terça-feira, dezembro 08, 2009

BENJAMIN STEINBRUCH

"Fair play"

Folha de S. Paulo - 08/12/2009


Muito da violência vista fora dos gramados decorre da falta da "fair play" verificada dentro dos campos


SENDO BRASILEIRO , interessado ou não em futebol, sua vida é impactada por esse esporte. No domingo, por exemplo, de uma forma ou de outra você se envolveu na ruidosa rodada final do Brasileiro, vencido pelo Flamengo. Daqui para a frente, cada vez mais, crescerá esse envolvimento, até a Copa-2014.
Futebol virou coisa bem mais séria que a simples diversão das tardes de domingo, como era no passado. É um segmento da economia que movimenta bilhões de reais por ano e proporciona milhares de empregos.
Apesar de não ser comentarista esportivo, gostaria de fazer algumas observações sobre futebol. Não sobre resultados -apesar de ser são-paulino e em homenagem ao João Pedro, acho que o título deste ano ficou em boas mãos-, mas sobre comportamento.
No primeiro turno, um centroavante entrou na área e, vendo que perderia a corrida para o zagueiro adversário, atirou-se ao chão. O juiz, enganado, marcou pênalti.
Mostrada de todos os ângulos pela TV, não restou dúvida: a falta foi simulada e o pênalti não existiu. O centroavante, portanto, cometeu uma infração ética. Prejudicou o zagueiro, profissional como ele, que tomou cartão vermelho injusto e não pôde trabalhar na partida seguinte. Impôs também perda desleal ao time adversário.
São inúmeros os escorregões desse tipo cometidos por jogadores, não só no Brasil -aqui com mais frequência. Atiram-se ao chão sem sofrer falta, fingem ter sido atingidos por cotoveladas, simulam dor que não sentem e rolam na grama além do necessário quando derrubados.
Dirão os mais fanáticos que, sem isso, o futebol ficaria sem graça. Não dá para concordar. Vários outros esportes mostram jogadores com comportamento melhor e, nem por isso, perdem a graça. Assista a uma partida de tênis entre Roger Federer e Rafael Nadal e verá que eles não titubeiam em reconhecer que a bola tocou a linha, mesmo que isso os prejudique.
No saibro, os tenistas costumam fazer um conhecido movimento de passar o pé sobre a marca da bola para entregar o ponto ao adversário. No sábado, o goleiro Buffon, da Juventus, em jogo contra a Inter, levantou o braço para confirmar ao juiz que a bola resvalara em sua mão e saíra para escanteio.
Escorregões éticos, infelizmente, são considerados normais no Brasil (não só no futebol, mas isso é outra história). Na Europa, jogadores que se atiram ao chão são severamente punidos pelos árbitros e repreendidos pelos próprios companheiros.
Nas últimas rodadas do Brasileiro, alguns jogadores e dirigentes deixaram claro que perderiam jogos para não favorecer rivais. Um comportamento lamentável e não punido.
No mês passado, o atacante francês Thierry Henry dominou a bola com a mão antes de tocá-la para Gallas marcar o gol que ajudou a classificar a França para a Copa da África. O juiz validou o lance, mas Henry sofreu tanta pressão que foi obrigado a se desculpar pelo Twitter. Mais de 20 anos atrás, Maradona fez o célebre gol de mão que tirou a Inglaterra do mundial de 1986. Ele nunca se desculpou e esse gol até hoje é citado como esperteza, feito pela "mano de Diós", segundo os argentinos.
Mas a mão de Deus -assim como a dos homens- não abençoa falsidades. No país da Copa-2014, os árbitros precisam agir com rigor contra simulações. Muito da violência vista fora dos gramados decorre dessa falta de "fair play" dentro dos campos. A conduta antiética consentida dá curso à ultrapassada ideia de que os espertos levam vantagem, algo inaceitável no futebol, como em qualquer outro esporte ou na vida, em geral.

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