terça-feira, novembro 10, 2009

BENJAMIN STEINBRUCH

Cá entre nós...

Folha de S. Paulo - 10/11/2009

É muito bonito dizer que o real virou uma moeda forte, mas nada agradável avaliar as consequências disso

VISTO DO exterior, o Brasil está "bombando", para usar uma expressão da moda. Todos perguntam, admirados, o que está acontecendo no país, que superou com tanta rapidez a crise econômica internacional -até a rainha Elizabeth 2ª fez essa pergunta ao presidente Lula, na semana passada.
Talvez os estrangeiros sofram influência do marketing que o Brasil aprendeu a fazer sobre as qualidades brasileiras. Vai ficando para trás, felizmente, aquela velha imagem do país que só tinha futebol, praia, mulher bonita e Carnaval. Mas não há como negar fatos: a economia brasileira reagiu bem nesse período pós-crise.
Deixemos que os gringos exaltem o Brasil sem contestação. Isso faz bem ao nosso ego nacionalista, tão sufocado nas últimas décadas, e à nossa autoestima. Mas, cá entre nós, não podemos esconder um problema que não é novo e que nos aflige neste momento: o câmbio.
É muito bonito dizer que o real se tornou uma moeda internacionalmente forte, mas nada agradável avaliar as consequências desse fortalecimento. A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), entidade da qual tenho a honra de ser vice-presidente, fez um estudo, a pedido do jornal "Valor", que mostra as razões da invasão de produtos chineses neste período pós-crise.
Manufaturados chineses são muito baratos há décadas por várias razões, como baixos salários, reduzidos encargos trabalhistas, pequena carga tributária e moeda desvalorizada. Preço competitivo foi o motor da expansão da economia da China desde o início dos anos 80. Mas, com a crise mundial, os preços chineses caíram ainda mais. O estudo da Fiesp indica, por exemplo, que o preço de muitos produtos chineses importados oferecidos no Brasil baixou mais de 50% em apenas nove meses. Em reais, alguns brinquedos estão hoje 55% mais baratos do que no início do ano. E certas manufaturas têxteis tiveram queda de até 63%.
É impressionante observar a tabela de preços desses manufaturados chineses neste ano: 46% menores no caso de pneus para ônibus; 32% em equipamentos de ar-condicionado; 30% em camisas de algodão; 34% em telas para microcomputadores portáteis e assim por diante.
Tudo isso se dá por uma questão cambial. A moeda chinesa, o yuan, não oscila ao sabor do mercado. É rigorosamente controlada pelo governo. Desde o início da crise, ela se mantém inalterada na cotação de 6,82 yuans por um dólar. Como o dólar desabou em relação ao real -a queda foi de quase 30% neste ano-, a moeda chinesa caiu junto. O efeito prático disso foi o barateamento geral dos produtos chineses no Brasil e no mundo.
Em meio a esse otimismo em relação ao Brasil, ou ufanismo, como diriam os mais céticos, não se pode ignorar que o problema cambial é potencialmente muito grave, porque introduz um germe na economia. Já vimos esse filme e sabemos como ele geralmente termina: deficit na balança comercial e em conta-corrente. Nesse caso, mudariam as expectativas em relação ao país, acabaria o oba-oba internacional e haveria enormes dificuldades para o financiamento do balanço de pagamentos.
É claro que estamos longe de um desfecho dessa natureza, mas são muito bem-vindas medidas preventivas que levem em conta o potencial de gravidade do problema. A simples taxação de investimentos financeiros não foi eficiente. Outras medidas são necessárias para controlar o que o ministro Guido Mantega chamou de "atração fatal" do capital estrangeiro.

BENJAMIN STEINBRUCH, 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

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