sábado, novembro 21, 2009

ALEXANDRE BARROS

E os pobres, ministro, como ficam?

O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/11/09


Quando legisladores começam a legislar sobre compras e vendas, a primeira coisa que se compra e vende são legisladores, diz o economista-humorista libertário norte-americano P. J. O"Rourke.

Moedas são mercadoria como qualquer outra. Compram-se e vendem-se dependendo da confiança dos compradores, como confiam na qualidade e durabilidade de uma geladeira ou de um televisor. É a confiança ou desconfiança que define se pessoas, empresas e governos devem ter suas economias em dólares, libras, euros ou yuans.

Na ascensão de Hitler (e em seu apogeu), pessoas que acreditavam no "Reich de mil anos" trocaram os seus caraminguás por marcos alemães. A derrota da alemã deixou-as sem nada, nas mãos e nos cofres.

Em países instáveis as pessoas livram-se das moedas nacionais em favor de outras, pela confiança. Creem que numa crise a moeda que escolheram (e o país que a emite ou o regime político que a sustenta) triunfará. Não há outra razão para o governo da China e milhões de pessoas não-norte-americanas amealharem e guardarem um monte de papel pintado de verde, comumente chamado dólar. Guardar moedas, para quem não negocia com elas, tem a vantagem da divisibilidade infinita. Pode-se comprar ou vender de um dólar a muitos milhões.

Os ricos de verdade defendem suas fortunas no atacado, e não no varejo. Eles não dão muita importância a moedas. Operam com o ouro, que é muito mais palpável, mas muito mais complicado de negociar. Se você quer saber a temperatura de uma crise política, comece a acompanhar o preço do ouro.

Considerando o preço do ouro na época da primeira eleição do presidente Lula, ele ficou quase inalterado. Quando os primeiros sintomas da crise mundial de 2008 apareceram, o ouro deu um pulo. Quase dobrou. Começou a baixar devagar. Tradução: os ricos de verdade já não tinham medo de Lula em 2002, mas ficaram muito amedrontados com a crise que avançava rapidamente em 2008.

A declaração do ministro da Fazenda na Fiesp - que tem um presidente do Partido Socialista, caso único, que eu saiba, em países capitalistas - de que o preço ideal do dólar é R$ 2,60 é uma quase-legislação de um funcionário graduado do governo num mercado que já provou que funciona bem sem interferências. Suas consequências são muito graves e pouco claras à primeira vista. E o pior, sobre compra e venda de uma mercadoria que afeta todos os outros preços. As exportações brasileiras ficarão mais baratas para os consumidores estrangeiros: com a mesma quantidade de dólares comprarão R$ 2,60 de produtos brasileiros, e não mais apenas R$ 1,70. Bom para exportadores.

Já que perguntar não ofende: o ministro é do Brasil ou dos exportadores?

Na teoria econômica do ministro não vigora que quando se muda artificialmente o valor de uma moeda estrangeira, ainda que os exportadores possam vir a ganhar mais, todos os outros cidadãos, os não-exportadores, passarão a pagar mais caro pelos produtos importados (ou que têm partes ou insumos importados)? No mundo globalizado isso é corriqueiro. Você não precisa comprar nenhum produto estrangeiro para que ele tenha componentes importados. Sua calça pode ter o pano, a tintura, as linhas, os botões ou o zíper estrangeiros ou com componentes estrangeiros.

Quando o governo interveio artificialmente no câmbio, na gestão de Gustavo Franco no Banco Central, todo mundo passou a consumir frango à vista e Orlando a prazo. O objetivo era baixar a inflação. Mas essa política teve um custo: queimamos reservas para defendê-la.

Tanto em contabilidades nacionais como em contabilidades privadas, as contas têm de fechar: o que se gasta tem de ser igual ao que se ganha, ensinou-nos Frei Luca Pacioli, o inventor da contabilidade. A diferença do setor privado é que o país não vai à falência, mas seus cidadãos ficam mais pobres ou mais ricos em sua capacidade de consumo.

A interferência do ministro no mercado do dólar contraria os interesses dos consumidores brasileiros, beneficiando só um grupo muito específico.

Os problemas sérios dos exportadores não estão no câmbio. Estão nos impostos, no emaranhado burocrático da exportação e no difuso custo Brasil, que vai da corrupção burocrática à infraestrutura falida, que quebra os eixos dos caminhões e encarece o produto brasileiro.

Impostos até servem para sustentar coisas boas, mas também pagam o Estado aparelhado com correligionários, as despesas do Senado e outras coisas que você, leitor, encontra diariamente nos jornais. Finalmente, estão na simples incapacidade empresarial de alguns exportadores de produzir seus produtos a preço menor.

Resumindo, não é fácil ser exportador e ganhar dinheiro, no Brasil. Mas daí a mudar artificialmente o valor do dólar apenas para beneficiar os exportadores, em prejuízo de todos os demais brasileiros, vai uma grande distância.

A política proposta pelo ministro "protege" o cidadão brasileiro contra produtos estrangeiros mais baratos. E esse não parece ser o objetivo do governo do presidente Lula, que diz todos os dias que a prioridade do governo é a erradicação da pobreza.

Há uma cacofonia entre a fala do presidente e a do ministro da Fazenda. Enquanto o ministro se contentava em dizer platitudes, era perfeito, porque não afetava nem interferia na parte séria do governo. O Ministério era uma espécie de mimo dado a um amigo de lutas passadas.

No momento, entretanto, em que o ministro acha que faz parte de suas tarefas imiscuir-se na política cambial do País para beneficiar um grupo específico, em detrimento de todos os brasileiros, sobretudo os pobres, as coisas ficam muito mais sérias.

A desvalorização beneficia a ineficiência dos exportadores.

Alexandre Barros, cientista político (Ph.D.- University of Chicago) é diretor-gerente da Early Warning: Análise de Risco Político (Brasília)Email: alex@eaw.com.br

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