sábado, agosto 15, 2009

RUY CASTRO

Caindo na vida


FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/09

Há tempos usei este espaço para falar de um menino de 11 ou 12 anos (“Sem mãe para deletar”, 4/8/2007), vizinho do prédio ao lado, que eu observava pela janela, noite após noite, madrugada adentro, com seu nariz colado à TV de 50 polegadas e ao computador. No texto, eu dizia que nunca vira um adulto no apartamento, mas corrijo: às vezes, aparecia uma senhora de uniforme. E talvez ele fosse um pouco mais velho, com seus 13 ou 14.

Na coluna, eu lamentava que um garoto desperdiçasse sua adolescência carioca queimando noites acoplado a um mouse e dormindo durante o dia. Se ele morasse em Assunção, Genebra ou Filadélfia, seria normal. Mas no Rio, com tantos e constantes apelos da rua, era incompreensível.

Pois tenho o prazer de informar que ele parece ter saído à rua. Pelo menos não o vejo mais. A TV e o computador continuam lá, mas abandonados. O quarto vive agora às escuras, exceto pela senhora de uniforme que, toda noite, ali pelas 11, acende um discreto abajur, talvez para quando ele voltar, sabe-se a que horas. Imagino que, de repente com 15 ou 16 anos, o guri tenha descoberto lazeres e prazeres fora da vida digital.

Imagino-o em ação nas excitantes gafieiras da Lapa ou da Gamboa, flanando pela nova Praça da Bandeira ou azarando em points clássicos da noite carioca, como Santa Teresa, as ruas Dias Ferreira e Farme de Amoedo ou os baixos Gávea e Bernadotte. E posso vê-lo também de manhã cedo, voando de asa delta, parapente e kitesurf, ou atento ao vento sudoeste para tirar a prancha de detrás da porta e enfrentar as ondas do final do Leblon, da Praia da Macumba ou do Arpoador.

Não sei se o garoto está mesmo fazendo tudo isso. Mas tudo indica que se livrou da ditadura virtual e, bronzeado, feliz e saudável, caiu na vida. Na vida real, digo.

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