Calotes políticos
CORREIO BRAZILIENSE - 21/11/09
Lula acumulou dívidas de omissões, agora levadas a protesto, como a da Previdência e a do caso Battisti
A saia-justa vestida pelo Supremo Tribunal Federal no presidente Lula, ao decidir pela autonomia presidencial no caso do militante Cesare Battisti, condenado na Itália e sujeito a extradição, não é diferente da que o senador petista Paulo Paim, com a contribuição de votos da oposição e da base aliada no Senado e agora na Câmara, o faz passar na questão da reforma ao avesso da Previdência.
Ambos os casos são díspares apenas no conteúdo. Na forma, os dois são iguais. Eles revelam que o que pode constranger — contrariar a multidão de aposentados em véspera de eleições, num caso; bater de frente com aliados de esquerda que apoiam a concessão de refúgio a Battisti, ex-terrorista acusado de assassinatos, no outro —, muito pior pode ficar se decisões cruciais são empurradas com a barriga.
Ou omitidas as explicações, que é o mais frequente, especialmente quando envolvem questões de racionalidade econômica e de finanças públicas. O governo se omite não só com a Previdência, deficitária e ameaçada de ter seu rombo ampliado, caso sejam aprovadas medidas como o fim do “fator previdenciário”, um redutor criado no governo FHC para desestimular as aposentadorias precoces.
Tudo que exigiu do presidente decisão sobre assuntos sem consenso e capazes de mexer com sua popularidade, como as reformas da CLT, da Previdência e a Tributária, prometidas em campanha e iniciadas algumas em seu primeiro mandato, foi largando pelo caminho.
Até aqui deu para agradar a todo mundo e driblar as cobranças por definições, graças ao esgarçamento das contas públicas — tratadas ora como elásticas, ora como se os aumentos excessivos dos gastos fossem inofensivos, ora como se preocupações ficais fizessem parte do receituário “neoliberal”, neologismo preferido para condenar os desafetos à execração política e ao mármore do inferno.
Assim já foram chamados os que propunham a Reforma da Previdência para eliminar no espaço de uma geração os déficits crescentes, em especial os atuariais, que vão ampliar-se com a tendência em curso de envelhecimento da população. Lula optou pelo calor da aclamação popular, e hoje, sem a flexibilidade de quando tais problemas eram ainda incipientes, tenta escorar-se atrás de aliados fiéis.
Liderança mal usada
De algum modo tudo isso pôde ser relevado. Para frente talvez não mais. Nenhum dos candidatos à sucessão tem o carisma de Lula, nem terá o espaço fiscal — ocupado pelas decisões de gastos já tomadas por seu governo — para continuar bancando a conciliação política e distribuir indulgências ao eleitor. O distributivismo social pela partilha da carga tributária e a irreprimível expansão dos gastos de custeio da máquina pública em todos os níveis terão de correr a um ritmo menor para abrir terreno ao aumento dos investimentos.
Não são decisões fáceis. Com canetadas não dá, só com negociações exaustivas sob forte liderança política, que Lula conquistou e não pôs a serviço da desobstrução dos impasses econômicos e políticos.
As ações aposentadas
A questão das aposentadorias, por exemplo, há muito tempo requer, se não uma mudança profunda, ao menos ações que dispensem todos os anos o governo e o Congresso decidirem o reajuste. Isso deveria ser automático, como nos planos de fundos de pensão. O segurado também deveria ter conta própria, conforme o modelo dos fundos, de modo a que saiba a qualquer tempo quanto contribui e quanto terá direito a receber ao se aposentar. Se quiser mais, a contribuição terá de aumentar. Os casos sociais, da aposentaria sem contribuição, como para trabalhadores rurais e idosos com mais de 60 anos sem renda, o financiamento teria de vir do orçamento fiscal — não do INSS, e com dotação transparente na contabilidade do Tesouro.
Banana aos políticos
Tais medidas são administrativas, mas nem isso evolui. Por quê? A suspeita é que, dispensada da mediação para acessar seus direitos, boa parte do eleitorado daria banana aos políticos. É claro também que, conhecendo as limitações orçamentárias, não é que cessariam as pressões por mais benefícios, mas o governante seria forçado a explicar as razões de beneficiar uns, não outros, e como o fará.
O sistema só diz o que lhe convém. É o que explica a longevidade de tramóias contábeis criadas para lograr o povo do FMI, que vinha aqui xeretar nossas contas. Coisas como superávit primário para o que é déficit, dívida líquida maquiando a feiúra do endividamento público, em todo mundo medido pelo conceito de dívida bruta, o tal PPI, de projeto piloto de investimento. Hoje, logra-se o eleitor.
Campanha de ilusões
Governar é decidir, não importa a quem desagrade, se foi anunciado assim na campanha eleitoral. Não dá é para prometer fartura, como os candidatos presidenciais começam a fazer, e, depois de eleito, praticar o oposto. Hoje, o presidente toma posse sem saber bem o que o aguarda. Mesmo o continuísmo, pois não só há equívocos de política econômica tornados verdades apenas por antiguidade, como se perdeu no tempo até o motivo dos cambalachos da contabilidade pública que distorcem a compreensão da economia. Mas quem liga? É mais fácil prometer o céu quando para muitos o inferno já é aqui.
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