quarta-feira, outubro 02, 2013

Os primeiros enigmas - ARTUR XEXÉO

O GLOBO - 02/10

Já chegaram à redação os primeiros votos para a eleição dos vencedores da segunda edição do Troféu Zum de Besouro. Como todo mundo sabe, o Zum de Besouro premia, sem muita constância, os versos mais enigmáticos da música brasileira. E, nesta primeira fornada de votos, é importante que se repare uma injustiça. A maioria dos leitores se surpreendeu ao saber que a obra de Luiz Melodia não estava entre os mais votados da primeira edição. Como diz o leitor Pedro Jorge Caldas Pereira: “Pode escolher qualquer verso de ‘Fadas’.”
Fico com o primeiro:
“Devo de ir... fadas/ Inseto voa em cego sem direção
Eu bem te vi... nada/ Ou fada borboleta ou fada canção
As ilusões... fartas/ Fada com varinha virei condão.”
Nunca entendi uma só palavra desta canção. Mas esse negócio de “fada com varinha virei condão” sempre me cheirou a algum apelo sexual.
Mas a mais lembrada é “Juventude transviada” com seu início inesquecível: “Lava roupa todo dia, que agonia!,/ na quebrada da soleira, que chovia/ Até sonhar de madrugada/ Uma moça sem mancada/ Uma mulher não deve vacilar.”
Sempre vi algo de feminista na canção. Afinal, “uma mulher não deve vacilar”. Mas o mais difícil sempre foi tentar entender como é que uma quebrada da soleira pode chover. Ou não?
Nesta primeira contagem de votos do Zum de Besouro, vamos abrir um espaço para a dupla Fernando Brant e Toninho Horta, autores de “Durango Kid”: “Propriamente eu sou/ Durango Kid/ Eu vim trazer, eu vim mostrar/ Novo jornal, novo sorriso...”
Põe enigmático nisso.
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O Twitter está em chamas. Estreou, na última segunda-feira, no Canal Viva, a reprise de “Água viva”, novela de Gilberto Braga que marcou época. Produzida em 1980, “Água viva” é a novela mais antiga da série de reprises do Viva. Na época, foi um estouro. Substituindo uma atração não muito bem sucedida, “Os gigantes”, de Lauro Cesar Muniz, “Água viva” deu certo desde o primeiro capítulo. Até hoje, alguns de seus personagens são lembrados com nome e sobrenome, como se fizessem parte do passado dos espectadores. Miguel Fragonard, Stella Simpson, Lurdes Mesquita...
Quem viu o primeiro capítulo exibido há dois dias já percebeu que a novela tem muitos elementos para alimentar a nostalgia da audiência. Uma sequência inteira foi gravada no Trem de Prata, que fazia a ligação entre Rio e São Paulo, com cenas no vagão-restaurante e numa cabine com cama beliche. Muito deste primeiro capítulo também foi dedicado a cenas de pesca em alto mar, esporte a que o galã (Reginaldo Faria como Nelson Fragonard) se dedica, mas todo mundo sabe que o esporte que a novela divulgou mesmo foi o windsurf, na época, uma novidade. E ainda vem aí Lucélia Santos na pele de Janete, a canequete, que era como eram chamadas as fotógrafas que registravam instantâneos do público no Canecão.
Outra surpresa foi ver nos créditos de abertura o nome de Claudio Cavalcanti. Eu não me lembrava de sua participação. Ele faz o genro de Lurdes Mesquita (Beatriz Segall), eterno alvo da sogra-vilã. Claudio era um nome meio esquecido pela televisão ultimamente. Andou fazendo novelas na Record e no SBT, mas há muito tempo não ganhava um papel de destaque. Pois agora, depois de morto, estreia na série “Sessão de terapia” e volta ao ar com “Água viva”. Até parece que uma segunda carreira se anunciava para ele. Mas chegou tarde demais.
O limite do humor é um tema sempre em discussão. Seja qual for, um pouco dele foi ultrapassado com a estreia, na semana passada, na TV americana, do “The Michael J. Fox Show”. Como todo mundo sabe, Fox sofre do Mal de Parkinson e há alguns anos está afastado do trabalho de ator. Este programa é sua volta à programação semanal da televisão. No show, ele interpreta um âncora famoso de um telejornal, que afastou-se há alguns anos do trabalho por sofrer... do Mal de Parkinson. É uma comédia. E quase todas as piadas são centradas na doença do ator/personagem. Na série, o protagonista é convencido pela família a voltar ao trabalho pois ninguém aguenta mais conviver com ele dentro de casa. Fox enfrenta seus medos e retorna ao telejornal. Melhor de tudo: o programa é engraçado, e Fox está dando um banho. Não há Parkinson capaz de fazer tremer o seu carisma.
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Recebi muitos e-mails reclamando do suposto spoiler (quando é que a gente começou a chamar desmancha-prazer de spoiler?) que deixei aqui, há duas colunas, quando comentei a morte do personagem Matthew em “Downton Abbey”. Bem, quando a terceira temporada da série estreou no Reino Unido, o ator Dan Stevens deu entrevista para todos os jornais britânicos dizendo que estava deixando o programa. Imediatamente, os produtores da série anunciaram que o personagem morreria. Sobrou como surpresa para o espectador apenas a maneira como Matthew sairia de cena. E esta surpresa, eu mantive. Essa obsessão por não revelar spoilers (olha ele aí de novo) ainda vai fazer com que leitores achem um absurdo a gente comentar quem é o assassino de “Psicose”.
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Ao ver manifestantes vaiando os artistas que chegavam ao Cine Odeon para participar da abertura do Festival do Rio, pouco depois de vaiarem e xingarem os espectadores que, não longe dali, formavam fila para comprar ingressos para o show do Teatro Rival, faço minhas velhas palavras de Caetano: “E é essa a juventude que quer tomar o poder?” Caetano sempre atual.
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Visto entre os cartazes de uma manifestação do movimento dos professores: “Greve até o fim do capitalismo”. Não sei não, mas acho que vai demorar.


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