Se garantirmos a solvência do Estado, poderá haver algum impulso fiscal
Estamos enfrentando uma epidemia. A dívida pública irá se elevar muito. Como pagar? Não há mágica. Teremos que retomar a estratégia de ajuste fiscal.
Outro tema é a necessidade ou não de política fiscal expansionista para estimular o crescimento da economia. A ideia é que um estímulo fiscal associado a um plano de investimento público em infraestrutura é essencial para recuperar o dinamismo da economia.
Esse é um debate que existia antes do desembarque da Covid-19 entre nós.
Nos três anos subsequentes à nossa grande crise, o desempenho da economia brasileira vinha sendo muito ruim. Por três anos –de 2017 até 2019–, crescemos ao ritmo de 1% anual.
Há duas teorias para explicar o desempenho ruim. Diversos analistas mais ortodoxos, entre os quais me incluo, argumentavam que os desequilíbrios produzidos por muitos anos antes da crise explicam o baixo crescimento.
Obras paradas no trecho norte do Rodoanel, em São Paulo - Zanone Fraissat-06.fev.20/Folhapress
Duas eram as fontes dos desequilíbrios. Primeira, o desequilíbrio fiscal estrutural. Isto é, o crescimento do gasto público incluindo transferências, por determinação legal, a taxas sistematicamente superiores às taxas de crescimento da economia.
Segunda, baixíssima taxa de crescimento da produtividade. Além das questões de mais longo prazo de nossa economia –a produtividade tem tido um desempenho ruim há décadas–, o longo ciclo de investimento liderado pelo setor público, entre 2006 e 2014, produziu má alocação generalizada do capital, agravando o problema.
Ambos os desequilíbrios demandavam e demandam reformas estruturais de natureza fiscal e microeconômica: previdenciária, administrativa, tributária, abertura da economia, entre tantas outras.
Assim, o diagnóstico ortodoxo prioriza temas da oferta agregada. Questão: o baixo crescimento entre 2017 e 2019 foi fruto exclusivamente de nossos problemas estruturais?
Penso que não. Apesar de as questões estruturais serem de longe nosso maior problema, é verdade que houve no triênio 2017 a 2019 carência de demanda agregada. Nesse triênio, a inflação esteve sistematicamente aquém da meta. Há uma verdade heterodoxa.
Olhando retrospectivamente, a política monetária poderia ter sido mais frouxa. Não sou engenheiro de obra pronta. Se lá estivesse e com a informação disponível à época, não teria feito melhor.
Voltamos aqui ao início da coluna: faz sentido, dado que sairemos da pandemia com ociosidade ainda maior do que nela entramos, algum ativismo fiscal?
Se aprovarmos reformas que garantam solvência do Estado, condição necessária para que as taxas longas de juros caiam, penso que sairemos da crise com juros de equilíbrio para prazos de até dez anos próximos das taxas de crescimento que observaremos ao longo de alguns anos.
A elevada ociosidade garantirá taxas de crescimento maiores por alguns anos.
A economia brasileira operará por alguns anos em condições próximas ao que chamei de moto perpétuo –que ocorre quando o gasto público se autofinanci–, permitindo alguma flexibilização fiscal.
No entanto tenho certo ceticismo. Como mais de uma vez tem apontado meu amigo Marcos Lisboa, há inúmeras obras paradas, e não por falta de recursos. Em muitos casos, problemas regulatórios e gerenciais do Estado brasileiro impedem que as obras avancem.
De qualquer forma, se na saída da atual epidemia avançarmos na construção da solvência do Estado brasileiro, haverá algum espaço fiscal para elevação do investimento público em infraestrutura.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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