segunda-feira, maio 14, 2012

Bola no chão - AÉCIO NEVES


FOLHA DE SP - 14/05


Sou um apaixonado por futebol. Dia desses testemunhei um episódio que, acredito, de alguma forma, fala à nossa condição humana.

Refiro-me ao tento anotado no começo do ano por Tim Howard, goleiro do Everton, contra o Bolton, times da primeira divisão inglesa. Batido o tiro de meta, eis que a bola ganhou um súbito impulso do vento e soltou-se em trajetória tão descontrolada que acabou encobrindo o surpreso goleiro adversário.

Foi só um gol -por mais surpreendente que tenha sido! Inusitado mesmo foi o comportamento de Howard: recusou-se simplesmente a comemorar. À saída do gramado, lamentou: "Foi um gol cruel. Não foi nada legal, é constrangedor, sinto muito pelo Adam". Referia-se a Adam Bogdan, o arqueiro adversário, do Bolton.

Todos nós sabemos que o futebol nos leva às raias da irracionalidade. Não costuma ser local onde floresce o cavalheirismo. No entanto, até o mais fanático dos aficionados há de reconhecer a nobreza do goleiro relutantemente artilheiro. É só uma partida de futebol -mas quem sabe não há aí uma pequena lição para a vida cotidiana?

Pergunto-me se não podemos aprender alguma coisa com ela, no dia a dia da política. Reconhecer, por exemplo, que muitas vezes não temos todos os méritos pelas conquistas que celebramos. Que o vento, entendido como fator que não depende do nosso esforço ou talento, existe. E pode surgir, no caso da política, do trabalho exaustivo e dedicado de antecessores, que máquinas de propaganda tentam apagar da memória do país.

Pode surgir ainda nas conjunturas globais, sobre as quais não temos controle, mas que podem nos favorecer.

O cavalheirismo de Howard nos traz ainda outros ensinamentos. Reconhece o óbvio: que o oponente merece respeito. Que não faz sentido tripudiar sobre o adversário quando não somos os legítimos merecedores da vitória celebrada. Se reunirmos essas simples lições talvez pudéssemos criar as condições necessárias para um novo patamar de convivência política no país.

Sei que alguns não compreendem quando defendo que a convivência entre adversários pode se dar em um ambiente diferente daquele estimulado pelo antagonismo cego, pela perigosa transformação de adversário em inimigo, pela tentativa sistemática de legitimar o uso da calúnia e da mentira como armas políticas.

No entanto, essa é a minha convicção. Entendo a política como um processo que exige a paciente superação das diferenças menores para que os avanços fundamentais possam acontecer.

A força do vento é legítima. Precisa, no entanto, como um tributo à realidade, ser reconhecida e saudada com humildade. Até porque, nem sempre ele sopra a favor...

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