Por que a China pode e nós não?
Clóvis Rossi
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/04/2010
Algo está errado quando a China cresce 12% e nós temos medo de 7%, mas defender ditadura é tese estapafúrdia
É CHOCANTE o contraste entre a notícia de que a China cresceu praticamente 12% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com idêntico período de 2009, e a fúria com que reagem autoridades e economistas brasileiros contra a possibilidade de que o Brasil cresça 7%, o que seria apenas 60% do crescimento chinês.
Convém não esquecer que, "desde 1996, crescemos a uma taxa média correspondente a menos da metade da alcançada por aqueles países [Rússia, Índia e China, parceiros no Bric]: nosso crescimento anual médio per capita foi de 3%, contra 7% dos outros três", escreveu para esta Folha Luiz Carlos Bresser-Pereira, em julho passado (folha.com.br/101063, para assinantes).
Não parece ter caído sobre o Brasil uma maldição divina que o proíbe de se aproximar do crescimento chinês ou, pelo menos, do indiano. Logo, os estudiosos de Brasil devem ao público uma explicação para esse formidável deficit comparativo de crescimento.
Enquanto ela não surge, aparecem teorias estapafúrdias como a de Ricardo Amaral, no site do celebrado Nouriel Roubini, aquele que foi um dos pouquíssimos a enxergar antes a crise que se abateria sobre o planeta de 2007 em diante.
Nelson de Sá citou o artigo de Amaral, "A fórmula brasileira para o sucesso -ditadura", logo retirado do ar. Fui atrás do texto integral. É uma tremenda coleção de bobagens. Defende a tese de que uma "ditadura benevolente" (uma contradição em termos) planta "semente para a prosperidade".
Cita três períodos ditatoriais no Brasil, o mais recente dos quais foi o último que tivemos até agora (1964/85). "Plantou", segundo o artigo, a semente da Embraer e do etanol.
Como se só uma ditadura pudesse criar uma fabricante competitiva de aviões ou um programa de combustível alternativo. O Canadá é uma democracia e "plantou" a Bombardier, que compete com a Embraer, que, aliás, deslanchou mesmo após o fim da ditadura, assim como o programa do etanol.
O artigo poderia ter mencionado o fato de que, em parte do período autoritário, o crescimento econômico chegou a ser "chinês", o que os órfãos da ditadura vez ou outra citam envergonhadamente porque não é politicamente correto defender feitos de um período execrável.
Quando um endereço de celebridade, como o site de Roubini, aceita, sem pudor, a defesa desse tipo de "solução", abre-se, inexoravelmente, espaço para discutir se o modelo chinês pode ou não ser a resposta para os problemas de crescimento de países emergentes, em desenvolvimento e até subdesenvolvidos. É a rigor o único modelo alternativo, bem-sucedido até agora, às democracias liberais do mundo rico e não tão rico.
Combina, como todo mundo sabe, uma ditadura de partido único, fortemente repressiva, com uma certa liberdade para o mercado, ainda que a intervenção do Estado continue sendo importante.
Se alguém está interessado na minha opinião, que fique claro: abomino ditaduras, bem ou malsucedidas. Prefiro mil vezes o modelo brasileiro pós-1985 mas não acho que devamos ter medo a um crescimento econômico "chinês". Falta achar o caminho para ele.
É CHOCANTE o contraste entre a notícia de que a China cresceu praticamente 12% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com idêntico período de 2009, e a fúria com que reagem autoridades e economistas brasileiros contra a possibilidade de que o Brasil cresça 7%, o que seria apenas 60% do crescimento chinês.
Convém não esquecer que, "desde 1996, crescemos a uma taxa média correspondente a menos da metade da alcançada por aqueles países [Rússia, Índia e China, parceiros no Bric]: nosso crescimento anual médio per capita foi de 3%, contra 7% dos outros três", escreveu para esta Folha Luiz Carlos Bresser-Pereira, em julho passado (folha.com.br/101063, para assinantes).
Não parece ter caído sobre o Brasil uma maldição divina que o proíbe de se aproximar do crescimento chinês ou, pelo menos, do indiano. Logo, os estudiosos de Brasil devem ao público uma explicação para esse formidável deficit comparativo de crescimento.
Enquanto ela não surge, aparecem teorias estapafúrdias como a de Ricardo Amaral, no site do celebrado Nouriel Roubini, aquele que foi um dos pouquíssimos a enxergar antes a crise que se abateria sobre o planeta de 2007 em diante.
Nelson de Sá citou o artigo de Amaral, "A fórmula brasileira para o sucesso -ditadura", logo retirado do ar. Fui atrás do texto integral. É uma tremenda coleção de bobagens. Defende a tese de que uma "ditadura benevolente" (uma contradição em termos) planta "semente para a prosperidade".
Cita três períodos ditatoriais no Brasil, o mais recente dos quais foi o último que tivemos até agora (1964/85). "Plantou", segundo o artigo, a semente da Embraer e do etanol.
Como se só uma ditadura pudesse criar uma fabricante competitiva de aviões ou um programa de combustível alternativo. O Canadá é uma democracia e "plantou" a Bombardier, que compete com a Embraer, que, aliás, deslanchou mesmo após o fim da ditadura, assim como o programa do etanol.
O artigo poderia ter mencionado o fato de que, em parte do período autoritário, o crescimento econômico chegou a ser "chinês", o que os órfãos da ditadura vez ou outra citam envergonhadamente porque não é politicamente correto defender feitos de um período execrável.
Quando um endereço de celebridade, como o site de Roubini, aceita, sem pudor, a defesa desse tipo de "solução", abre-se, inexoravelmente, espaço para discutir se o modelo chinês pode ou não ser a resposta para os problemas de crescimento de países emergentes, em desenvolvimento e até subdesenvolvidos. É a rigor o único modelo alternativo, bem-sucedido até agora, às democracias liberais do mundo rico e não tão rico.
Combina, como todo mundo sabe, uma ditadura de partido único, fortemente repressiva, com uma certa liberdade para o mercado, ainda que a intervenção do Estado continue sendo importante.
Se alguém está interessado na minha opinião, que fique claro: abomino ditaduras, bem ou malsucedidas. Prefiro mil vezes o modelo brasileiro pós-1985 mas não acho que devamos ter medo a um crescimento econômico "chinês". Falta achar o caminho para ele.
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