terça-feira, setembro 15, 2009

MAURO DE REZENDE LOPES

Produtores endividados e associações

O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/09/09


O individualismo no meio rural tem sido um problema na agricultura brasileira. Impede a formação de associações, consórcios e condomínios agrários, cooperativas para obter a redução de preços de insumos e para a venda de produtos. Isso é tão óbvio que dispensa comentários. Endividados, os produtores não têm acesso a crédito. Mas, associados, é possível levantar recursos para comprar insumos com desconto. Melhor: podem vender em grupo, formando lotes maiores e ganhando um pouco mais.

Para entendermos bem o que passa na "cabeça" dos produtores nas comunidades do agronegócio, conduzimos uma pesquisa com cerca de 150 produtores e dirigentes dos elos das cadeias do agronegócio, por meio da aplicação de um questionário para identificar os fatores que facilitam e os que dificultam as associações e parcerias entre produtores.

No questionário, pedimos que os entrevistados dessem uma nota de 1 a 10 - 1, para a importância menor desses fatores, e 10, para a importância maior. Os entrevistados deram notas de acordo com a percepção que tinham desses fatores dentro das comunidades onde viviam. Participaram da pesquisa dirigentes do agronegócio de vários Estados do País.

Os resultados sobre os fatores que facilitam a associação de negócios nas comunidades do agro brasileiro (com as respectivas médias das notas entre parêntesis) indicam que os membros da comunidade de negócios: não têm dificuldade de encontrar parceiros (8,04); não têm comportamento individualista ou isolacionista e se associam frequentemente (7,89); têm a capacidade de antever um novo negócio que exigirá esforço, mas é possível alinhá-lo com as suas habilidades (7,93); têm poder de influência sobre a comunidade de negócios na região (7,52); não só percebem oportunidades, mas também agem para aproveitá-las (8,11); não estão na "área de conforto" ou "não ligam o piloto automático" (8,30); e ouvem outros empresários e parceiros com a mente aberta (8,07). Além de surpreenderem por aspectos tais como o que dizem aos potenciais parceiros - "se você iniciar um negócio, quero que me inclua" (7,67) - e por manterem sempre na memória as vezes em que foram bem-sucedidos nas parcerias (7,56).

Os fatores mais importantes que dificultam o associativismo, dentro das características dos membros das comunidades do agro brasileiro, foram: não têm condição de fazer uma análise de riscos competente no projeto (8,19); não acreditam que um bom projeto viabilize recursos, acham que o recurso é que faz o projeto, e não o projeto que faz o recurso (7,85); receiam o risco de falta de uniformidade de pontos de vista entre os parceiros (7,07); não buscam novas oportunidades de negócios; estão à vontade com o empreendimento atual (7,05); acreditam que não têm segurança financeira para um novo negócio; e não valorizam relações empresariais, mas sim relações com o governo, na ideia de que só o "governo salva" (7,56).

A conclusão a que se chega é de que é preciso trabalhar esses fatores. Identificá-los é importante para saber por onde começar o trabalho de preparação dos produtores para arranjos societários entre seus pares. O associativismo de resultado já está aparecendo no meio rural.

Há neste meio vários grupos de produtores endividados que se associaram para criar uma pequena cooperativa e obter redução de custos. Existem pelo menos três no Estado de Goiás e mais alguns nos Estados do Sul. Há um grupo muito bem-sucedido em Goiás, em que os produtores endividados se associaram. Os líderes levaram cerca de quatro anos para convencer os vizinhos de três cidades próximas a trabalharem construtivamente suas diferenças. O começo foi bastante difícil. Hoje, uma pequena cooperativa soma 14 núcleos de 2 a 3 produtores e seus sócios que compram em conjunto. O grupo logrou obter reduções da ordem de 5% a 12% nos preços dos fertilizantes e defensivos. Com o tempo, conseguiram reduções muito elevadas, depois de a cooperativa se associar a uma grande cooperativa. As reduções de preços atingiram 15% em defensivos e 20% em fertilizantes.

Em viagem ao interior, vimos que os produtores estão mudando sua maneira de pensar. Alguns depoimentos demonstram isso: "O que podemos fazer juntos que é melhor do que separados?"; "A minha prosperidade depende da prosperidade do meu vizinho"; e "O meu problema está da porteira da fazenda para fora: eu tenho que me associar." As coisas estão mudando.

*Mauro de Rezende Lopes
é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da FGV
E-mail: mrlopes@fgv.br

O colunista Celso Ming está em férias.

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