Talvez você não aguente mais ler qualquer comentário sobre as atuais tribulações de José Sarney. Eu sei que mal aguento escrever a respeito.
Mas, o que fazer? A transcrição de um telefonema entre o senador e seu filho, comentando a nomeação do namorado da neta de Sarney para um emprego no Senado por ato secreto, é prova original. Mostra, sem risco de contestação, que a parentada não andou usando o nome do patriarca para mau proveito. Ele sabia de tudo, e tudo considerava natural e justo.
A divulgação da conversa entre pai e filho provocou um fato político que pode ter consequência importante: a nota do líder do PT, Aloizio Mercadante, apoiando a convocação do Conselho de Ética do Senado para investigar a participação de Sarney nos atos secretos. Se o conselho realmente se reunir - contrariando, é sempre bom lembrar, o apoio que o presidente do Senado tem recebido até agora do presidente Lula - com certeza abrirá caminho para que Sarney se licencie da presidência, como deseja Mercadante. Mas há o risco de que uma licença seja vista pelos senadores e pelo governo como uma espécie de punição, pretexto suficiente para que o Senado e o governo empurrem o problema com a barriga, até ser inteiramente esquecido na animação do ano eleitoral quem vem aí.
A propósito, outros caminhos precisam ser abertos no matagal da burocracia do Senado. Por exemplo, vale a pena tentar descobrir por que a Casa precisa fazer secretamente atos banais, como a nomeação de um funcionário de terceiro ou quarto escalão.
Pelo que se pode deduzir até agora, o sigilo tem servido principalmente para esconder da opinião pública o inchaço extraordinário do corpo de funcionários. É um problema que com certeza não se resolve simplesmente com a aprovação de sugestões da Fundação Getúlio Vargas. A FGV pode apenas propor medidas; não seria fato inédito na vida pública brasileira se as suas propostas forem entusiasticamente aprovadas e imediatamente engavetadas.
De qualquer maneira, uma reforma administrativa moralizadora na Casa não virá no embalo de boas intenções e empurrada por pressão da opinião pública. Esta tem memória tão curta quanto a dos políticos.
Por exemplo, as tribulações de José Sarney já fizeram todo mundo aqui fora esquecer o uso abusivo e mesmo ilegal de passagens aéreas, tanto no Senado como na Câmara. Mas foi com esse escândalo que a crise política começou. E alguém imagina que, uma vez resolvido o caso pessoal do presidente do Senado, o escândalo das viagens voltará a primeiro plano?
Se Sarney realmente se licenciar, será uma esperta humilhação, abrindo caminho para que todos os interessados, no Congresso e no governo, comecem a mudar de assunto. Pelo menos, a gente não precisará mais escrever sobre as espertezas da classe política. Por algum tempo, naturalmente.
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