quinta-feira, setembro 03, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Feliz aniversário, Wall Street


Folha de S. Paulo - 03/09/2009




Com subsídio estatal, mundo escapou da Segunda Grande Depressão; mas onde está o novo fator de crescimento?

O RENOVADO presidente do Banco Central americano, Ben Bernanke, quase declarou ter salvo o mundo da Segunda Grande Depressão, durante o encontro estival de BCs, ministros de Finanças e economistas em Jackson Hole (Wyoming, EUA), no final de agosto. Stephen Roach escreveu que Bernanke se comporta como o médico que salva miraculosamente o paciente, doente no entanto quase desenganado por ter sido vítima de barbeiragens do próprio médico -Bernanke. Tido como espírito de porco contumaz, embora bastante certeiro, Roach preside o Morgan Stanley na Ásia, após longa temporada como economista-chefe do banco, quando fez fama de urubu.
Mas o mundo de fato não derreteu na Segunda Grande Depressão. Em boa parte, o desastre final foi pontualmente evitado devido às ações de Bernanke. Entre os estertores de Bush e a chegada de Obama, ele tomou conta do barraco quase sozinho. O fato de as condições materiais de vida serem muito boas e de o Estado de bem-estar social não ter sido desmontado ajudaram a evitar a Depressão e eventuais tumultos políticos (sobre "condições de vida muito boas": lembre-se de que, nos anos 1930, muita gente passou fome e frio mortal no mundo rico).
É verdade também que o "plano Bernanke" basicamente foi (aliás é) um programa em que o Fed toma o lugar de largas partes do mercado financeiro (que faliu ou fugiu) e subsidia largamente a banca privada. Por fim, os governos torraram dinheiro das próximas gerações (fizeram grossa dívida) a fim de subsidiar o consumo e limpar a sujeira de Wall Street e cia. "Sujeira" é um termo leve e adequado a um jornal familiar.
A finança mais poderosa, rica e sofisticada do planeta promoveu a maior e a mais incompetente, trambiqueira, falaciosa e corrupta alocação de recursos desde o início dos tempos. Isto é, essa gente investiu onde não devia, destruiu poupança, malversou capital, ficou com os lucros e deixou a conta para os trouxas. Neste quase ano completo do estouro final da crise, trata-se de um feliz aniversário para a banca.
E para o resto? É difícil encontrar por aí um indicador econômico importante que continue a piorar. Ou melhor, alguns continuam a piorar, mas cada vez mais devagar, caso do desemprego americano. São agora mais raros os mercados, como o de imóveis comerciais nos EUA, ou de economias, como as do Leste Europeu e da Espanha, que ainda afundam. Parte importante da sensação de melhora, porém, se deve ao contraste com a "experiência de quase morte"; o doente continua ligado a muitos aparelhos para sobreviver.
O BC dos EUA, o Fed, sustenta ainda parte grossa do mercado de crédito nos EUA. O consumo privado se sustenta ainda com muito subsídio oficial. A produtividade e o lucro de empresas cresceu, como nos EUA, mas isso é corte de custos (demissões e queda de salários). Na recessão do início do século, bem mais benigna, os EUA saíram da crise com juros baixos e pendurados numa bolha, a imobiliária. Desta vez, quando e se acabar o subsídio público, de onde virá o dinheiro para impulsionar o consumo das ainda avariadas famílias dos EUA? Como o capital vai crescer -onde está a novidade do investimento privado?

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