segunda-feira, abril 23, 2012

Roteiros para Cuba - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECON:OMICO - 23/04/12

Não acredito que a Cúpula das Américas tenha ficado sem um texto final só porque Estados Unidos e Canadá não endossaram a posição, majoritária no continente, sobre a integração de Cuba e a pretensão argentina às Ilhas Malvinas. Afinal, o único país que se importa com as ilhas geladas é a própria Argentina; quanto à ilha tropical, faz tempo que Cuba deixou de ter peso na política do mundo. Hoje, só lhe resta o papel simbólico. Terá servido, se tanto, de pretexto para a maioria manifestar sua irritação com o descaso de Washington por agendas mais substanciais, e para os americanos agradarem aos cubanos da Flórida. Se a reunião prometesse algo importante, a bola não teria sido jogada para escanteio.

Mas por que Cuba perdeu o relevo político que foi seu, na época em que vencia os sul-africanos em Angola e Fidel tentava mediar o conflito da Somália com a Etiópia, ambas "socialistas" (assim, entre aspas)? E para onde se orienta esse país? Porque, hoje, a única importância que lhe resta é a que lhe dão os Estados Unidos.

Em outubro, fará meio século a crise dos mísseis, que quase levou à guerra nuclear, por conta de foguetes soviéticos com ogivas nucleares em Cuba. Por duas semanas, o futuro do planeta esteve por um fio. Hoje, essa cena parece impossível. Atualmente, conflitos locais permanecem locais. Um atirador louco em Sarajevo não enlouquecerá o mundo. Um assassínio localizado não causará dezenas de milhões de mortes. Melhoramos.

Cuba aceitou o capital, desde que sem burguesia
Mas o que fazer em Cuba e com Cuba? Vale a pena pensar a respeito.

Primeiro, em algum momento acabará o bloqueio. Os Estados Unidos, que não perdoam o momento em que a ilha foi um Davi heroico contra o Golias mau do imperialismo, esperam a saída dos irmãos Castro. Talvez queiram ver humilhado o regime cubano. Mas percebem que, enquanto isso, Cuba abre espaço econômico para o capital europeu. Se os americanos demorarem, Cuba continuará sendo - para eles - só uma foto velha na parede. Talvez doa.

Segundo, a restauração do capitalismo parece uma questão de tempo. Em que dimensão, resta discutir. Há vários roteiros possíveis. A depender de Fidel, pouco acontece. O problema não é o capital externo, que ele aceitou - mas a formação de uma burguesia cubana. Para ele, uma burguesia local significaria o fim da pureza ética e a legitimação da ganância. Essa é a questão crucial. Como as coisas escapam gradualmente de Fidel, creio que Raúl prefira um cenário chinês "com rosto humano". Manteria o poder político e policial no partido, abriria o capitalismo, inclusive nativo, tentando conter seu instinto animal - e o rosto humano estaria numa rede de proteção social maior que a chinesa. Sem isso, de nada terá valido enfrentar Golias. Mas como conter uma burguesia cubana dinâmica?

Outra via pode estar na restauração do capitalismo, somada à queda do PC. Contudo, embora essa opção possa agradar a Washington, traz problemas. Talvez eu leve a sério o belo romance policial (anticomunista) de Roberto Ampuero, "Falcões da noite", em que a CIA impede um atentado contra Fidel. Porque uma instabilidade aguda numa ilha tão perto da Flórida seria um desastre para os Estados Unidos. Eles estariam para Cuba como a Alemanha Ocidental para a Oriental, após a queda do muro: um lugar rico, onde todos têm o direito legal de ir morar. Ampuero imagina 1 milhão de cubanos fugindo para Miami em dias, com muitos morrendo no mar e outros sobrecarregando a população do Estado.

Os americanos têm interesse numa transição controlada. Mas controlada por quem, se não for pelo regime cubano? A questão cubana está cheia de quadraturas do círculo... O discurso público do governo americano, contrário a qualquer concessão a Havana, não expressa exatamente o que seus dirigentes pensam. Washington prefere que nenhum Castro esteja presente, mas seu pior receio é um milhão ou mais de latinos invadindo seu território.

E a diáspora cubana? Ela e a comunidade judaica controlam segmentos importantes da política externa americana. Quando Clinton mandou devolver ao pai o menino cubano que foi parar em Miami, sacrificou sua sucessão (houve, também, a fraude eleitoral). A diáspora cubana torna o governo americano refém de seus interesses particulares. Mas será bom a diáspora aumentar o diálogo com Havana. Isso funcionará melhor no pós-Castro, mas também é uma condição para a própria transição. Precisa haver negociações tanto da diáspora quanto de Washington com Havana, para evitar a perda de controle. O pior para os americanos seria uma guerra civil cubana ou a debandada para o Norte. Pode ser que já estejam conversando; mas sempre fica a questão de quem pisca primeiro.

Um dia alguém da nomenklatura dirá, como disse nosso ditador Figueiredo sobre os exilados brasileiros, que "lugar de cubano é em Cuba". Esse é um direito essencial dos exilados e seus descendentes. Mas restará negociar quantos, dos cubanos de Miami, poderão e quererão residir e votar na ilha. O regime aprendeu com a queda das ditaduras comunistas na Europa Oriental, mais de 20 anos atrás, e fará tudo para evitar uma reprise desse cenário. Isso inclui evitar que o dinheiro da Flórida compre as primeiras eleições que forem livres - mas também incluirá retirar do Partido e dos Comitês de Defesa da Revolução os próprios públicos que eles possuem e utilizam. Enfim, há parâmetros. O governo comunista pode desabar, o capitalismo voltar, Miami vencer as eleições. Ou o regime pode se abrir, controlando o capital. Entre os extremos, muito pode ser negociado. Quanto mais cedo, melhor.

Juros mais baixos: o que os bancos querem e o que dão em troca - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 23/04/12

Não se fala em outra coisa. Os bancos públicos deram o primeiro passo no sentido de reduzir as taxas de juros que vinham sendo praticadas.

Foram imediatamente seguidos pelos bancos privados, que revisaram suas políticas visando manter a competitividade e não perder clientes para os bancos públicos.

O que se vê nessa saudável concorrência é uma verdadeira liquidação nas taxas de juros das diversas modalidades das operações de crédito para pessoas físicas e para pequenas e médias empresas.

Entretanto, temos de concordar que comprar empréstimo ou financiamento em instituição financeira é uma operação muito mais complexa do que comprar um celular, por exemplo, ou um serviço como o de TV paga.

Existem modalidades de crédito distintas, com níveis de risco diferentes, concedidas a clientes com histórico de relacionamento diversos.

No caso das operações de crédito, tudo isso é levado em conta na hora de definir o preço da transação, ou seja, a taxa de juros que será cobrada pela instituição financeira na concessão de empréstimos e de financiamentos.

Embora tenha havido redução relevante, existe uma diferença considerável entre a menor e a maior taxa de juros de cada modalidade.

Cabe a nós, consumidores, construir o melhor e mais positivo histórico de relacionamento comercial com o banco, visando merecer condições mais favoráveis na concessão de crédito.

Vamos entender o que os grandes bancos do mercado querem para, em troca, oferecer taxas de juros menores.

CONTA-SALÁRIO

O consumidor pode escolher livremente o banco no qual deseja receber seu salário; os bancos, por sua vez, valorizam bastante serem escolhidos para esse serviço.

Esse contrato tende a gerar uma relação de fidelidade e concentração dos negócios financeiros entre o cliente e o banco.

E essa escolha é, normalmente, premiada com taxas menores em operações de crédito, além de custos menores em outras transações financeiras e oferta de serviços especiais.

A taxa de juros de um empréstimo pessoal, por exemplo, pode variar de 1,69% a 5,93% ao mês. Somente os clientes de conta-salário terão acesso à taxa mais baixa.

RELACIONAMENTO

Quanto mais longo for o seu relacionamento com o banco, melhor. Não espere abrir uma conta hoje e solicitar empréstimo esperando pagar uma taxa de juros menor.

A grande maioria dos bancos exige relacionamento entre 6 e 12 meses, no mínimo, para conceder o benefício da menor taxa.

E pode fazer isso porque já teve tempo para observar o perfil das suas transações financeiras.

A taxa de juros do cheque especial, por exemplo, pode variar de 1,95% a 9,98% ao mês.

RECIPROCIDADE

Quanto maior a quantidade de produtos e serviços financeiros mantidos por uma instituição financeira, maiores as suas chances de obter taxas competitivas nas operações de crédito.

Investimentos, planos de previdência, seguros, débito automático e cartão de crédito são alguns dos produtos e serviços que contam pontos a seu favor.

Não confunda reciprocidade com venda casada de produtos -prática ilegal e nada ética que condiciona a aquisição de um produto para a obtenção de outro.

Refiro-me a um relacionamento amplo e confiável, positivo para ambas as partes, em que o consumidor privilegia uma instituição financeira e concentra nela seus negócios financeiros.

A instituição, por sua vez, reconhece a preferência do cliente e, em troca, concede condições especiais.

ENTRADA

Nas operações de financiamento de veículos, a taxa pode variar de 0,97% a 2,65% ao mês. Os bancos tendem a oferecer a menor taxa para clientes que podem dar entrada entre 40% e 50% do valor do veículo.

Dessa forma, demonstra um comportamento de responsabilidade financeira, reduz o valor do financiamento e das prestações a serem pagas e, com isso, minimiza o risco de atraso ou de não pagamento. Risco menor, juros mais baixos.

EVITE

A taxa de juros do cartão de crédito continua muito alta, apesar de ter sofrido alguma redução. Pode variar de 2,27% a assustadores 15,95% ao mês.

Aproveite o movimento de mercado e a concorrência acirrada e analise a carteira de crédito. Substitua empréstimos e financiamentos caros por outros mais baratos.

PORTABILIDADE

Clientes com operações de empréstimo contratadas no passado com taxas mais altas podem e devem pleitear uma revisão nas condições desse contrato.

Caso você tenha um histórico de bom pagador e mantenha bom relacionamento comercial com o banco, provavelmente observará uma atitude favorável em relação a essa renegociação.

Se outra instituição financeira lhe oferecer melhores condições, saiba que você pode transferir o contrato para outro banco. A portabilidade do crédito é um mecanismo disponível desde 2006. Aproveite.

As taxas aqui mencionadas foram amplamente divulgadas nos últimos dias, pelas grandes instituições financeiras, em diversas mídias.

Confirme com cada banco as taxas mínimas e máximas vigentes e as condições exigidas. Seja responsável na utilização de crédito e construa um histórico positivo para reduzir seus custos.

Sem oposição é mais fácil - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADÃO - 23/04/12

Como a presidente Dilma pode ter popularidade tão elevada se a população desaprova a gestão do governo na maioria dos setores essenciais? É a questão levantada a partir da pesquisa Ibope divulgada neste mês. Nada menos que 77% dos brasileiros (mais de três em cada quatro) aprovam o modo como a presidente Dilma leva o país. O pessoal também considera a presidente melhor que seu governo, este com 56% de ótimo/bom (20 pontos a menos do que avaliação pessoal de Dilma). 
Mas o governo tem aprovação maior que a desaprovação em apenas três áreas. Vai bem no combate ao desemprego (53% positivos), à pobreza (59%) e no controle do meio ambiente (53%). Em outras, é reprovado. Nada menos que 65% dos pesquisados desaprovam o sistema de impostos 63% condenam os serviços de saúde e 61% reprovam a segurança pública. E mais: 50% reprovam o combate á inflação (33% aprovam) e 55% condenam os juros (isso medido antes da ofensiva presidencial pela redução das taxas). 
O que explica isso? ? A melhor hipótese é simples: falta oposição. Se a população considera ruins os serviços que recebe e, ao mesmo tempo, aprova a presidente amplamente, só pode ser porque não considera Dilma responsável por aqueles problemas. Ora, carimbar a culpa na presidente e no governo é o papel da oposição, em qualquer lugar do mundo. 
No caso brasileiro atual, a oposição nem precisa mostrar que setores essenciais não funcionam ? o povo percebe isso. Nem precisa mentir ou fazer uma propaganda enganosa. A responsabilidade é, de fato, do governo federal e da presidente. Por exemplo: juros altos e inflação elevada, isso é política econômica, área exclusiva Ministério da Fazenda e do Banco Central. 
Mas neste departamento, a acusação exige que se apresente a alternativa. Não basta apontar um problema que a população já sente. É preciso convencê-la de que há outro caminho para o que ela quer, juros menores e inflação baixinha. E aqui já se vê por que a oposição fracassa. Qual a proposta do PSDB, do DEM ou do PPS? 
Líderes e associados desses partidos mostram idéias aqui e ali, mas não se vê nada construído em torno do nome forte da oposição, o candidato à presidência. Este, aliás, quem é? A vez é do senador Aécio Neves, mas vá dizer isso a Serra .... 
Além disso, muita gente da oposição até gosta da política econômica de Dilma. O caso do dólar, por exemplo. Nos últimos tempos, ampliou-se muito a classe média que viaja ao exterior, beneficiada pelo dólar barato e pelo crediário farto. Para esse pessoal, ficou quase normal fazer compras em Miami e N.York. Agora, o dólar está subindo - por ação do governo Dilma - e incomodando essa classe média. E não se ouve uma palavra da oposição. 
Nos outros quesitos condenados nas pesquisas ? saúde e segurança ? e em educação (48% de reprovação), a coisa é ainda mais complicada. Nessas áreas, a responsabilidade não é apenas de Brasília, mas também dos governos estaduais, muitos dos quais em mãos da oposição. Aqui, portanto, não basta um bom discurso, é preciso mostrar serviço, fazer a diferença. 
Por exemplo: as escolas públicas de S.Paulo ou de Minas, os dois mais importantes estados administrados pelo PSDB, há anos, deveriam ser percebidas como muito melhores do que as demais. Idem para polícia, para os hospitais e postos de saúde, mas não é o que se vê. Ou que a população perceba. Não se define uma opção efetiva de gestão diferente e melhor, que possa ser apresentada como o modo tucano (ou democrata) de governar naquelas áreas. 
Nem há consistência partidária. Em S. Paulo, por exemplo, o governador Alckmin abandonou políticas educacionais modernas da anterior gestão tucana. 
No Brasil, no geral, fica tudo muito parecido, inclusive nas boas iniciativas, sempre isoladas, e que se encontram em gestões dos diferentes partidos. 
Tudo considerado, assim como o presidente Lula fazia, sua sucessora consegue capitalizar as coisas boas e escapar das ruins. Capitaliza com intensa propaganda, como no caso do programa Brasil Sem Miséria ? nem começou e já é apresentado na mídia como estrondoso sucesso. Já de uma fila do SUS, não há propaganda que salve, mas como não há oposição que condene, a presidente pode fazer o que faz: bom, o problema é de todos ou dos outros. 
Juros? A culpa é dos bancos privados. Dólar? A culpa é do tsunami americano e europeu. 
Até com a corrupção. Lembram-se o que Lula dizia do mensalão? É coisa que todo mundo faz. 
E que tal a CPI do Cachoeira? Parece que vai pelo mesmo caminho: a corrupção é de todos. 

Juros bancários . A coluna da semana passada ? Guerra aos banqueiros ? trouxe algumas imprecisões nos cálculos sobre os componentes do spread bancário, a diferença entre o que os bancos pagam pelo dinheiro e quanto cobram nos juros ao cliente final. 
A base dos cálculos está correta, mas cabem algumas correções, a partir de dados oferecidos por especialistas do setor financeiro. 
Assim, numa taxa de juros de 50% ao ano, para o cliente final, o lucro do banco, a margem líquida, nas condições atuais, ficaria em torno de 13,2%. Ou seja, dos juros pagos pelo cliente, 13,2% vão os donos dos bancos. (Na coluna da semana passada, havíamos calculado um pouco mais, 16,3%). 
As taxas de juros variam de maneira muito ampla, conforme as diversas modalidades. Podem ir de 0,8% (no consignado) para 9% ao mês (no cheque especial, por exemplo). Os spreads, portanto, variam da mesma maneira. 
Mas segundo cálculos do BC, o spread médio em fevereiro passado foi de 28,4%. Nesse caso, a margem líquida dos bancos é de 9,3% - que é mais ou menos o valor informado pelos bancos em seus balanços. 
Outro dado, não uma correção, mas um adendo. O compulsório, dinheiro que os bancos obrigatoriamente deixam depositado no BC, está hoje em torno de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Nunca foram tão altos. Isso é uma limitação à queda dos juros, claro, pois reduz a capacidade de empréstimo do sistema financeiro como um todo. 
As correções reafirmam o conteúdo de nossa argumentação: que a culpa pelos juros não é só dos bancos, mas também do governo. Impostos e compulsórios elevados limitam a queda dos juros. 

Infraestrutura na América do Sul atiça setor privado - SERGIO LEO

Valor Econômico - 23/04/12


Enquanto o terreno político anda meio acidentado para o setor privado em muitos dos países do continente sul-americano, os projetos de infraestrutura acendem o interesse privado, a ponto de animar uma das mais influentes associações empresariais da região, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a embarcar no plano de integração da União das Nações da América do Sul (Unasul), de "projetos prioritários de integração". Até agora, a única resistência manifestada contra o setor privado nessa agenda prioritária veio, não surpreendentemente, da Argentina.

Calculados inicialmente pela Unasul em quase US$ 14 bilhões, os 31 projetos, com quase 90 obras, de transportes, energia e telecomunicações, escolhidos por 12 governos da região, superam, na verdade, US$ 21 bilhões, pelos cálculos da Fiesp, que vê a possibilidade de "mudar a cara do continente" em matéria de produtividade e competitividade, segundo descreve o diretor do departamento de infraestrutura da Fiesp, Carlos Cavalcanti.

Cavalcanti liderou uma equipe, nos últimos dias, encarregada de levantar detalhes sobre os projetos identificados pela Unasul, e avaliar suas perspectivas de financiamento e execução. São projetos como os três corredores bioceânicos, que permitirão escoar a soja do centro do Brasil diretamente por portos no Pacífico, sem o passeio hoje obrigatório, até o litoral atlântico, de onde o produto é embarcado para a Ásia, seu principal consumidor.

Empresas se animam com os projetos de integração da Unasul
É um velho plano, o de integrar a infraestrutura da América do Sul; no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil foi um dos principais impulsionadores do projeto abrigado no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), conhecido pela sigla IIRSA, criticado, no entanto pelos governos seguintes, que viram nele uma excessiva concentração de investimentos planejados sob a ótica de corredores de exportação. O BID, sob a Unasul, tem dado suporte técnico, mas aumentou o número de projetos voltados ao desenvolvimento baseado nos mercados domésticos e distribuição de renda.

Hoje, a coordenação dessas obras, que exigirão sintonia entre os diversos governos da região, está com a Cosiplan, o conselho da Unasul para infraestrutura e planejamento. A Fiesp levantou informações sobre as fontes de financiamento, em instituições como o BID, a Corporación Andina de Fomento e o Fonplata, e marcos regulatórios nos países, para os investimentos eleitos como prioridade, que deverão estar totalmente concluídos nos próximos dez anos. "Existe dinheiro à vontade para essas obras", garante Cavalcanti.

As decisões dos governos sobre algumas delas ainda são uma incógnita, porém. Esse foi um dos pontos em que os enviados da Fiesp encontraram resistências na Argentina, onde foi difícil o contato com funcionários da secretaria do Planejamento - chefiada pelo mesmo Julio de Vido que esteve recentemente no Brasil sugerindo mais investimentos da Petrobras na Argentina. "Nos disseram que o diálogo com o setor privado atrapalha", relatou, desalentado, o diretor da Fiesp.

Não é um cenário cor-de-rosa o que atrai os empresários. Há falta de estudos ambientais em boa parte das obras, e incertezas sobre a viabilidade dos projetos de integração, que exigirão um nível de coordenação entre os governos até hoje inexistente: a construção de estradas por quatro países ligando os dois oceanos, por exemplo, exigirá acordos inéditos de transporte e alfândegas, para permitir a passagem de cargas e passageiros por essas vias sem engarrafamento na burocracia. O mercado de energia também demandará regras plurinacionais de compra e venda desse insumo.

Para Cavalcanti, essa é exatamente um dos atrativos dos projetos: com a viabilidade da construção de infra-estrutura integrando os países, os governos terão de discutir seriamente uma maior integração também em suas legislações e regulamentações nacionais. A Fiesp reunirá, nesta semana, em São Paulo, cerca de 180 executivos, de empresas de todo o continente, com representantes de governo como a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ministros ligados à área de infraestrutura do Peru e Colômbia e altos funcionários de outros países, para discutir a viabilidade dessas obras prioritárias e esclarecer as dúvidas do setor privado.

Cavalcanti é otimista, lembra como ganhou apoio em toda a vizinhança o projeto brasileiro de um anel de fibra ótica que dispensará as comunicações na região de passar por outros continentes. O aproveitamento do gás boliviano permitirá geração de pelo menos 2 mil megawatts de energia a serem vendidos no continente, sugere. "Nunca se tentou levar projetos como esses à frente de maneira tão articulada", crê o diretor da Fiesp, com base nas reuniões técnicas regulares do conselho técnico da Cosiplan. "A Unasul nos cria uma realidade política diferente."

Um certo ceticismo deve acompanhar essas expectativas, e os rompantes estatizantes da Argentina são só a demonstração mais recente da imprevisibilidade que cerca investimentos em alguns países da região. Mas a adesão entusiasmada da Fiesp à Unasul acrescenta um ingrediente novo à velha receita sul-americana de integração.

A segunda morte do caixeiro-viajante - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 23/04/12


"Fiquei pasmo" - escreveu com horror presciente um intelectual alemão em 1932, depois de assistir a uma apresentação da obra de Bertolt Brecht e Kurt Weill, A Ópera dos Três Vinténs, uma peça cheia de desprezo pela classe média - "ao ver a plateia de classe média, que tinha perdido completamente a noção da própria situação, aplaudindo uma peça na qual ela era ridicularizada e atacada com uma virulência vingativa."

Senti algo parecido com essa inquietante ironia ao assistir a uma apresentação de A Morte do Caixeiro-Viajante, de Arthur Miller, atualmente em cartaz na Broadway, estrelada por um eletrizante Philip Seymour Hoffman como Willy Loman, vendedor ambulante de 63 anos que vive o colapso nervoso mais famoso da literatura americana. Eis uma peça na qual o sonho de seguranças e certezas da classe média é destroçado. Ainda assim, a plateia, composta por pessoas bem-sucedidas, estava se divertindo bastante.

Bem, talvez o público americano tenha se distanciado totalmente dessa querida peça americana.

Muitos anos depois de escrever o Caixeiro, Miller disse em sua autobiografia que esperava que a peça fosse como uma "bomba-relógio sob o capitalismo... ou, ao menos, sob a baboseira do capitalismo, esta pseudo vida que acreditava ser capaz de tocar as nuvens ficando de pé em cima da geladeira, acenando para a Lua com uma hipoteca quitada nas mãos, finalmente vitoriosa". Miller ficou em êxtase ao saber que, depois de assistir à peça, Bernard Gimbel, proprietário de uma das maiores lojas de departamentos dos Estados Unidos da época, deu ordem para que nenhum de seus empregados fosse demitido por ser velho demais - o destino de Willy, demitido por seu jovem chefe num dos momentos mais comoventes da peça.

Longe de ser uma bomba-relógio sob o capitalismo, A Morte do Caixeiro-Viajante se tornou uma distinta instituição nacional. Desde sua primeira produção, em 1949, a peça se tornou um elemento básico do currículo do ensino médio e superior nos Estados Unidos, sendo também uma escolha comum para os projetos de teatro de escolas e universidades. Perguntas a respeito da peça chegam até a constar no teste padronizado que usamos para medir a aptidão dos alunos para a universidade. A assimilação confortável de valores artísticos subversivos por parte da sociedade comercial é coisa antiga. Mas, ao deixar o teatro naquela noite, perguntei a mim mesmo se, nesse caso, tamanho conforto na assimilação não seria consequência do fato de os valores artísticos de Miller terem se tornado tão distorcidos e pervertidos.

Miller escreveu a respeito da "baboseira do capitalismo" quase 40 anos depois de ter criado a peça. Mas, na peça em si, ele não demonstra nada além de empatia e compaixão diante da crença de Willy no meio de vida que escolheu.

Fundamentalmente, o que Willy deseja é, nas palavras do próprio personagem, ser "lembrado e amado e ajudado por tantas pessoas diferentes", enquanto viaja pelo Nordeste dos EUA vendendo suas mercadorias - jamais especificadas. Ele sente falta de seus primeiros anos como vendedor, quando "havia personalidade no trabalho... havia respeito, camaradagem e gratidão na atividade", diz ele. Agora, aos 63 anos, numa era diferente, a venda se tornou impessoal, as pessoas ficaram como as commodities que vendem e as relações humanas passaram a ser calculadas e transitórias. Quando Willy e o filho, Biff, de quem era afastado, se abraçam no fim da peça - "engasgados de amor", como indicam as instruções de Miller para a montagem do texto -, muitas pessoas que fizeram parte das primeiras plateias da peça perderam o controle e choraram.

Na apresentação que vi, ninguém chorou. Quando a cortina se fechou e as luzes se acenderam, as pessoas saíram com pressa, sem se abalar.

O motivo disso é simples. As primeiras plateias que viram a peça eram formadas principalmente por pessoas de classe média que partilhavam dos valores de Willy. Eram vendedores ou vendedoras, ou pessoas que trabalhavam num dos muitos reinos humildes do capitalismo de meados do século 20. Como Willy, elas acreditavam que poderiam alcançar a dignidade por meio do trabalho. Reconheceram a própria vivência na percepção de Willy de que a vida é mais do que o sonho de seguranças e certezas da classe média. Mas elas ainda valorizavam aquele sonho da classe média; ainda acreditavam na classe média. E isso não era tudo. Elas tinham dinheiro para ir ao teatro quando o teatro ainda era uma diversão da classe média.

O público que assistiu comigo à peça naquela noite pagou em média US$ 300 por ingresso. Eram pessoas que tinham deixado a classe média para trás havia muito tempo. Para elas, Willy era um perdedor iludido cujos sonhos de classe média eram tão corruptos quanto o sistema que os nutriu. Para Miller, Willy era um digno herói da vida comum cujos sonhos de classe média enchiam de vergonha o sistema que os traíra.

A fúria de Miller diante de um sistema capitalista que ele buscava humanizar se convertera na cínica adaptação da minha plateia a um sistema capitalista que ela desprezava, mas sabia como manipular. Aos olhos daquele público, a aspiração de Willy de ser "lembrado e amado e ajudado por tantas pessoas diferentes" estava abaixo do desprezo. O importante é vencer, conseguir, embolsar tanto quanto for possível e rir durante todo o percurso até o banco. A compaixão de Miller por Willy era a prova de sua indignação diante dos excessos do capitalismo, alicerçada nas suas convicções. O elegante desdém da minha plateia em relação ao capitalismo incluía um desprezo profundo por qualquer um que, como Willy, jogasse pelas regras e tentasse encontrar alguma humanidade dentro daquele sistema.

Não surpreende que A Morte do Caixeiro-Viajante tenha se tornado uma obra tão querida. Em vez de despertar no público a humildade por meio do choque do reconhecimento, ela agora confere à plateia uma ilusão de superioridade. Poderíamos até dizer que, enquanto A Morte do Caixeiro-Viajante consolidava seu prestígio como denúncia das ilusões da classe média, a classe média americana - entendida como conjunto de valores admiráveis - quase desapareceu.

Atenção às terras raras - TERESA SURITA

O Globo - 23/04/12

No estágio em que se encontra a indústria mundial, os óxidos e as ligas de terras-raras são indispensáveis à fabricação de bens estratégicos. A recente disputa instaurada no âmbito da Organização Mundial do Comércio pelos Estados Unidos, Comunidade Européia e Japão contra a China em torno dos terras-raras desnuda uma realidade à qual não se pode fugir: inexistem, hoje, outros produtos minerais capazes de substituir os terras-raras.

As grandes potências despertaram tardiamente para um fato perturbador: a China detém o monopólio dos terras-raras necessários para construir satélites, caças supersônicos e sistemas de comunicação. A indústria de ponta do planeta está nas mãos da China, que produz 90% das ligas metálicas com terras-raras.

Beneficiada pela abundância de terras-raras que caracteriza a geologia de seu território, a China implantou uma cadeia produtiva, lastreada em preço e quantidade, que motivou centros produtores como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália a interromper o processamento dos elementos contidos, acima de tudo, nos minerais dos grupos da bastnaesita, da monazita, das argilas iônicas e do xenotímio.

O Brasil chegou a produzir óxido de lantânio a partir da monazita. Na contra-mão da China, o Estado brasileiro não compreendeu que os bens fabricados a partir dos terras-raras seriam indispensáveis, inclusive por dinamizarem a balança comercial. Não se elaborou, então, uma política para o setor.

No dia 13 de abril, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais Geológico deu início a uma avaliação do potencial de terras-raras no Brasil. Essa tarefa se estenderá até 2014 e, em um primeiro estágio, implicará o levantamento de terras-raras em três províncias minerais localizadas em Roraima e no Amazonas.

Esse estudo não pode, contudo, encerrar-se em si mesmo. Deve ser encarado como um movimento no sentido de obter informações precisas que possibilitem o planejamento de uma cadeia produtiva de óxidos e ligas de terras-raras no país. É indispensável ter em mente a necessidade de se criar um pólo de desenvolvimento tecnológico dedicado ao assunto, semelhante ao do setor petrolífero, um modelo paradigmático.

A consciência de que dominar o ciclo produtivo dos elementos de terras-raras exigirá determinação política e disciplina programática levou o Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados a aprovar minha proposta para realizar um amplo estudo sobre terras-raras e minerais estratégicos, com vistas a sinalizar para o Poder Executivo a necessidade de o Brasil conquistar autonomia no setor.

O que se quer é ter clareza sobre o que é necessário para o país colocar-se em situação privilegiada quanto à disponibilidade de elementos de terras-raras, dominar a tecnologia de separação e processamento e dar condições ao parque industrial de desenvolver a cadeia produtiva dos minerais mais estratégicos.

Afinal, se o Brasil pretende materializar realizar sua plena potencialidade, é indispensável não negligenciar o uso dos recursos naturais estratégicos disponíveis em nosso território, criar fortes linhas de pesquisa e desenvolvimento das tecnologias de extração e processamento, bem como fomentar a constituição de empresas nacionais que permitam perenizar em nosso país o conhecimento e a estrutura industrial.

Paris afetada pela apatia - GILLES LAPOUGE


O Estado de S. Paulo - 23/04/12


Sabemos então o nome dos dois finalistas da eleição francesa: o presidente Nicolas Sarkozy e o socialista François Hollande. Podemos ir mais longe nas previsões? De acordo com as pesquisas, o jogo está feito: Hollande sai como vencedor do primeiro turno, além de ter reservas suficientes (os votos da extrema esquerda de Jean-Luc Mélanchon, dos ecologistas e outros) para derrotar Sarkozy na segunda rodada.

Não nos arriscaremos a fazer prognósticos. Até o último momento, os mais bizarros desdobramentos, as reviravoltas mais incoerentes, podem ocorrer. É a virtude, a honra e o charme vertiginoso da democracia. Quanto à campanha, Sarkozy foi mal. Marcado por cinco anos durante os quais irritou, exasperou, humilhou todo mundo, tanto seus próprios ministros como também pecuaristas, operários e juízes.

Na campanha de 2007, Sarkozy foi um orador inspirado. Este ano foi medíocre. Grunhiu, falou mal de todos, fez galanteios a Carla Bruni, fez propostas ridículas como uma reforma das normas para tirar a carta de motorista ou o pagamento das aposentadorias com oito dias de antecipação. Do Sarkozy estrondoso, inspirado, franco e direto de 2007, o que restou foi apenas um reflexo, um eco que mal se ouve.

Hollande foi normal, até a insignificância. Nem bonito nem feio; gordo, mas emagreceu; insípido, com um discurso pobre e mal enunciado; inteligente, mas sem brilho, Hollande sempre pareceu ter se enganado de papel.

Mas talvez seja um gênio. Sua figura que não impõe, sua falta de carisma, sua placidez, tudo isso talvez seja uma estratégia digna de Napoleão, uma maneira de obrigar o feroz boxeador que é Sarkozy a dar golpes no vazio, a perder o controle, a se apagar como uma vela privada de oxigênio.

Claro que o talento não ficou ausente nessa campanha, mas ele se refugiou no segundo pelotão: Mélanchon mostrou-se um tribuno formidável, estilo Revolução Francesa. E teve também Marine Le Pen, da extrema direita, uma bela mulher, voz poderosa, um enorme talento teatral. Tudo isso diz respeito à forma. Mas e quanto ao conteúdo? Quase nada.

Houve um acordo dos dois principais candidatos para evitar os reais temas, em particular os problemas econômicos. Uma impressão de irrealidade: a França, como toda a Europa, está esmagada pelas dívidas, o desemprego se multiplica, o setor industrial e agrícola se decompõe. Mas continua a se manifestar pretensiosamente como se fosse o centro do mundo. A França, tanto a de Sarkozy como a de Hollande, parece afetada pelo autismo.

Coragem AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 23/04/12

Há 250 milhões de celulares em uso no país. É espantoso, principalmente quando se sabe que somos hoje cerca de 200 milhões de brasileiros.

Trata-se de uma conquista de toda a sociedade, mas que só pode ser celebrada porque houve, no passado, um governo com coragem para desencadear o processo de privatização da telefonia. Ou, melhor, de democratização da telefonia brasileira.

Lembro os anos 90, quando o PSDB anunciava que, em pouco tempo, todo cidadão brasileiro teria o seu celular. Poucos acreditavam que tamanha mudança seria possível em tão pouco tempo.

É um saldo gratificante para quem, à época, enfrentou incompreensões de toda ordem e duríssimo combate político. Da mesma forma como no passado foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Plano Real, bases sobre as quais se construíram os avanços recentes registrados pelo país, o PT também posicionou-se contra as mudanças na área da telefonia.

Falava-se de "alienação do patrimônio nacional" -como se pudesse ser riqueza nacional o elitista, exclusivista, caro e precário serviço oferecido então pelo Estado na área das telecomunicações.

Foi uma longa travessia até o inevitável reconhecimento dos incontestáveis benefícios garantidos aos brasileiros pelo acesso amplo e irrestrito às novas tecnologias.

No Brasil de hoje, o celular é o telefone do trabalhador. Cerca de 80% das linhas em funcionamento são pré-pagas. Milhões de outras garantem acesso à internet e, com ela, o acesso à informação, ao conhecimento, à mobilização.

Em plano ampliado, fica cada vez mais nítido o gigantesco esforço realizado para tentar demonizar o processo de transformações estruturais do país, iniciado no governo Fernando Henrique.

Neste caso, de forma simplista, buscou-se criar um "inimigo imaginário" chamado privatização, que passou a ser alvo de ataques ensaiados e refrões repetidos à exaustão, pouco importando se, no fundo, ninguém soubesse exatamente do que estava falando.

As restrições ideológicas à privatização são, hoje, página virada na história do país. Vide, por exemplo, as concessões iniciadas, ainda que tardiamente, para a administração dos aeroportos.

Incoerências à parte, resultados como esse deveriam inspirar quem tem responsabilidade de governar.

Basta caminhar pelo país para constatarmos a urgente e gigantesca demanda por transformações de fundo, que superem gargalos, atrasos e paralisias. Não avançaremos o necessário se nos esforçarmos para ter apenas mais do mesmo. O principal atributo de um governo deve ser a coragem. Coragem para fazer o que precisa ser feito.

Polos magnéticos - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 23/04/12

BRASÍLIA - O desejo de retomar protagonismo no jogo político explica o empenho de Lula na instalação da CPI do Cachoeira. Não se trata apenas de "fígado", "sede de vingança" ou "sangue nos olhos".

Foi por determinação de Lula que a direção do PT exortou a militância a cobrar investigações sobre os negócios do contraventor e sua ligação com líderes da oposição. Partiu do ex-presidente, também, a ordem para o partido fechar apoio à CPI.

Há a intenção declarada de empastelar o mensalão -denunciar os crimes da gangue de Cachoeira como o "maior esquema de corrupção da história", para diminuir o impacto do julgamento do principal escândalo da era Lula. Mas não é só isso.

O sucesso de Dilma Rousseff em boa medida se deveu ao esmaecimento da herança lulista -da "faxina" que extirpou ministros remanescentes à guinada da política monetária, da degola de líderes no Congresso às mexidas na Petrobras.

A CPI interrompe a desconstrução. Emancipa Lula do papel secundário de cabo eleitoral de candidatos a prefeito, devolvendo-o a Brasília.

É sintomático que o ex-presidente faça articulações pró-CPI no hospital em que se recupera do câncer e cuide para entregar a relatoria da comissão ao PT paulista. Para ele, é ótimo que a teia de Cachoeira seja multipartidária: mais legendas terão de entrar na fila do beija-mão.

Em princípio, a CPI não interessa a Dilma. Ela planejava resgatar a "gerentona" -esquecida no primeiro ano e fazer um 2012 de realizações. O caso Cachoeira, contudo, monopolizará o noticiário. Em vez de discutir a queda de juros ou os novos projetos para a ciência, a imprensa se ocupará de fraudes e propinas.

Mas Dilma tem dois alentos. O brasileiro, a despeito de tanta confusão, ou por causa disso, gosta da presidente. E talvez não seja ruim ela ter como contraponto, na política, logo o padrinho e confidente. De um lado é PT, do outro também.

Enriqueça suas mudanças - GUSTAVO CERBASI


FOLHA DE SP - 23/04/12



Toda grande mudança na vida ou na rotina é uma oportunidade de acertar o que está em desequilíbrio, incluindo nossas finanças. Quem está para casar, para ter filhos, para se aposentar, para receber uma promoção ou para começar ou para terminar uma pós-graduação tem escolhas importantes a fazer. O ideal é aproveitar esse momento de quebra da zona de conforto para refletir sobre a qualidade das escolhas que pesam no bolso.

Um erro frequente é reorganizar a vida começando pelos maiores itens do orçamento. Por exemplo, quem quer sair da casa dos pais ou mudar de cidade tende a se preocupar, primeiramente, com a nova moradia, estimulando-se a sondar a região em que deseja viver para encontrar um teto que caiba no bolso.

Nessa etapa das primeiras escolhas, o erro está em não ter planos claramente definidos para os menores gastos. Corre-se o risco de optar por uma moradia maior do que o bolso comporta, pois um orçamento incompleto aparentemente viabiliza a escolha. Em razão disso, passa a ser alto o risco de não sobrar dinheiro para a desejável poupança e o lazer.

O correto seria inverter a ordem das escolhas. O primeiro compromisso que se deve assumir é com um objetivo de valor a ser poupado. Quanto? Depende de sua satisfação com a carreira e com seu momento presente. Quem está feliz com o trabalho, com a vida pessoal e social, com a renda e com o padrão de vida deve passar a poupar o mínimo necessário para dar sustentabilidade a esse estilo de vida satisfatório. Talvez 5% a 10% da renda mensal seja uma meta razoável, caso o poupador tenha planos de ainda trabalhar mais 40 anos pela frente.

Já quem tem consciência de que está vivendo uma rotina estressante, sem tempo para si e para a família, sem prazer no trabalho e com poucas perspectivas de mudanças no curto prazo, deve apertar o cinto e poupar mais. Quanto mais insatisfatória for sua vida presente, maior deve ser o sacrifício para acumular reservas financeiras. Elas serão a fonte de estabilidade para encarar a mudança de uma estabilidade infeliz para uma nova fase inspiradora. Perceba: o que nos prende a uma rotina insatisfatória é o medo de uma mudança não dar certo e perdermos nossa segura condição previsível, por pior que seja.

Definida sua meta de poupança mensal, o próximo passo é definir a verba para assegurar qualidade de vida desejável. Pergunte-se: o que você desejará fazer regularmente para se manter saudável e motivado? Quanto lhe custará, por mês, sair da rotina, cultivar hábitos saudáveis, rever amigos e parentes, enfim, cuidar de você mesmo? Ao definir essa verba, você certamente estará vivendo um presente mais rico.

Somente depois de assegurar verbas para seu futuro e para esse presente mais rico é que se deve cogitar as escolhas que moldarão seu custo de vida. Moradia, carro, plano de saúde e status do vestuário devem ser consequência da vida bem vivida, e não obstáculos a sua segurança e ao bem viver.

Obviamente, ao seguir essa sequência de escolhas e optar por uma vida mais simples, estaremos abrindo mão do conforto maior que teríamos ao adquirir uma casa mais espaçosa ou um carro mais equipado.

Porém, essa perda de conforto é amenizada pela maior verba disponibilizada para o consumo do lazer e bem-estar. O que é melhor: a rotina de um apartamento espaçoso ou a quebra de rotina de uma verba para o lazer que pode ter diferentes usos a cada mês -de jantares a viagens de circuitos culturais a reuniões de amigos?

Há ainda uma vantagem adicional ao tratar a quebra de rotina como um compromisso sério no orçamento familiar. Gastos com lazer são tipicamente gastos variáveis, diferentemente dos gastos fixos que caracterizam o custeio de moradia, de transporte, de educação, de alimentação e de saúde.

Quando surge um imprevisto, passeios e festas podem ser adiados, mas gastos fixos não. Quando podemos optar pela substituição de gastos, imprevistos são contornados com mais facilidade, sem que recorramos a dívidas.

Enfim, aqueles que cuidam melhor de si também têm menor chance de ter problemas! Vai esperar mais para ajustar sua vida?

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 23/04/12


Uso de navios de cruzeiro como hotéis na conferência Rio+20 está descartado

Apesar de cogitada pela Prefeitura do Rio, está descartada a possibilidade de fretar navios de cruzeiro para servirem como hotéis durante a Rio+20, conferência da ONU sobre sustentabilidade marcada para junho.

Com 50 mil pessoas esperadas para o evento, a carência de leitos na rede hoteleira preocupa as autoridades.

Há cerca de um mês, companhias de cruzeiros foram contatadas por empresas de turismo para este fim, diz Ricardo Amaral, presidente da Abremar (associação do setor de cruzeiros).

"Para junho deste ano, os navios foram vendidos para outros roteiros há bastante tempo", diz Amaral, que também dirige a Royal Caribbean no Brasil. Dias depois, as solicitações passaram a ser feitas diretamente às matrizes da empresas no exterior, segundo o executivo.

Como um dos e-mails vinha de órgão do governo, Amaral diz que respondeu chamando para conversar sobre os próximos eventos, como Copa e Olimpíada, que ainda têm tempo hábil.

"Não tive resposta. Não podemos atender para a Rio+20, mas ainda é possível contratar para os eventos esportivos dos próximos anos", diz.

O último bimestre deste ano é o prazo-limite para fazer contratos com foco no evento de 2014.
Procurada, a Prefeitura do Rio de Janeiro disse que não tem informações.

CHURRASCO EM NOVO FORMATO

Pouco mais de um ano após virar sócia majoritária do grupo Porcão, a Brasil Foodservice Group dá início a um projeto agressivo de expansão da rede.

Com aporte de cerca de R$ 140 milhões, deve inaugurar até o fm do ano 30 unidades do Porcão Gourmet -restaurante com bufê e tíquete mais barato que o dos estabelecimentos do modelo atual.

"Elas terão o mesmo tamanho das churrascarias, com 500 lugares, em média. A quantidade de funcionários é que será menor", afirma o presidente do grupo, Hélio Fiúza.

A empresa pretende ainda abrir ao menos outras seis churrascarias no formato tradicional (em Florianópolis, Curitiba, Manaus, Goiânia, São Luís e Rio de Janeiro).

"[O Porcão] era uma marca boa, um conceito bom, mas pouco explorado."

A expansão deve continuar no próximo ano, sem que a empresa espere os resultados das novas lojas. "Vamos abrir mais umas 15 unidades em 2013", diz Fiúza.

Um restaurante na Europa também está em negociação.

RS 150 milhões foi o faturamento aproximado do grupo em 2011

35% é o que a empresa espera crescer neste ano

15 Estados deverão ter ao menos um Porcão Gourmet ainda em 2012

1.200 é o número de funcionários

4.000 deve ser o número de empregados após a expansão

VIZINHANÇA INTERLIGADA

Mais de 30 projetos de infraestrutura na América do Sul para integrar a região somam investimentos de US$ 21 bilhões, segundo levantamento realizado pela Fiesp em viagem pelos países nos últimos meses.

O número será divulgado em evento nesta semana, na entidade, em São Paulo.

O Fórum de Infraestrutura da América do Sul-8 Eixos de Integração reunirá autoridades dos governos de Peru, Colômbia, Brasil e outros, além de empresários.

"A ideia é fazer uma rede em que o empresário do Paraguai conheça o ministro da Colômbia, por exemplo. E vão começar a discutir como serão as concessões, quando serão as licitações, o início das obras e outros assuntos para impulsionar os projetos", afirma Carlos Cavalcanti, diretor da Fiesp.

O cronograma prevê que todas as construções estejam prontas até 2022, de acordo com a entidade.

INVASÃO VERDE

A rede de origem capixaba Hortifruti, que tem mais de 20 unidades no Rio de Janeiro, vai entrar no mercado de São Paulo.

Serão abertas duas lojas no Estado no segundo semestre deste ano.

O plano de expansão da empresa, que prevê investimentos de mais de R$ 25 milhões, abrange outras duas lojas no Estado do Rio, segundo Tiago Miotto, presidente da rede.

"O projeto também tem investimentos em logística e pode crescer se aparecerem outras oportunidades", diz Miotto.

Ele afirma que também querem abrir uma filial em MG, onde as negociações estão adiantadas.

Além de frutas, legumes e verduras, a rede, que oferece nutricionistas aos clientes, vende outros produtos, como vinhos, carnes e artigos de mercearia.

Trabalho Feminino

A carreira é hoje mais importante para as mulheres do que para os homens, de acordo com pesquisa do Pew Research Center feita nos Estados Unidos.

O levantamento mostra que 66% das mulheres entre 18 e 34 anos colocam a profissão como prioridade. Entre os homens, o número é de 59%.

Em 1997, a situação era inversa. Para 58% dos homens, o trabalho era considerado algo muito importante, enquanto um percentual um pouco menor de mulheres (56%) pensava desse modo.

Sucesso no casamento é, hoje, prioridade para 37% das mulheres e para 29% dos homens. No total, 1.696 pessoas foram ouvidas.

Negócios... No primeiro trimestre deste ano, o mercado de fusões e aquisições se manteve em linha com os últimos dois anos, com 176 transações anunciadas, segundo relatório da PwC.

...na mesa A perspectiva para o restante deste ano é que o mercado alcance um novo recorde de transações, de acordo com estimativas da PwC (PricewaterhouseCoopers).

A inveja das moscas - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 23/04/12


Apenas quem perdeu qualquer esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral



SOU UMA personalidade atormentada e dada a arroubos. Noites insones me levam a terras distantes onde nossos ancestrais vagam arrancando a vida e seu sentido das pedras. Com o passar dos anos, cada vez mais me encanta a luta desses nossos patriarcas perseguidos pelos elementos naturais, por seus próprios demônios e por deuses de olhos vermelhos cheios de sangue e dentes afiados.
Construímos sonhos de autorrealização profissional, afetiva e material. A expectativa com nossa própria grandeza ocupa grande parte de nossos devaneios.

O sentimento da fragilidade do mundo sempre me perseguiu desde a infância. Se os psicanalistas estiverem certos, e tudo que é primitivo é indelével, esse sentimento constitui minha substância mais íntima. Que inveja eu tenho das moscas!

Livres, voando pelo mundo, sem saber de si mesmas.

Li nas últimas férias a coletânea de ensaios "The Best American Essays of the Century", editada por Joyce Carol Oates e Robert Atwan, Houghton Mifflin Company, Boston.

Destaco dois ensaios: "The Crack-Up" (a rachadura), de F. Scott Fitzgerald, de 1936 e "The Old Stone House" (a velha casa de pedra) de Edmund Wilson, de 1933.

Edmund Wilson foi, segundo Paulo Francis, o último grande crítico literário de uma tradição na qual o crítico não se escondia atrás de algum teórico, tipo Blanchot ou Derrida, para repetir o que todo mundo diz e com isso não correr riscos. Wilson enfrentava o autor cara a cara, dizendo o que pensava dele, sem se preocupar com o que a "indústria da crítica acadêmica" diria. A coragem nunca foi um valor na academia, Francis tinha razão.

Nesse ensaio, Wilson fala de uma casa de pedra na qual sua família viveu por muitos anos. Sua família era do tipo de família que aqui chamaríamos de quatrocentona falida. Mãe fria, pai, homem letrado e melancólico, ele, Wilson, parecido com seu pai, e também um bêbado.

Estou convencido de que pessoas sem algum vício terrível permanecem em alguma forma de infância moral. Apenas quem perdeu qualquer esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral. Pessoas sem vícios falando sobre moral é como virgens dando aula de sexo.

Wilson, entre outros parentes, fala de uma tia, infeliz no casamento, obrigada a ser uma mulher normal quando na realidade era uma filósofa schopenhauriana amadora. Segundo ele, ela enfrentou virtuosamente seu fardo criando um sistema filosófico pessoal pessimista e, quando ficou viúva, se mudou para Nova York e gastou seus últimos dias indo a livrarias e vendo teatro. Quando ainda casada, sua tia lia à noite, sobre o fogão, sozinha, em seu único momento de paz.

F. Scott Fitzgerald, autor de "O Grande Gatsby", nesse ensaio descreve a sua maior crise existencial (a rachadura que dá título ao ensaio), que o acometeu por volta dos 50 anos. Escritor famoso, Fitzgerald afirma: "Identifiquei-me com meus próprios objetos de horror e compaixão" e "passei a ter uma atitude trágica em relação à tragédia e melancólica em relação à melancolia". Em síntese, foi inundado por seus próprios objetos literários e se tornou, ele mesmo, um deles. O efeito foi devastador e libertador.
Na abertura, ele define o que entende por uma pessoa inteligente: conseguir viver com duas ideias opostas sobre a vida e não desistir de nenhuma delas.

E exemplifica: saber que não há esperança para nós e ainda assim viver buscando provar o contrário. O resultado seria uma vida combativa em nome da esperança. Uma vida pautada pelo controle de si mesmo e do mundo a sua volta.

Ao final do ensaio, ele volta a definir, agora, o que é, após sua rachadura, o estado natural de um adulto que tem consciência e sensibilidade: infelicidade qualificada (e não banal).

Uma condição com a qual convivemos, mas que ao assumi-la, uma espécie de libertação acontece: em suas palavras, não mais desejar ser um homem bom, não mais ser simpático com o marido de sua prima, nem responder a cartas de escritores jovens medíocres que não deveriam aborrecer os outros. Ser apenas um escritor e não querer agradar a ninguém, nem a si mesmo.

A indústria mundial agradece - JOSÉ MÁRCIO CAMARGO


O Estado de S.Paulo - 23/04/12


O excesso de liquidez gerado pela reação dos bancos centrais dos países desenvolvidos à crise de 2008/2009 tem sido um importante fator de valorização das moedas dos países emergentes. Com o excesso de dinheiro no mercado e a ausência de oportunidades de investimento, os recursos se direcionam para os países emergentes em busca de retorno, exercendo forte pressão por valorização das taxas de câmbio desses países.

Nesse sentido, as reclamações do governo brasileiro quanto aos efeitos perversos das políticas monetárias excessivamente frouxas sobre a competitividade da indústria de transformação do País são totalmente procedentes. Entretanto, em razão da falta de opções para enfrentar a crise, não se deve esperar que os bancos centrais destes países mudem suas políticas no curto prazo.

Por outro lado, esse não é o único e, provavelmente, nem o mais importante responsável pela valorização do real. O aumento da demanda por commodities exportadas pelo Brasil (soja, carne, minério de ferro, etc.) e o aumento de seus preços no mercado internacional fizeram com que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subissem a uma taxa muito maior do que os preços dos bens importados. O resultado foi um grande aumento da oferta de dólares e a desvalorização do dólar ante o real. Portanto, ainda que as políticas monetárias fossem menos frouxas, a tendência à valorização do real permaneceria, apenas com menos intensidade.

A reação do governo e do Banco Central brasileiros à valorização do real tem se mostrado bastante agressiva. Porém, a meu ver, essa reação tem se dirigido para resolver um falso problema - aumentar o consumo das famílias -, e não para o problema real, a queda da produtividade da indústria, o que pode gerar resultados negativos para o setor industrial no médio prazo. Esse aparente paradoxo decorre do forte aquecimento do mercado de trabalho brasileiro, com taxas de desemprego muito baixas, tanto para padrões históricos quanto em relação ao padrão internacional, e do fato de que os salários nominais no Brasil são bastante sensíveis às variações da taxa de desemprego. Analisemos alguns exemplos.

O aumento dos impostos sobre os bens importados deverá gerar uma elevação dos preços desses bens e criar espaço para que os similares produzidos no Brasil tenham seus preços aumentados - o que permitirá um crescimento da margem de lucro dessas empresas. Num primeiro momento, isso significa um alívio. Mas, com o mercado de trabalho aquecido, o aumento da inflação decorrente da elevação do preço dos bens importados e seus congêneres nacionais será repassado aos salários nominais, aumentando o custo do trabalho e, com isso, eliminando o ganho de margem de lucro inicialmente obtido.

A menos que ocorram novos aumentos de impostos, o resultado final para a indústria é nulo. Como o empresário antecipa esse movimento, não amplia os investimentos e a produtividade se mantém em queda.

O crescimento da oferta de crédito tem também o efeito de aumentar o consumo das famílias. A ampliação da demanda dos setores de serviços, comércio e construção civil pode ser atendida por aumento de oferta interna ou por aumento de preços, caso não exista capacidade produtiva para fazer crescer a oferta. Como esses são setores muito intensivos em trabalho e a taxa de desemprego está muito baixa, o aumento da oferta será limitado pela falta de mão de obra, pressionando os salários e, portanto, os preços desses setores. Na incapacidade de subir seus preços por causa da concorrência com os produtos importados, o resultado para o setor industrial será um aumento do custo unitário do trabalho e redução da competitividade.

A substituição dos impostos sobre a folha de pagamentos por um imposto sobre faturamento terá, na melhor das hipóteses, efeito neutro sobre a competitividade dos setores afetados.

Com menos impostos sobre os salários, num primeiro momento o custo do trabalho deverá cair; a demanda por mão de obra, aumentar; e, caso existissem trabalhadores desempregados com as qualificações adequadas, a taxa de desemprego deveria cair. Como não há trabalhadores ociosos com a qualificação necessária, o aumento da demanda por trabalho vai se transformar em aumento dos salários nominais, anulando a redução de custos decorrente da diminuição dos impostos sobre a folha de pagamentos.

A estagnação da indústria de transformação brasileira se deve à perda de competitividade decorrente do desempenho medíocre do investimento, da produtividade e do aumento do custo unitário do trabalho. Medidas que ampliem o consumo das famílias, num ambiente em que a taxa de desemprego se encontra em níveis já muito baixos, ainda que possam ter algum efeito no curto prazo sobre o desempenho do setor, geram mais pressão por aumentos de salários nominais, aumentam o custo unitário do trabalho e reduzem a competitividade, no médio prazo.

O aumento do consumo será, em grande parte, atendido por mais importações. A indústria mundial agradece.

Viúvas da América - MARCELO COUTINHO

FOLHA DE SP - 23/04/12

Nosso tempo parece o século 19 sem o Congresso de Viena. Poucos veem que, acabando a hegemonia dos EUA, pode ir junto a liberdade. Veja a China
 

Em "Liberal Leviathan", o professor de Princeton John Ikenberry sugere que os EUA de Obama almejam reformar as instituições internacionais preservando a sua liderança.
Se isso não ocorrer, diz o autor, restariam duas possibilidades: a sociedade global multipolar, sem impérios, ou a fragmentação global, com o fim do sistema internacional aberto e guiado por regras.
O mundo caminharia, assim, sobre uma tênue linha entre o paraíso e o inferno.
Toda a vida social do planeta dependeria, antes de tudo, de uma solução para essa encruzilhada.
Há motivos de sobra para se questionar o comando americano. Afinal, os EUA foram responsáveis por episódios lamentáveis, a começar pela América Latina. Na primeira oportunidade, lá está Washington cometendo abusos e fazendo nos lembrar porque despertam tanta rejeição.
Mas poucos se dão conta de que, junto com a hegemonia americana, outras coisas também podem ruir.
As liberdades políticas e econômicas, os direitos humanos, o multilateralismo e a própria ONU sobreviveriam sem os Estados Unidos? Convém evitar respostas fáceis neste momento.
Qualquer ordem internacional depende em grande medida do seu criador. Não há motivos para se imaginar que agora seja diferente.
As duas últimas grandes guerras ocorreram em contextos sem um "hegemon". Por outro lado, as experiências de equilíbrio de poder anteriores não são lá muito simpáticas também.
Aliás, a ordem do século 21 está cada vez mais parecida com a ordem do século 19, mas sem Congresso de Viena.
As teorias que tentaram se contrapor à estabilidade hegemônica ora acreditam nas instituições, ora na mudança comportamental. Um mundo feito de mais democracias, integração econômica, regimes internacionais e identidades kantianas pode, pela primeira vez, viver em paz sem um centro de governança. Apesar de tentador, esse mundo sui generis tão bonito pode não se realizar.
Muita coisa pode dar errado mesmo quando se compartilha objetivos e sentimentos iguais -mais ou menos como no fim trágico de Romeu e Julieta na ficção shakespeariana.
Em que pese a realidade, as teorias realistas não devem impedir que o mundo avance. Talvez o que os EUA tenham a oferecer ao Brasil seja insuficiente. Nesse caso, é preciso ter paciência. Aumentar a dependência com a China é péssima saída, ainda mais com isso acontecendo antes de Pequim se engajar definitivamente à ordem liberal.
A desindustrialização impede que o Brasil seja um país mais desenvolvido. Sendo assim, o melhor a fazer é buscar convergências. Somos superestimados por Brasília e subestimados pela Casa Branca. Algo precisa ser feito para diminuir essa distorção, porque ela gera desentendimentos.
A nossa política externa já esteve pior, mas ainda deve fazer a sua parte, sem complexo de vira-lata nem de superioridade.
Os EUA não são mais os mesmos. E todo mundo sabe disso. O que se falta conhecer é quantos sentirão saudades da América quando o mundo não tiver mais quem pague os custos de uma ordem que, como nenhuma outra, deu mais diretos às mulheres, aos povos e aos mais fracos frente ao poder.
Desatento, o Brasil corre risco de também virar uma dessas viúvas da superpotência.

Poupança e anistia - DENIS LERRER ROSENFIELD


O Estado de S.Paulo - 23/04/12


O mundo continua numa crise que não dá sinais de amainar. Toda notícia aparentemente boa é seguida de uma má, como se mais nenhum repouso fosse possível. Observa-se nos governantes de vários países, e em particular no brasileiro, uma justa apreensão com os desdobramentos dessa crise, que atinge as mais diferentes nações. Num mundo globalizado ninguém está a salvo. Logo, políticas públicas devem necessariamente levar em conta esse fato, por assim dizer, primeiro, sob pena de o país arriscar seu futuro imediato.

Um dos maiores gargalos da economia brasileira é a baixa poupança interna, que faz os investimentos necessários ao desenvolvimento nacional deverem ser feitos via poupança externa. As condições de um desenvolvimento constante e sustentável exigem, a exemplo do que se vê em outros países, um aumento da poupança em geral e, em particular, da interna. No que diz respeito a este último quesito, o País não tem conseguido preencher essa condição.

Abre-se agora uma oportunidade de aumento da poupança doméstica pela internalização de recursos de brasileiros que se encontram fora do País. Estima-se o seu valor entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões, sendo a última cifra provavelmente mais próxima da realidade. Internalizado, tal montante se converteria numa poupança propriamente doméstica, não havendo mais dividendos a serem enviados ao exterior, o que ocorre com a poupança externa.

Acontece que esses recursos brasileiros no exterior se encontram em situação de ilegalidade, seja por terem sido enviados para fora em decorrência dos vários planos heterodoxos de nossa História recente, seja para a sobrevivência de algumas empresas, por (des)controle cambial ou por outras razões, em que sobressai a insegurança jurídica. A anistia fiscal propiciaria, precisamente, essa internalização.

Há, nesse sentido, em tramitação no Senado um projeto de autoria do senador Delcídio Amaral, extremamente bem elaborado, que trata das condições dessa anistia fiscal, e outro na Câmara, do deputado José Mentor. O primeiro encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos e o segundo, na Comissão de Constituição e Justiça.

Um argumento avançado contra a anistia se refere à origem desses recursos, em que é comumente assinalado o problema da lavagem de dinheiro. Nesse contexto, torna-se necessário fazer a distinção entre "bons" e "maus" recursos, os primeiros sendo o produto dessa situação de insegurança jurídica e os segundos, oriundos do narcotráfico e do contrabando de armas. O projeto de lei distingue claramente esses dois tipos, que não podem de maneira alguma ser confundidos. O banco encarregado da internalização desse dinheiro, por exemplo, passaria a ter uma responsabilidade fiduciária.

O projeto de lei do senador Delcídio leva em conta as experiências já feitas por vários países, dentre eles a Itália, depois da Operação Mãos Limpas, a França, a Argentina, a Espanha, a Nova Zelândia, a Áustria, a Finlândia e a Irlanda, além de Estados norte-americanos. Sua elaboração considerou tanto as experiências bem-sucedidas como as que não devem ser repetidas. Destaque-se entre as melhores a italiana e a dos Estados americanos. A Itália internalizou, graças à sua anistia, 63 bilhões.

O Brasil, nesse aspecto, precisa reconciliar-se com seu passado, deixando esse passivo de lado, abrindo oportunidades para que, na nova situação de segurança jurídica, a insegurança anterior não siga punindo os que dela procuraram escapar. Ademais, abrem-se as portas do futuro com a aplicação desses recursos no País, que são hoje necessários para o nosso desenvolvimento. Do passado reconciliado, o futuro apresenta-se promissor.

Os recursos que seriam, então, internalizados constituiriam um dinheiro novo, que tanta falta faz, pois, ao Brasil. Seria uma nova poupança interna, com dinheiro oriundo do estrangeiro, que não mais seria remetido para fora. Ou seja, esses recursos podem ser considerados como uma espécie de "poupança doméstica" internacional, que atenuaria os problemas de carência de poupança para investimentos em nosso país.

Os recursos internalizados constituiriam também uma nova base arrecadatória, sendo tributados quando de sua internalização e, posteriormente, quando de novos investimentos. Haveria, pois, um ganho evidente do ponto de vista da Receita Federal: ocorreria um aumento da arrecadação tributária, não apenas no estoque, mas posteriormente, no fluxo de investimentos desse mesmo numerário.

Abrir-se-ia, portanto, a possibilidade de a receita extra de impostos e tributos obtida dessa forma vir a ser utilizada, por exemplo, para financiar a saúde. Muito se discute igualmente sobre a necessidade de novos recursos para diferentes projetos, como os de logística e infraestrutura. Haveria, então, uma nova disponibilidade financeira.

Em caso de o Brasil enfrentar problemas cambiais, esses recursos seriam legalizados, porém não necessariamente internalizados, podendo permanecer lá fora. Seriam internalizados ou não segundo as circunstâncias, o IOF (até 25%) podendo ser utilizado como uma ferramenta dessa política. Tudo depende da evolução da crise internacional. O País, com a aprovação dessa anistia fiscal, contaria com um poderoso instrumento para melhor defender os interesses nacionais.

Assinale-se ainda que esse projeto de anistia fiscal, para pessoas físicas e jurídicas, é de validade geral e irrestrita, extinguindo-se qualquer tipo de punibilidade - administrativa, fiscal, civil e penal. Seu prazo é de 18 meses a partir da publicação no Diário Oficial, valendo essa internalização única e exclusivamente para esse período. Os países sérios que a implementaram o fizeram somente uma vez. Evidentemente, ela não se pode tornar uma constante prática nacional. A oportunidade é única.

Supremo desconforto - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 23/04/12



As últimas declarações belicosas do ministro Joaquim Barbosa provocaram contrariedade no STF (Supremo Tribunal Federal) para além do time dos colegas com quem o relator do mensalão já se indispôs. Em rodas reservadas, alguns ministros passaram a discutir, no fim da semana passada, a possibilidade de não eleger Barbosa para presidir a Corte. Com a aposentadoria compulsória de Carlos Ayres Britto, em novembro, ele é o próximo na lista de sucessão, por antiguidade.

O veto a um presidente é medida extrema, mas não inédita. Ocorreu em 1969, quando Adalício Nogueira foi convencido pelos pares a renunciar após eleito.

Light Há ainda os ministros menos radicais, que passaram a ver com bons olhos a chamada PEC da Bengala, proposta de emenda à Constituição que eleva para 75 anos a aposentadoria obrigatória. Se aprovada para os atuais membros de tribunais, a medida faria com que Britto completasse seu mandato.

Saia justa Ayres Britto, que assumiu também o CNJ, chamou o presidente da Ajufe (Associação de Juízes Federais do Brasil), Gabriel Wedy, para ser um dos seus juízes auxiliares no conselho. A Ajufe foi uma das entidades que representaram contra a ministra Eliana Calmon, corregedora do órgão.

Guerra... A ADPF e a Adepol, que reúnem delegados das polícias Federal e Civil, divulgarão carta apontando ineficácia do Conselho Nacional do Ministério Público para apurar acusações de desvio de conduta de procuradores e promotores. Para as entidades, o órgão age de forma corporativa.

... institucional O presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro, cita como exemplo o fato de que um dos membros do CNMP, o promotor Tito Souza do Amaral, foi assessor do senador Demóstenes Torres, cujas ligações com o contraventor Carlinhos Cachoeira são investigadas.

Fronteiras O comando do PSDB chamou o governador Marconi Perillo (GO) para uma conversa nesta semana. Querem saber exatamente o grau de ligação do tucano com a Delta e o esquema de Cachoeira. O partido teme, ainda, que os tentáculos do esquema atinjam o governo de Simão Jatene (PSDB-PA).

Divulgação Líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) repassou em dezembro do ano passado R$ 239 mil da verba indenizatória da Casa, ou 75% a que ele tem direito no ano, para a empresa All Win Propaganda, que fez a sua campanha, além da de outros petistas, nas eleições de 2010.

Veja bem Chinaglia afirma que confeccionou 37 mil exemplares de uma revista de 16 páginas. "Estive o ano todo envolvido com o Orçamento e queria divulgar. Não queria um jornalzinho sem qualidade." A empresa diz que as revistas foram impressas e que presta serviços para políticos de vários partidos.

Degola O deputado Paulo Maluf pediu ao governador Geraldo Alckmin a demissão do secretário de Habitação, Silvio Torres, para apoiar José Serra na capital. Torres e o presidente da CDHU, Antonio Carlos Amaral, indicado por Maluf, não se entendem desde o início do governo. O PP quer indicar o sucessor.

Anistia A Executiva municipal do PSDB se reúne hoje para analisar a proposta do líder Floriano Pesaro de suspender o pedido de cassação dos mandatos dos seis vereadores que deixaram o partido para se filiar ao PV e ao PSD. O acordo é uma exigência de Serra para que não haja obstáculos às alianças eleitorais.

com SILVIO NAVARRO e ANDRÉIA SADI

Tiroteio

Essa coisa de irmão parece código da máfia. O Cachoeira é tratado como chefe pelo Demóstenes. Com tanta intimidade, esse grupo se parece com a Família Soprano.

DO DEPUTADO FEDERAL PAULO PIMENTA (PT-RS) sobre gravação feita pela Polícia Federal em que um dos operadores de Carlinhos Cachoeira, Wladimir Garcez, diz ter relação "de irmão" com o governador Marconi Perillo (PSDB-GO).

Contraponto

Noite pelo dia

O pré-candidato tucano à Prefeitura de São Paulo, José Serra, explicava durante atividade na Lapa, na semana passada, sua fama de trabalhar até de madrugada.

-Das 22h às 2h da manhã sou imbatível -, brincou.

Ele contou que o hábito de dormir tarde começou quando era criança e que tinha um método para ganhar alguns minutos de sono pelas manhãs.

-Minha mãe me mandava para o banho, eu ligava o chuveiro, fazia um travesseiro com a toalha e dormia no chão do banheiro -, disse, arrancando risos da plateia.

Venezuela em risco de golpe: hora de dizer não - SERGIO FAUSTO


 O Estado de S.Paulo - 23/04/12


Não resta dúvida de que o estado de saúde de Hugo Chávez se agravou. Ele próprio admitiu o fato ao implorar publicamente a Jesus que não o levasse ainda. O apelo dramático deu-se no início deste mês de abril, em missa televisionada para todo o país. A hipótese de que ele não tenha condições físicas de disputar as eleições de outubro deixou de ser possível para se tornar provável. Assim, desenhou-se no horizonte o espectro da alternância no poder, o maior temor do chavismo. De fato, se as pesquisas servem de indicação a esta altura, seis meses antes do pleito, quaisquer dos candidatos do governo, exceto o próprio Chávez, seriam derrotados por Henrique Capriles, o candidato único das oposições.

Para um movimento político que se apoderou do Estado, agigantou-o e o transformou em instrumento para o exercício arbitrário do poder, ainda que sob a fachada de um regime constitucional e democrático, essa é uma perspectiva aterrorizante. Para alguns, inaceitável.

Ainda em novembro de 2010, o general Henry Rangel, chefe de órgão de cúpula das Forças Armadas, disse com todas as letras, em entrevista à imprensa, que em caso de vitória das oposições o povo e os militares se rebelariam. Chávez não apenas não o condenou, senão que o promoveu a uma patente ainda mais alta no generalato. Em janeiro de 2012 nomeou-o ministro da Defesa. Semanas atrás, o general Henry Rangel voltou a declarar inaceitável a vitória das oposições. Chávez afirmou que a aceitaria, sem, no entanto, repreender o subordinado. Ao mesmo tempo, o presidente venezuelano propala a ideia de que as oposições, com ajuda dos Estados Unidos, planejam promover a convulsão social para justificar um golpe de Estado. Como parte dessa encenação política, formou um comitê civil-militar com o suposto objetivo de evitar a subversão oposicionista. E ordenou ao serviço de inteligência que vigiasse governadores e prefeitos da oposição, assim como os comandantes de suas respectivas forças policiais, para prevenir que levassem a cabo o tal plano de desestabilização política.

Todos esses são fatos, amplamente noticiados pela imprensa. A eles se juntam indícios igualmente preocupantes. Em artigo recente, o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda afirma ter havido em Havana uma reunião entre oficiais da alta cúpula das Forças Armadas da Venezuela e dirigentes do regime cubano, entre eles o próprio Raúl Castro. Os participantes do encontro teriam discutido a hipótese de empregar as Unidades de Proteção ao Presidente, forças especiais diretamente ligadas a Chávez, treinadas e/ou formadas por cubanos, para realizar atos de provocação que seriam atribuídos à oposição e justificariam uma intervenção militar para a manutenção do regime chavista. Não custa lembrar que Cuba depende vitalmente da ajuda econômica da Venezuela e que os cubanos conhecem exatamente o real estado de saúde de Chávez. Ou seja, estão interessados na manutenção do regime e sabem que ele está em perigo.

Se não podemos afirmar com certeza a veracidade do que escreveu Bocaranda, por outro lado não pode haver dúvida de que algum tipo de intervenção militar nos próximos meses é uma hipótese real na Venezuela. E se ela vier a ocorrer, será pelas mãos do chavismo, com ou sem o seu líder no comando do processo, pela simples razão de que hoje as oposições, mesmo os seus setores menos democráticos, agora minoritários, não dispõem de apoio nas Forças Armadas nem do auxílio de "milícias populares". As armas estão com Chávez e os seus.

É difícil imaginar que uma intervenção armada viesse a produzir um governo, para não dizer um regime, capaz de perdurar no tempo. Provavelmente o poder emergente teria vida curta, mas decerto lançaria a Venezuela numa escalada de instabilidade e violência que faria empalidecer, pela duração e intensidade, a lembrança do caos provocado pelo "Caracazo", em 1989.

Naquela ocasião, a capital do país virou de pernas para o ar em meio à revolta popular contra a política econômica do então presidente Carlos Andrés Pérez, ao final duramente reprimida pela polícia e pelo Exército, deixando mortos e feridos. Desta vez, haveria o enfrentamento entre dois blocos sociais e políticos completamente antagonizados, fraturando a sociedade e as Forças Armadas, num país onde a violência e a disseminação de armamentos já alcançaram níveis alarmantes.

A Venezuela tem 30 milhões de habitantes, é um grande exportador de petróleo, tem uma das maiores reservas provadas desse combustível fóssil no mundo e é a quarta maior economia da América do Sul. O que vier a acontecer nesse país terá repercussões na região. No governo Dilma Rousseff, o Brasil tem mantido uma atitude de maior afastamento em relação a Chávez e ao que ele representa, apesar da proximidade de seu assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, com o governo venezuelano (são próximas também as relações de José Dirceu com personagens do regime chavista).

Chegou a hora de o Brasil enviar um recado claro a Hugo Chávez e aos seus: o governo brasileiro não ficará quieto e passivo se houver, sob qualquer justificativa que seja, um intento de golpe ou autogolpe para evitar o transcurso normal do processo eleitoral, já de si muito comprometido pelas arbitrariedades do regime chavista.

A presidente Dilma saberá avaliar o modo e os meios para enviar esse recado. Poderá tomar iniciativa isolada ou se articular com outros chefes de Estado sul-americanos, em especial com o hábil e capaz presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, país vizinho e importante parceiro comercial da Venezuela. Poderá até mesmo se valer dos bons ofícios de seus auxiliares e companheiros de partido que privam da intimidade do atual governo venezuelano.

Só não poderá omitir-se na hora grave que vive a Venezuela.

Hora do show! - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 23/04/12



Um veterano senador procurou o colega José Sarney (PMDB-AP) tão logo se convenceu da criação da CPI que investigará eventuais crimes cometidos pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira e sua gangue. “Aqui no Senado somos os mais experientes em matéria de CPIs. Essa vai dar no quê?” – perguntou. “Em merda. E nos caberá limpá-la”, ouviu de Sarney.

CPI é instrumento de luta da oposição. Governo é exterminador de CPIs. O que as CPIs apuram é remetido ao Ministério Público. A do Cachoeira será uma CPI pelo avesso. A oposição jamais cogitou dela. O PT cogitou e conseguiu montá-la. Tudo o que a polícia e Ministério Público apuraram desde 2009 servirá para dar partida à CPI.

Não lembro 
de político conhecido, filiado a qualquer partido, que tenha feito uma defesa entusiasmada da CPI do Cachoeira. Há um silêncio ensurdecedor a respeito, principalmente dos governadores. É como se todo mundo pensasse assim: “Com toda a certeza vai dar merda”. É da natureza das CPIs.

Lula é o pai
 da CPI do Cachoeira. Dilma recusou-se a ser a mãe. A CPI foi concebida para alcançar dois objetivos. O primeiro: enlamear a biografia do maior número possível de políticos e de administradores públicos no ano em que a Justiça poderá julgar o caso do mensalão. Assim, a conta do mensalão ficará menos pesada para o PT. Lembra daquele personagem de Chico Anísio dono do bordão “Sou, mas quem não é?” No passado remotíssimo, o PT se dizia um partido imaculado — os outros é que eram sujos. Uma vez que chegou ao poder acabou ficando tão sujo quanto os outros. Hoje, o PT se esforça em demonstrar que os outros são iguaizinhos a ele.

O segundo objetivo
 da CPI inventada por Lula em parceria com José Dirceu e o PT: disputar com o julgamento do mensalão a atenção do distinto público. Desse ponto de vista, reconheça-se, o objetivo foi alcançado antes mesmo de a CPI deslanchar de vez. Por ora, fala-se mais dela do que do julgamento dos mensaleiros. Em compensação...

Em compensação,
 o processo do mensalão se arrastava preguiçosamente no Supremo Tribunal Federal(STF). O voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, está pronto. Mas para que o julgamento comece falta o voto do ministro-revisor Ricardo Lewandowski. O barulho provocado pela CPI obrigou Lewandowski a trabalhar mais rápido.

Ainda não é 
certo que o STF julgue neste ou no próximo semestre os 38 réus do mensalão. Porém, já foi mais incerto. Um denso clima de pressa se impõe nos gabinetes dos 11 ministros. E na maioria deles se aposta que o destino dos mensaleiros será definido por um ou dois votos de diferença. Talvez três. A depender.

A depender do
 ministro Antonio Dias Toffoli, que ainda não sabe se votará. Toffoli foi assessor do líder do PT na Câmara dos Deputados entre 1995 e 2000. Advogado do PT nas duas campanhas presidenciais de Lula, trabalhou com Dirceu na Casa Civil de 2003 a 2005. Lula o nomeou Procurador Geral da República e ministro do STF.

Embora ainda 
se mexa, a primeira vítima da CPI do Cachoeira jaz estendida no chão — a empreiteira Delta de Fernando Cavendish, dona de obras de porte em todos os estados brasileiros. Cautelosa, Dilma autorizou a Controladoria-Geral da União a abrir processo para avaliar se a Delta deve ser declarada inidônea e proibida de participar de licitações oficiais.

Dilma finge que
 não se mete com a CPI. Diz que ela é assunto afeito unicamente ao Congresso. Fatura a imagem de boa moça que não teme a apuração de malfeitos. Menos, menos! À sombra, Dilma influencia na indicação de nomes para a bancada do governo na CPI. E exige ser ouvida sobre qualquer coisa que se passe por lá.

Compreensível que 
se comporte assim. O que fascina numa CPI é que nem o presidente da República, por mais forte que seja, pode dormir em paz enquanto ela durar. Um boy, uma secretária ou um motorista são capazes de tirar o sono do presidente e deixar o país com a respiração suspensa.