Sem cacoete de CPI
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 09/01/11
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, está tecnicamente certo quando lembra que a Comissão da Verdade (CV), proposta pelo antecessor de Dilma Rousseff, deve procurar esclarecer todos os fatos ainda obscuros da guerra entre o Estado brasileiro e as organizações armadas nos anos 60 e 70 do século passado.
Fosse diferente a intenção do então presidente ao fazer a proposta, o grupo de trabalho sugerido levaria outro nome, talvez Comissão de Parte da Verdade (CPV). Ou Comissão da Parte da Verdade que Interessa Esclarecer (CPVIE).
A posição de Jobim também faz sentido política e juridicamente.
Segundo o STF, a Lei de Anistia de 1979 está em vigor. Ela abarca os crimes chamados conexos (que incluem a tortura). A imprescritibilidade e impossibilidade de anistia para crimes hediondos, como a tortura e o sequestro, bem como o próprio conceito de "crime hediondo", são posteriores à Anistia. Retroagir seria inconstitucional.
E politicamente há uma maioria convencida de que o país ganha mais se preservar o pacto que resultou na Anistia do que se revogar. Esbarra também nessa maioria a persistente pressão de setores que julgam mais adequado para o Brasil fazer um amplo ajuste de contas jurídico com os personagens do regime militar.
A pressão é legítima. Ninguém está obrigado a concordar com uma decisão judicial, apenas a segui-la. Mesmo aqui há a possibilidade da exceção, a alternativa da desobediência civil. Mas não se aplica neste caso, em que a demanda é por uma ação do Estado brasileiro.
Será indesejável, ilegítimo e ilegal se a necessária CV for politicamente constrangida a transformar-se numa espécie de atalho para contornar a decisão do STF e criar situações de fato.
É hipótese remota, mas convém ficar de olho. Há um viés jurídico heterodoxo em segmentos do atual establishment. A ideia de que as leis valem ou não conforme a correlação momentânea de forças políticas. Um certo desprezo pelo chamado "legalismo".
De volta à CV, ela talvez devesse ser objeto de cuidado extra quando for debatida no Congresso Nacional. A comissão precisaria ser realmente plural e de preferência decidir por consenso ou amplíssima maioria, com base em fatos, documentos, registros, depoimentos convergentes.
Não faria sentido deixar a Verdade (com maiúscula) ao sabor de eventuais e escassas maiorias aritméticas. Um voto a mais ou a menos não deve ter o poder de decidir se um fato aconteceu ou deixou de acontecer. Seria bizarro.
A CV não pode virar um arremedo de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), onde os fatos ficam ao sabor dos arranjos políticos. Caminharia para a completa desmoralização. Tampouco pode adquirir feições inquisitoriais, pois isso contrariaria a decisão do STF.
"Rilex"
Desde a posse de Dilma Rousseff o Blog do Planalto opera ajustes no perfil editorial. Polêmicas sobre o trabalho da imprensa perderam espaço para a modorrenta cobertura das rotinas presidencial e governamental.
Tudo num tom bastante técnico.
O debate do novo marco regulatório na Comunicação, como informado por esta coluna, vai ganhar uma dinâmica mais lenta e cautelosa.
A proposta elaborada pelo governo anterior deverá passar por amplo debate social antes de ser mandada ao Congresso.
Os fatos são autoexplicativos. O tempo vai dizer, especialmente quando emergirem as naturais pautas negativas, se é paz verdadeira ou apenas armistício.
O Planalto também se beneficia de um detalhe algo inesperado.
A surpreendente falta de sensibilidade do ex-presidente no tratamento de aspectos simbólicos do imediato pós-mandato acabou atraindo para ele os instintos críticos neste período tradicionalmente marcado pela "pax" jornalística.
Deve ser o natural e merecido relaxamento depois de oito anos. Só isso para explicar.
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