quarta-feira, fevereiro 11, 2009

ÉLIO GASPARI

O companheiro Obama fez a primeira cesta

O Globo - 11/02/2009
 

O companheiro Obama riscou uma linha na areia: cria milhões de empregos ou está frito. Sua promessa foi esperta. Ele falou em "criar ou preservar" quatro milhões de postos de trabalho. Como será impossível separar os empregos preservados pelo seu pacote ou pelo movimento de rotação da Terra, o sucesso de sua iniciativa dependerá de julgamentos subjetivos, quase todos ancorados na maneira como o povo americano perceberá a provação que atravessa. 

O presidente dos Estados Unidos que apareceu na entrevista de segunda-feira mostrou-se um sujeito com quem um cidadão está disposto a conversar sobre as dificuldades do mundo, do país e mesmo de sua família. Para quem gramou oito anos de Buck Bush, é um refrigério ver Obama andando no corredor da Casa Branca como uma pessoa normal. Sua fala mansa, livre de marquetagens primitivas, indica que alguma coisa já mudou. 

O companheiro tomou posse com um discurso pedestre e podia-se temer que continuasse com um pé no palanque. Para quem deu a primeira entrevista coletiva antes de completar um mês de governo, o presidente americano olhou pouco para o retrovisor. (Com seis anos de Planalto, Nosso Guia ainda não conseguiu digerir esse formato de comunicação com a choldra.) 

A briga de Obama não se limita à aprovação do seu pacote de US$800 bilhões pelo Congresso. Essa é a parte fácil. Ele quer outra: o encurralamento dos republicanos e da sua forma de pensar. (No Brasil essa modalidade de pensamento dominou ekipekonômica que fez a privataria tucana e depois aninhou-se na banca.) Desde a chegada de Ronald Reagan à Casa Branca, em 1981, os republicanos empunham um estandarte segundo o qual "o governo não é a solução, o governo é o problema". A festa acabou em setembro passado, quando Wall Street e seus fâmulos passaram o pires para as Viúvas de todo o mundo. 

Quando um repórter fez uma pergunta na qual associava a crise aos exageros de consumo dos americanos, Obama foi na jugular: 

"Bem, em primeiro lugar, eu não acho certo dizer que o consumo nos jogou nesta confusão. Nós caímos nela, em primeiro lugar, porque bancos assumiram riscos exorbitantes com o dinheiro dos outros, confiando em ativos duvidosos. Isso e mais a enorme alavancagem. Eles tinham US$1 e apostavam US$30 com ele." 

A ideia de um Obama na campanha e outro na Casa Branca pode vir a ser provada, mas fica para depois. Ele mostrou ao Congresso e aos adversários que vai buscar apoio nas cabeceiras da vontade popular. 

Não foi à toa que marcou a entrevista para as oito da noite e, teatralmente, passou a manhã numa cidade chicoteada por uma taxa de desemprego de 15%. Nesse sentido, Obama levanta a suspeita de que pertença à elite dos demagogos polidos e cultos como seus dois antecessores que também passaram por Harvard: Theodore e Franklin Roosevelt. 

Um bom exemplo da consistência entre o candidato e o presidente esteve na resposta que o companheiro deu à pergunta relacionada com o Irã. 

Pela primeira vez em trinta anos um presidente americano pronunciou 330 palavras tratando da tirania dos aiatolás sem insultá-los e sem estabelecer precondições imperiais. 

Serviço: O companheiro foi maquiado por um republicano. Carregaram na sombra das pálpebras e quando Obama apareceu, estava mais para Isabelita dos Patins do que para Thomas Jefferson.

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