Os partidos e o senso comum
Mauro Santayana
JORNAL DO BRASIL -08/05/09
Quando o STF decidiu pela cassação do mandato dos parlamentares que troquem de partido, opôs-se à realidade. Os atuais partidos são agrupamentos com fins eleitorais, mas não entidades políticas organizadas. Necessitam de ideias e de democracia interna que os legitimem e vitalizem.
Para muitos historiadores, houve e há dois partidos: o conservador e o liberal (no sentido clássico do termo). O primeiro representa os clãs oligárquicos e os grupos econômicos, defensores da estabilidade do sistema que os beneficia. Os que a isso resistem e nele veem a continuidade da injustiça estão do outro lado. Essa divisão ficou clara na Assembleia Francesa de 1789, quando os conservadores ocuparam o lado direito do grande salão e os revolucionários se reuniram naturalmente no outro lado. A partir de então a uns coube a denominação geral de direita e, aos outros, de esquerda.
No Brasil, nem essa divisão se faz nítida. Partidos que se dizem de esquerda acolhem notórios conservadores, e, em razão das disputas regionais, políticos de inspiração popular se inscrevem em legendas reacionárias. Até o golpe de 1964, os conservadores, do centro para a direita, preferiam a UDN, e os do centro para a esquerda, o PSD. Mesmo assim, Teotônio Vilela, em entrevista que me concedeu, explicou por que estava na legenda conservadora: os adversários municipais de sua família eram do PSD. Só lhe restava a UDN.
Isso explica realidade transparente na República anterior a 1930: os partidos são entidades regionais. A razão federativa determinava que a facção majoritária do PRM – Partido Republicano Mineiro – nada tivesse a ver com a dominante no PRP (o Republicano Paulista), a não ser a óbvia e comum ideia de República. Assim, em 1929 e em 30, os "republicanos" mineiros se articularam contra os "republicanos" paulistas, e fizeram, com os gaúchos e paraibanos, a Revolução contra o predomínio de São Paulo sobre a Federação. Essa razão federativa é a que ocorre hoje, entre o PSDB de São Paulo e o PSDB de Minas e de outros estados. Os interesses dos estados, em princípio, prevalecem, dentro das legendas atuais.
Os partidos políticos, como os conhecemos, surgiram na Inglaterra do século 17, com a divisão entre os conservadores (tories) e os liberais (whigs), que foram substituídos pelos trabalhistas de hoje. Surgiram dentro da Câmara dos Comuns, e, tradicionalmente, continuam ali. São organizações não oficiais, e só em 1998 passaram a registrar-se junto às autoridades eleitorais. Sendo assim, não exercem oficialmente o poder de indicar os candidatos – a não ser na propaganda política. Qualquer pessoa, que seja endossada por 10 eleitores e faça o depósito de 500 libras esterlinas, pode apresentar-se como candidato à Câmara dos Comuns. Se eleger-se, incorpora-se, no Parlamento, ao grupo partidário de sua escolha. Não obstante isso, a democracia inglesa se revela nos 137 partidos existentes no país.
As circunstâncias históricas da Inglaterra não são as nossas, que temos menos de 200 anos de Estado independente. Aqui, estamos, a duras penas, construindo uma ordem política que dê suporte à soberania nacional. Sendo assim, devemos contar com partidos políticos, mas não em sua forma atual. É preciso que os programas partidários sejam cumpridos pelos eleitos. A democracia interna exige que as legendas se organizem das bases para o cimo. Todos os filiados devem ter o direito de pleitear o acesso aos cargos de direção, mediante sistema no qual cada um deles, qualquer seja sua posição na hierarquia, só disponha de seu próprio voto, e as comissões executivas tenham o seu poder limitado.
Estará o Congresso disposto a avançar no sistema democrático, a ponto de extinguir a ditadura dos donos dos partidos sobre o processo eleitoral? Será possível estabelecer um sistema de prévias, de forma a que as bases indiquem os candidatos aos diversos cargos, em lugar de apenas aprová-los nas convenções? Não parece provável, sobretudo quando o STF, em decisão surpreendente, decidiu que até mesmo os mandatos majoritários são dos partidos, e não de seus titulares. Se Lula deixar o PT – embora o PT só tenha contribuído com cerca de 30% para sua vitória – Sua Excelência, em tese, perderá o mandato para o seu partido, e os 70% dos eleitores de outros partidos, que nele votaram, serão lesados.
O grande mal de nosso tempo é o desprezo ao senso comum.
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