratos. "Mas, acima de tudo, quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas. Dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas."

Dias depois, os jornais destacavam que "os consumidores que pagaram cerca de R$7 bilhões a mais para as distribuidoras de energia elétrica entre 2002 e 2009 não receberão o dinheiro de volta. A decisão foi tomada pela diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apesar de o órgão ter reconhecido a existência de um erro na fórmula de cálculo dos reajustes tarifários."

Os dois parágrafos abordam o mesmo tema: respeito às regras e aos contratos firmados. Mas é preciso explicar melhor a decisão da Aneel.

O atual modelo do Setor Elétrico foi desenhado para que as distribuidoras não tenham lucro ou prejuízo quando "arrecadam" dos consumidores para fazer repasses de itens sobre os quais não tenham poder de decisão. No jargão do Setor, busca-se a "neutralidade" nesses repasses.

Porém, os contratos de concessão foram assinados nos anos 90, muito antes da concepção do atual modelo, e não havia o conceito de neutralidade. Na época, admitia-se que as empresas assumissem o risco associado às variações de preços e à previsão da demanda de energia, lucrando se houvesse superação das expectativas e amargando prejuízo no caso contrário. A partir de 2002, o governo aprovou diversas correções ex post no cálculo tarifário, para assegurar a neutralidade dos repasses. Embora não tenha sido intencional, essas correções não alcançaram os efeitos da variação de mercado sobre os encargos setoriais.

Nesse caso particular, o cálculo tarifário seria neutro apenas quando a venda de energia nos 12 meses subsequentes ao reajuste tarifário fosse igual à mensurada nos 12 meses anteriores. Como só por uma coincidência ocorreria essa igualdade, havia espaço para um aperfeiçoamento metodológico - muito diferente de erro de cálculo. A discussão alcançou o grande público porque alguns membros da CPI da Conta de Luz entenderam que a Aneel teria cometido um inexistente erro de cálculo.

Se tivesse ocorrido erro de cálculo, a Aneel teria a obrigação de corrigi-lo unilateralmente, sem negociação com as distribuidoras. Nessa hipótese, as empresas que tivessem conseguido vendas superiores às correspondentes previsões deveriam devolver os valores cobrados a mais dos consumidores. No sentido contrário, aquelas que tivessem experimentado variação negativa do mercado deveriam receber dos consumidores. Como não há erro de cálculo, as devoluções ou cobranças retroativas foram corretamente rejeitadas pela Aneel.

Se a Agência tivesse decidido diferentemente teria desrespeitado contratos, o que elevaria o risco regulatório e aumentaria o custo de capital. Em médio prazo, os consumidores sentiriam em seus bolsos o efeito desse retrocesso: ao contrário do que alguns apregoam, as tarifas ficariam mais altas, e não mais baixas.

Por outro lado, nada impedia que a Aneel negociasse com as concessionárias a repactuação do contrato de concessão, incluindo uma correção ex post para neutralizar os efeitos da flutuação da demanda de energia na arrecadação para pagamento de encargos (mudança metodológica). Foi exatamente o que se fez em fevereiro de 2010. Naturalmente, sem efeitos retroativos.

Recentemente, alguns parlamentares apresentaram um recurso dirigido à Aneel pleiteando a imposição da retroatividade e, em paralelo, formularam denúncia ao Ministério Público alegando que a decisão da Aneel seria ilegal. Ao contrário, ilegal seria desrespeitar contratos e tornar o passado imprevisível.

Paradoxal é que se o acerto retroativo fosse legal, nem sempre beneficiaria os consumidores. Em alguns casos de empresas que tiveram variação negativa de mercado, como a Light, por exemplo, ocorreria o contrário. Ou seja, a cobrança retroativa causaria aumento da conta de luz. Não faz o menor sentido!
NELSON FONSECA LEITE é presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica.

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