domingo, abril 03, 2011

MAÍLSON DA NÓBREGA - O fascínio dos salários


O fascínio dos salários
MAÍLSON DA NÓBREGA
Revista Veja

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CARTA AO LEITOR - No encalço dos terroristas


No encalço dos terroristas
CARTA AO LEITOR
Revista Veja

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A REDE - O terror finca bases no Brasil


A REDE

 O terror finca bases no Brasil
REVISTA VEJA

Khaled Hussein Ali nasceu em 1970, no leste do Líbano. Sua cidade. Kamed El Laouz, fica no Vale do Bekaa. Nessa região. Ali, seguidor da corrente sunita do islamismo. prestou serviço militar. Depois, sumiu. No início dos anos 90, reapareceu em Sio Paulo. Casou-se e teve uma filha. Graças a ela obteve, em 1998. o direito de viver no Brasil. Mora em baqueta, na Zona Leste paulistana, e sustenta sua família com os lucros de uma lan house localizada no bairro de Vila Matilde. Bonachão, passa o dia na porta da loja distribuindo cumprimentos. Ali leva uma vida dupla. É um dos chefes do braço propagandístico da AI Queda. a organização terrorista comandada pelo saudita Osama bin Laden. De São Paulo, o libanês coordena extremistas do lilhad Media Baualion em dezessete países. Os textos ou vídeos dos discípulos de Bin Laden s6 são divulgados mediante sua aprovação. A regra também vale para as traduções dos discursos do terrorista saudita e para os vídeos veiculados pelos extremistas na internet. Mais: cabe ao libanês dar suporte logístico às operações da AI Qaeda. Ele faz parte de uma rede de terroristas que estende seus tentáculos no Brasil.
Tratado como "Príncipe" por seus comparsas. Ali foi seguido por quatro meses pela Policia Federal, até ser previ. em março de 2009. Os agentes sabiam como ele operava, mas não conseguiam acessar os dados de seu computador. protegido pelo programa de criptografia da AI Qaeda o Mojahideen Secrets 2.0. Para ter acesso a suas informações, os policiais deveriam apreender seu computador aberto. Adotaram um estratagema simples: monitoraram Ali até que ele entrasse na internet e lhe telefonaram. Deram o bote enquanto ele atendia a ligação. O equipamento estava repleto de arquivos que comprovam sua posição de liderança no terror islâmico. Por meio de seus e-mails, é passível reconstituir as ligações do libarás com guerrilheiros afegãos, provavelmente do Talibã. Em janeiro de 2009. Ali encomendou, recebeu e remeteu para endereços no Afeganistão mapas e cartas topográficas daquele pais. Depois, ordenou a seus subordinados que arranjassem manuais para ajudar seus "irmãos combatentes" a compreender esse material. Duas horas mais tarde, recebeu um curso produzido pelas brigadas al-Qassam, o braço armado do Hamas, partido dos radicais palestinos que governam a Faixa de Gaza.
Em fevereiro de 2009, o Jihad Media Battalion foi encurralado e Ali foi acionado para defendo-lo. As 20 horas do dia 18 daquele más, o libanês recebeu um e-mail informando que um de seus homens havia sido preso em Gaza. Estaria em mãos do Mossad, o serviço secreto israelense. Com a notícia, veio um pedido para que Ali bloqueasse os acessos do comparsa detido aos arquivos do Jihad Media Battalion. Essa medida preservaria o sigilo da organização e o anonimato dos seus militantes. De São Paulo, ele "desligou" o terrorista capturado.
No mesmo dia. Ali recebeu uma mensagem na qual se relatava a invasão do computador de outro ciberjihadista por um vírus espião. Dessa vez, ordenou a seus liderados que espalhassem o vírus por meio de spams, a fim de confundir os serviços de inteligência ocidentais. Sua eficiência nessas operações foi elogiada por um terrorista que se identifica como "Vice-Príncipe" da A1 Qaeda no Iraque: "Vocês estio provando para os cruzados (ocidentais) que estamos em seus países, que não podem nas proibir de operar dentro de seu território nem de falar com seus filhos"
Além das provas de terrorismo na internet. a Polícia Federal encontrou no computador de Ali spams enviados aos Estados Unidos para incitar o ódio a judeus e negros. Outros arquivos, que injuriam o presidente Rarack Obama , foram remetidos a foros conservadores americanos com o objetive de tumultuar a discussão política. Abordado por VEJA, Ali negou sua identidade. Esse material, no emanto, permitiu que a Polícia Federal o indiciasse por racismo, incitação ao crime e formação de quadrilha. Salvouse da acusação de terrorismo porque o Código Penal Brasileiro não prevê esse delito. O libanês permaneceu 21 dias preso. Foi liberado porque o Ministério Público Federal não o denunciou à Justiça Casos corta o de Ali alimentam as divergências do governo americano com o Brasil.
Há vinte anos as autoridades nacionais conhecem-e negligenciam-os relatórios da Interpol, da CIA, do FBI e do Departamento do Tesouro americano a respeito das atividades de extremistas no Brasil. Os atentados contra alvos judeus em Buenos Aires, que mataram 114 pessoas em 1992 e 1994, deram uma guinada no tratamento da questão. A Policia Federal reagiu constituindo um serviço antiterrorismo. Graças a ele, descobriu que, em 1995. Bin Laden e Khalid Shaikh Mohammed, que o ajudou a planejar a destruição do World Trade Center em 11 de setembro de 201 1, estiveram em Foz do Iguaçu. A passagem de Bin Laden foi revelada por VEJA oito anos depois. Apesar de as tentáculos do terror terem se aprofundado iro pais, o governo federal desmobilizou o serviço em 2009. Todos os delegados do seta foram removidos, o que prejudicou as investigações. Há dois meses, VEJA teve acesso aos relatórios dessa equipe. Além de Ali, vinte militantes da AI Qaeda, do Hezbollah, do Hamas, do Grupo Islâmico Combatente Marroquino e do egípcio al-Gama'a al-Islamiyya usam ou usaram o Brasil como esconderijo, centro de logística, fonte de captação de dinheiro e planejamento de atentados. A reportagem da revista também obteve os relatórios enviados ao Brasil pelo governo dos Estados Unidos.
Esses documentos permitiram que VEJA localizasse Alie outros quatro extremistas. Eles vivem no Brasil como se fossem cidadãos comuns. Um deles chegou a ser condenado em seu país de origem. Hesham Ahmed Mahmoud Eltrabily é apontado pelo Egito como participante da chacina de 62 turistas que visitavam as ruínas de Luxor, em 1997. Com uma ordem de prisão emitida pela Interpol, foi capturado em São Paulo, cinco anos depois. O Supremo Tribunal Federal negou sua extradição, alegando que as provas apresentadas pelo governo egípcio não eram peremptórias. Agora, o egípcio comercializa eletrônicos na Galeria Pagé, um dos centros de venda de contrabando da capital paulista. VEJA relatou o conteúdo desta reportagem aos funcionários de sua loja, mas Eltrabily não retornou os telefonemas. O caso de Eltrabily é semelhante ao de Mohamed Ali Abou Elezz Ibrahim Soliman, que não foi localizado por VEJA. Soliman também foi sentenciado no Egito por participar do atentado de Luxor. Preso em 1999, Soliman Teve sua extradição negada pelo Supremo, que encontrou aros formais de instrução do processo, como falhas na tradução de documentos. Como Eltrabily ele vende muamba, mas em Foz do Iguaçu. Com o amigo comparsa, ele forma a célula brasileira do al-Gama´a al-Islamiyya. subordinado à AI Qaeda.
Acusado de arquitetar atentados contra instimições judaicas que vitimaram 114 pessoas em Buenos Aires, nos anos de 199? e 1994, o iraniano Mohsen Rabbani é procurado pelo Interpol mas entro e sai do Brasil com frequencia -:em ser incomodado. Funcionário do governo iraniano, ele usa passaportes emitidos com nomes falsos para visitar um irmão que moco em Curitiba A última vez que isso ocorreu foi em setembro do ano passado. Quando a Interpor alertou a Polícia Federal para sua presença no Brasil. ele já linha fugido. Mas não são apenas os laços familiares que «azem esse terrorista ao país. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) descobriu que Rabbani já recrutou, pelo meros, duas dezenas de jovens do interior de Sio Paulo, Pernambuco e Paraná para cursos de "formação religiosa" em Teerã.
"Sem que ninguém perceba, está surgindo uma geração de extremistas islâmicos no Brasil", diz o procurador da República Alexandre Camanho de Assis, que coordena o Ministério Público em treze estados e no Distrito Federal.
Fm São Bernardo do Campo, no ABC Paulista virem dois brasileiros aliciados. Suas histórias foram descobertas pela CIA durante o interrogatório de um dos líderes da AI Qaeda, o saudita Abu Zubaydah, o mesmo que convenceu o inglês Richard Reid a instalar uma bomba no salto do sapato e remar explodi-Ia em um voo que ia de Paris para Miami, em 2001. Preso em Guantânamo, Zubaydah foi severamente torturado com simulações de afogamento. Em Seu livro. Pontos de Decisão. o ex-presideme George W. Bush alega que a tonam de Zubaydah ajudou a impedir ou«os atenrados. Em Guantánamo, o jihadista saudita tomou que acolhera os paulistas Alan Cheidde e Anuar Pechliye no campo de treinamento de combatentes de Khaldan, no Afeganistão. Cheidde pertence a uma família famosa no ABC paulista. Seu pai, Felipe Cheidde, amealhou uma das maiores fortunas da regido com unia empresa de factoring, bingos e loterias. Chegou a ser depurado federal constituinte pelo PMDB. Conto mantém um orne da quarta divisão paulista, o Esporte Clube São Bernardo, ele é popular em sua cidade. Sua casa de 1400 metros quadrados é uma das mais suntuosas de São Bernardo do Campo.
Ainda assim, as conexões de seu filho, Alan, com o terror passaram despercebidas das autoridades brasileiras até 2004, quando a CIA as comunicou à Polícia Federal. Os agentes americanos relataram que Cheidde e seu amigo Pechliye haviam sido incumbidos de arranjar passaportes brasileiros para integrantes da Al Qaeda. Intimados pela Policia Federal, ambos contaram que haviam perdido seu passaporte duas vezes, em 2000 e 2001, e que não se lembravam das circunstancias em que isso teria ocorrido, Apesar de considerarem a desculpa esfarrapada, as autoridades brasileiras decidiram liberá-los, A VEJA, Cheidde disse que sua viagem ê assunto privado. Pechliye não retornou as ligações da reportagem. Uma das raras ocasiões em que os terroristas se eram incomodados foi em junho de 2005. Naquele mês, a Policia Federal aproveitou a Operação Panorama contra a imigração ilegal para prender 21 extremistas. Eles foram acusados de falsidade ideológica e adulteração de documentos para obter vistos de permanência no pais. Faziam isso forjando casamentos com brasileiras.
Os radicais escolhiam mães solteiras, pagavam-Lhes 1000 reais para participar da fraude e reconheciam os filhos delas como seus. Tornavam-se formalmente pais de filhos brasileiros e, por isso, não podiam mais ser extraditados.
O bando era chefiado pelo libanês Jihad Chaim Baalbalti e pelo jordanismo Sael BasheerYahya Najib Atari, um proeminente líder muçulmano de Foz do Iguaçu. Com a quadrilha, a Policia Federal apreendeu 1206 passaportes emitidos por Portugal. Espanha e México. Na maioria roubados, esses documentos eram vendidos a 11 0(l0 dólares cada um para extremistas procurados pela polícia de diversos países ou para radicais que querem se deslocar sem deixar rastros. O esquema de Baalbaki e Atari não se restringia ao Brasil. O Kuwait acusa o jordaniano de se associar a falsificadores locais para facilitar a fuga de jihadistas. A maioria da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu rechaça o terrorismo. Fugitiva da guerra e dos atentados em seus países de origem, ela é a principal fonte de informação da Policia Federal. Na Tríplice Fronteira de Brasil. Argentina e Paraguai. os radicais formam um contingente marginal entre os 12000 muçulmanos que lá vivem. Mas isso não impediu Atari de presidir a Associação Árabe Palestina nem de apresentar-se como um porta-voz da comunidade. Fui em tal condição que ele posou para a fotografia que ilustra teta reportagem. Abordado depois por VEJA. Atari, que, assim corno Baalbaki, responde em liberdade ao processo por falsidade ideológica, formação de quadrilha e facilitação de imigração ilegal, afirmou que não gostaria de falar sobre as acusações que lhe são feitas.
A ousadia de Atari reflete o conforto que as leis lhe garantem. Ele e Baalbaki, além de estarem soltos, só serão extraditados se forem condenados. "Os terroristas se aproveitam da fragilidade da legislação brasileira ', admitiu, em audiência na Câmara dos Deputados, Daniel Lorenz, ex-chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Federal e atual secretario de Segurança do Distrito Federal. A dupla continua fazendo negócios no Paraná, uma espécie de wall Street da jihad "A Tríplice Fronteira é, hoje, uma artéria financeira do Hezbollalh" escreveu o diretos do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro americano, Arfam Szubin, em relatório enviado ao Departamento de Estado de seu país, fazendo referencia ao grupo libanês, Chegou-se a essa situação por causa da recusa do governo brasileiro a encarar o terrorismo. Em 2007, um grupo de deputados tentou regulamentar o artigo constitucional que prevê o crime de terrorismo. Acabou vencido pelo então secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay. "Ele alegava que uma lei antiterror atrairia terroristas", conta o ex-deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Por esse raciocínio, ou fatia de, o Brasil deveria abolir as leis contra homicídio, roubo e tráfico de drogas. Afinal de contas, elas também incitariam as pessoas a delinquir.
A leniência com o extremismo islâmico é característica também da diplomacia brasileira, que não reconhece o Hezbollah, o Hamas nem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como terroristas. Em parte, ela está relacionada à tentativa de vender a imagem do Brasil corno a de um paraíso tropical blindado contra atentados. Mas apresenta-se recheada também da simpatia da esquerda pelos jihadistas, inimigos viscerais dos Estadas Unidos. Uma lei antiterror alcançaria, ainda, "movimentos sociais", como o Movimento dos Atingidos por Ramagens, que, em 2007, ameaçou abrir as comporias da hidrelétrica de Tucuruí, e o Movimento dos Sem Terra, que invade e depreda fazendas. "A Polícia Federal e o governo americano apontam a atuação dos movimentos sociais como um dos principais impeditivas para um combate mais efetivo ao terror", diz Jungínann.
Embora seja autora das investigações descritas nesta reportagem, a Polícia Federal assume um comportamento ambíguo ao comentar as descobertas de seu pessoal. A instituição esquiva-se, afirmando que &,não rotula pessoas ou grupos que, de alguma forma, possam agir com inspiração terrorista". Esse discurso dúbio e incoerente não apenas facilita o enraizamento das organizações extremistas no Brasil como cria grandes riscos para o futuro imediato. As cartilhas terroristas recomendam aos militantes que desfiram atentados em ocasiões em que suas ações ganhem visibilidade. O temor de policiais federais e procuradores ouvidos por VEJA é que eles vejam essas oportunidades na Copa de 2014 e na Olimpíada de 2016.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - A gangorra dos nomes


A gangorra dos nomes
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
Revista Veja

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CLAUDIO DE MOURA CASTRO - Mãe chinesa ou mãe judia?


Mãe chinesa ou mãe judia?
CLAUDIO DE MOURA CASTRO
Revista Veja


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CAETANO VELOSO - Pessoas


Pessoas
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 03/04/11

Se eu tivesse lido a coluna de Fernando de Barros e Silva, na “Folha” de 19 de março, eu talvez nem tivesse sentido tanta necessidade de escrever meu artigo de domingo passado. O “caso Bethânia”, invenção sensacionalista e comercial da “Folha de S. Paulo”, tinha recebido análise lúcida e crítica equilibrada no próprio jornal (com Barros e Silva suprindo função de ombudsman). A “Folha” é mesmo o que eu disse: vende-se como aberta ao debate e procura não decepcionar seus leitores quanto a isso, embora seu dono tenha de fato dito (mas ele era um menino, então) que a “Veja” era sua inspiração. A cronista social da “Ilustrada” veio de “Veja”. A volúpia de dilapidar reputações conquistadas trabalhosa e honradamente leva insinuações maldosas para a primeira página, na certeza de que grupos de ressentidos aderirão em hordas horrendas. Respingos de bile. Mas o jornal segue sendo tão isento quanto lhe é possível, e isso não é pouca coisa. Pior seria não haver liberdade de imprensa ou mesmo remota ameaça à livre expressão.

A escritora portuguesa Inês Pedrosa, minha amiga (e dona de um estilo admirável, com aquela desenvoltura que a regularidade sintática dá aos escritores lusitanos) me disse sentir que há mais calor na recepção da obra de Fernando Pessoa entre brasileiros do que entre seus patrícios. Pode ser. De minhaparte, já contei o quanto “Mensagem” foi crucial para que eu construísse uma perspectiva ao olhar o mundo. Pois bem, fui ver — e o fiz, em parte ao lado de Inês — a exposição sobre Pessoa que está no Centro Cultural Correios. Tive vontade de que todos os brasileiros a vissem. A disposição espacial, as relações entre as palavras e as imagens bi ou tridimensionais fazem da ida ao Centro Cultural Correios uma experiência rica e que bate fundo. Não se esperaria nada menos, sabendo-se que está a cargo de Hélio Eichbauer a estruturação visual do evento. Há um vídeo de uma multidão urbana (em que o foco passeia do primeiro plano para o fundo), feito por Carlos Nader, que deslumbra e faz pensar, ilustrando (ou respondendo a) a declamação por Antonio Cicero. Há um fragmento (dois planos
que se repetem indefinidamente) de “Limite”, de Mario Peixoto. Há um fac-símile de “Mensagem” em tamanho gigante, no qual se pode ler todo o livro, passando as páginas com um gesto, como se faz em Kindles e iPads: os poemas (com anotações de Pessoa sob algumas palavras ou à margem) surgem como os grandes acontecimentos que são. Com gesto semelhante você pode passar as páginas dos poemas de cada um dos heterônimos em boxes destacados para cada um deles. A exposição encanta e exalta o espírito — e muitas vezes os poemas muito conhecidos nos surpreendem. Não posso imaginar uma pessoa jovem, sensível e em busca do mundo e de si mesma que não vá ver Fernando Pessoana versão generosa e inspirada que nos dão todos os envolvidos no projeto.

Ontem à noite, por causa de ter tido tão boas surpresas ao ouvir a Rádio Roquette Pinto, liguei o rádio do carro na mesma emissora. Eu tinha escrito aqui sobre o encanto intenso causado pela audição de “Ladeira da preguiça” cantada por Rosa Passos, e sobre quão interessante e belo é ouvir “Pra que discutir com madame?” com Diogo Nogueira. Pois bem, ontem ouvi “Pra que discutir com madame” com Rosa Passos (cuja voz reconheci — e fiquei mais certo de que era ela por lembrar de sua versão desse samba obraprima de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa), mas o locutor (que tinha uma voz de gente jovem), depois de identificar Luisa Maita numa interpretação excelente de um tema vagamente nordestino, disse: “Pra que discutir com madame?” com Diogo Nogueira. Houve alguma confusão de informação lá na rádio e o rapaz disse o nome da canção que eu ouvira mas não o da cantora que a cantara — e sim o de outro cantor, embora este também tenha gravado essa canção e eu tenha me dado conta disso justamente na Roquette. Tudo era bonito. Foi um erro com um charme especial para mim: era como se eu tivesse feito parte da confusão que levou a ele.

Outra exposição que justifica a já deliciosa ida até aquela parte do centro da cidade em que se encontram os centros culturais Banco do Brasil, Correios, Casa França-Brasil, enfim, aquela parte
cheia de paredes sólidas e espaços bonitos que deságuam na Candelária (e de onde fui, faz alguns carnavais, ver o início do renascimento dos blocos de rua do Rio, o que me comoveu), é a “I in You” (ou “Eu em Tu”, na informalidade do português brasileiro, ou melhor, carioca) de Laurie Anderson. Laurie é uma mulher muito doce. Conheci-a há muitos anos, quando ela veio ao Rio com “Home of the brave”. Depois disso, sempre a reencontrei na plateia dos meus shows em Nova York. A partir de um ano X, ela levou consigo seu marido Lou Reed, de quem ouvi, sobre “Noites do Norte”, que era um dos shows mais bonitos que ele já tinha visto. Não digo isso por mera vaidade: faço-o porque certas desproporções provincianas (das quais eu não estou isento) precisam ir caindo como edifícios de areia. E porque o elogio ia (vai) mais paraJaques Morelenbaum, Marcio Vitor, Du e Jó, Pedro Sá, Davi Moraes e Jorge Elder. E, outra vez, para Eichbauer. No mínimo. A exposição de Laurie é bela, calma, inteligente. Seu trabalho é a versão sutil e profunda da sensação difícil que americanos justos sentem diante da força do país onde nasceram. É lírica e pessoal, mas é política até o fim — de uma política da História.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - Desatinos contra a Vale


Desatinos contra a Vale
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 03/04/11

Derrubado o presidente da Vale, o governo estuda o próximo passo para impor seus interesses e suas concepções econômicas à maior empresa privada do Brasil, segunda maior mineradora do mundo e líder mundial na extração de minério de ferro. O Palácio do Planalto mandou o Ministério da Fazenda examinar uma forma de tributar a exportação do minério, para reduzir os embarques de matéria-prima e aumentar as vendas externas de aço, produto de maior valor agregado. Para isso a empresa teria de ampliar seu investimento em siderurgia. A decisão só será tomada depois dos estudos, informou ao Estado uma fonte ligada ao poder central. Segundo a mesma fonte, a presidente se mostraria sensível ao que era uma das obsessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante mais de metade de seu segundo mandato, o presidente Lula se esforçou para mandar na Vale e, diante da resistência do presidente da empresa, passou a manobrar para derrubá-lo. Esta parte da tarefa já foi cumprida pela presidente Dilma Rousseff. O afastamento de Roger Agnelli foi anunciado oficialmente pela companhia na sexta-feira. Uma agência foi contratada para buscar e sugerir nomes para a substituição, mas alguns possíveis sucessores já têm sido mencionados por pessoas envolvidas no processo.

O novo presidente da Vale terá um mau começo, se aceitar previamente a interferência do governo. Se estiver disposto a receber ordens do Palácio do Planalto ou de qualquer Ministério, o governo nem precisará tributar o minério para forçar a empresa a investir mais em siderurgia. Ao mostrar submissão, esse presidente iniciará sua nova carreira já enfraquecido e enviará uma péssima informação ao mercado e aos acionistas particulares.

As manobras do governo para comandar a Vale têm sido motivadas por uma combinação de ideias estapafúrdias e de impulsos perigosos. É estapafúrdia, em primeiro lugar, a ideia de forçar maiores investimentos em siderurgia, quando o setor está com uma enorme capacidade ociosa - no País e no exterior. A presidente Dilma Rousseff saberia disso, se tivesse o trabalho de consultar os profissionais do setor. A Vale já investe na produção de aço, mas em ritmo compatível com uma estratégia racional.

Em segundo lugar, é um desatino a ideia de tributar a matéria-prima para forçar a exportação de produto de maior valor agregado. Essa tolice reaparece, de tempos em tempos, sob nova roupagem - estimulada, às vezes, por interesses privados. Há anos, empresas do setor calçadista convenceram o governo a tributar a exportação de um tipo de couro. O governo cedeu à esperteza de alguns e cometeu a bobagem. Um dos efeitos foi o desvio das exportações de couro brasileiro pelo Uruguai. O resultado poderia ter sido pior - a perda de mercados para os concorrentes.

Tributar a exportação de minério concederá uma vantagem aos concorrentes estrangeiros da Vale. Ninguém forçará uma grande potência importadora, como a China, a pagar mais pelo minério ou a comprar mais aço do Brasil por causa dessa manobra ridícula. Depois, a mera ideia de tributar matéria-prima para aumentar a exportação de bens de maior valor agregado é uma infantilidade. No máximo, a medida poderia ter algum efeito se o país tivesse o monopólio da matéria-prima. Não é o caso e, mesmo que fosse, o expediente seria discutível.

Se houvesse alguma inteligência nessa proposta, valeria a pena aplicá-la de forma radical. Por que não tributar também a exportação de aço, para favorecer a venda de automóveis, tratores e outros produtos fabricados com esse tipo de insumo? Por que não taxar o milho, a soja e a ração, para ampliar as vendas de carnes? Ou, ainda, por que não dificultar os embarques de café em grão - o Brasil é o maior exportador do mundo -, para multiplicar as vendas do produto instantâneo e do torrado? O desatino seria o mesmo em todos esses casos.

Mas o governo pode ter outros motivos, também, para mandar numa empresa como a Vale. Orientar seus investimentos para este ou aquele Estado ou município pode ser uma forma de distribuir enormes favores. E, se a ordem é conceder benefícios à custa de uma grande companhia, por que privar os aliados de mais alguns bons empregos?

SUELY CALDAS - Reverso com a inflação



Reverso com a inflação

SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 03/04/11

A estratégia do Banco Central (BC) de desistir do cumprimento da meta de inflação em 2011 e transferir a tarefa para 2012 ignorou solenemente um importante fato político: as eleições municipais no ano que vem. As análises do BC sobre o futuro costumam ser muito cuidadosas e precisas quando se trata de definir estratégias no presente. Afinal, a atenção e a preocupação com acontecimentos de médio e de longo prazos estão na essência das avaliações de um banco central para tomar decisões. É assim no mundo inteiro.

Por isso soa inexplicável que uma diretoria experiente, com funcionários de carreira que passaram a vida tentando blindar a política anti-inflacionária de efeitos político-eleitorais, decida puxar o freio da economia e reequilibrar a inflação justamente em ano eleitoral. Numa eleição, a classe política - presidente, governadores, prefeitos, parlamentares - só enxerga um propósito: ganhar nas urnas. E busca agradar aos eleitores inaugurando obras soberbas, promovendo empregos e salários em alta, aumento do consumo, crescimento econômico, além de exagerar em gastos com o dinheiro público - um cardápio que conspira contra e joga por terra qualquer intenção de frear os preços.

Em 2010 a inflação fechou em 5,91%, portanto acima do centro da meta, de 4,5%. Foi um ano eleitoral e o ex-presidente Lula mostrava-se disposto a tudo para ganhar a disputa. Venceu, mas isso custou para a sucessora um estoque de encrencas na área fiscal que dificultam ações dirigidas a trazer a inflação de volta ao centro da meta. Esperava-se do novo governo buscar resolver as encrencas e do BC, uma estratégia séria para recuar a inflação. Se é que a diretoria do BC tentou, parece não ter conseguido convencer quem está no comando da economia - seja Dilma, Palocci ou Mantega. Mas, como também não acredita que medidas "macroprudenciais" e paliativas de contenção de crédito tenham força para trazer a inflação a 4,5%, o BC desistiu de 2011, prometendo perseguir a meta em 2012, mesmo sabendo ser muito mais difícil do que este ano.

O governo tenta disfarçar, mas quem está lá, conhece a ciência econômica e viveu a hiperinflação dos anos 80 sabe que os riscos assumidos com essa estratégia são enormes e reais. Nosso histórico recomenda não brincar com inflação. De tolerância em tolerância, de ceder aqui e ali, de adiar e empurrar com a barriga, a inflação vai ganhando corpo e cresce, no início devagar, depois apressando o passo. Quando se quer recuar é tarde, ela já se impôs. E na economia ela funciona como um tributo contra os pobres, que não têm como se defender, e a favor dos ricos, que multiplicam dinheiro com o jogo do mercado financeiro.

Na disputa que travou com Palocci no primeiro mandato de Lula, a então ministra Dilma Rousseff ficou brava quando a imprensa publicou que, em reunião da equipe econômica com o presidente, ela teria afirmado que uma inflação de 15% não causaria danos à economia. "Sou economista e jamais diria uma burrice dessas", reagiu na época. Agora presidente, em mais de um discurso ela tem repetido que inflação se trata "com tolerância zero". Se assim é, ela deveria provar ao País que seu discurso não é só retórica. E não adiar o que será mais difícil conseguir no futuro.

Mas, em vez disso, o governo Dilma tem é contribuído para assombrar o BC com mais um fantasma: o da indexação.

Na quarta-feira o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araujo, alertou para o risco de aumento da inflação que vem "dos mecanismos de indexação que existem no País". Ele sabe que o índice em ascensão leva os agentes econômicos a se defenderem indexando os preços de seus produtos, criando um círculo vicioso de realimentação de altas que se propaga pela economia. Pois bem. Têm partido do próprio governo iniciativas de indexação. Foi assim ao definir a política para o salário mínimo indexada ao PIB e também vincular o reajuste da Tabela do Imposto de Renda à meta da inflação.

Se a tolerância com esta velha inimiga, presidente, é mesmo zero, decididamente o caminho não é voltar ao passado.

REGINA ALVAREZ - Bichos-papões da campanha, ajuste fiscal e privatização viram realidade


Bichos-papões da campanha, ajuste fiscal e privatização viram realidade
REGINA ALVAREZ
O GLOBO 03/04/11
Herança de gastos elevados deixada por Lula provoca corte de R$50 bi

BRASÍLIA. Durante a campanha, a então candidata Dilma Rousseff prometeu que não faria ajuste fiscal "em hipótese alguma" e classificou de factóides as notícias de que promoveria corte nas despesas do Orçamento já no começo de sua gestão. Eleita, rendeu-se à receita clássica, classificada por militantes do PT como "plataforma da direita".

No combate à inflação, o fantasma que voltou a assombrar o país este ano, Dilma adotou medidas que os petistas vinculavam à oposição no auge da campanha eleitoral: corte nos gastos públicos, suspensão dos concursos e nomeações. O estilo firme e pragmático da presidente na tomada de decisões é elogiado por analistas, mas há dúvidas em relação à condução da política econômica e à capacidade do governo de controlar a inflação.

No começo de fevereiro, a presidente determinou um corte de R$50 bilhões no Orçamento da União, que atingiu, inclusive, o programa Minha Casa Minha Vida, uma das vitrines do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse receituário amargo decorre, em boa parte, da farra de gastos do governo Lula no ano eleitoral, que contribuiu para aquecer a economia em níveis muito acima dos sustentáveis.

A combinação de demanda aquecida - pelos gastos do setor público, além do aumento da renda e emprego - com o choque nos preços das commodities (petróleo, minério de ferro, açúcar e soja) no mercado externo afetou os preços internos e as expectativas para a inflação futura, herança que Dilma terá que administrar.

Divergências não são toleradas

Todos os sinais são de que a presidente comanda a política econômica com mão de ferro e não tolera divergências na equipe, diferentemente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em certo sentido, até estimulava o antagonismo no grupo. Recentemente, Dilma usou um veículo especializado, o jornal "Valor Econômico", para defender a política gradualista do Banco Central no combate à inflação. Mas não convenceu ainda o mercado, que cobra uma política mais arrojada e um choque de juros a curto prazo para trazer a inflação ao centro da meta o mais rapidamente possível.

O economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e atual chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), vê com preocupação a escalada da inflação, mas acha que o governo Dilma começou bem, sem grandes surpresas. Para ele, isso reforçou a credibilidade do país:

- Vejo os primeiros cem dias sem marolas. (O governo Dilma) vem tocando a economia de maneira pragmática - afirma.

Falta, na opinião do economista, enxergar como a economia vai ficar mais à frente, já que o país continua a surfar na onda favorável que começou após a crise de 2009:

- Não há certeza da correção do rumo, não se tem histórico para saber o timing das medidas adotadas pelo Banco Central, quando produzirão efeitos. Ainda estamos vivendo em mar calmo, mas precisamos nos preparar para um mar revolto mais à frente - afirma o ex-diretor do BC.

Na opinião do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o destaque positivo do governo Dilma é a política adotada para o setor aeroportuário, com promessa de uma gestão profissional completamente diferente da anterior:

- A grande novidade nestes cem dias é a mudança na área aeroportuária. Nota 10. Para quem não estava esperando nada, ver isso é um grande negócio - afirma.

O economista não vê grandes avanços na área fiscal e considera os cortes de gastos anunciados em fevereiro insuficientes para resolver o problema do Orçamento, engessado por despesas obrigatórias.

- Nenhuma medida foi adotada para mudar a rigidez do gasto. E a regra do salário mínimo foi consolidada. Se estava ruim, vai continuar ruim - diz Velloso.

Para a professora Margarida Gutierrez, do grupo de Conjuntura Econômica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), embora não exista fato que descredencie o governo Dilma neste período, o balanço dos cem dias traz indagações:

- Será que o Banco Central terá autonomia suficiente no combate à inflação? A disciplina fiscal que conseguimos a duras penas será mantida? Parece que o BC está indo na direção de um câmbio menos flutuante, mais administrado. Será? - pergunta.

Gutierrez considera que ainda é cedo para afirmar que o BC será leniente com a inflação, mas chama a atenção para o discurso "de aceitar um pouquinho mais de inflação". E vê o risco de mudanças importantes na política econômica.

Já o economista Antonio Corrêa de Lacerda, do Departamento de Economia da PUC-SP, elogia a condução da economia:

- Ao contrário das críticas do mercado financeiro, a gestão macroeconômica vai muito bem. Há excelente entrosamento entre Fazenda e o Banco Central. Não estão se deixando levar pelas pressões do mercado, não fizeram ajuste fiscal maior que o necessário, nem aumento de juros desproporcional.

Nestes três meses de governo, Dilma viu o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ocupar a mídia pela agenda negativa. Conflitos entre trabalhadores e grandes empreiteiras, greves nos canteiros de Jirau e Santo Antonio, as megahidrelétricas do Rio Madeira.

O governo resolveu intermediar uma negociação para acabar com as greves e resolver os conflitos. Internamente, a avaliação é que esses episódios decorrem de falha de gestão, que negligenciou aspecto importante: a relação entre os operários e as construtoras.

ALBERTO TAMER - Crescer com inflação menor


Crescer com inflação menor
ALBERTO TAMER

O Estado de S.Paulo - 03/04/11

O BC admitiu que não trabalha mais para trazer a inflação para a meta de 4,5% este ano, o que somente seria possível a um custo muito econômico elevado. Mesmo adiando medidas mais agressivas para conter a demanda e os preços, o Copom baixou a estimativa de crescimento do PIB de 4,5% para 4% este ano. Reduzi-lo ainda mais representaria "custo demasiado elevado." O BC trabalha, agora, com uma inflação de 5,6% este ano e 4,6% no próximo.

A informação provocou uma reação maior que deveria. Na verdade, ninguém acreditava em inflação de 4,5%. Ela só poderia ser alcançada com medidas de contenção econômica que nem o BC, nem o governo e nem o País precisam ou podem aceitar. A economia brasileira cresceu 7,5% em 2010 com uma inflação alta, mas controlada.

E não fugiu do controle porque o BC aplicou uma severa política monetária. Elevou juros, reduziu prazo, retirou liquidez do sistema. Basta lembrar que em apenas um ano, os juros aumentaram 300 pontos-base. Saíram de 8,75% em março de 2010 para 11,75% hoje. Foi um política dura e progressiva na medida em que a economia era contaminada pela alta dos preços das commodities e dos serviços. Basta lembrar que só neste ano, o BC elevou o juro em 100 pontos-base e realizou forte aperto da liquidez do mercado. Sem essas medidas, a inflação teria passado e muito de 6%. Dilema inaceitável. No fundo, o BC e governo estão diante de um dilema que não podem aceitar. Inflação estabilizada ou forte desaceleração do crescimento econômico, destruindo tudo o que foi conseguido depois da recessão. É um dilema inaceitável porque pode ser evitado por meio de políticas fiscais agressivas e monetárias bem medidas.

E é, felizmente, o que está acontecendo. O governo não só anunciou, mas já está cortando gastos. Os resultados serão mais sentidos no terceiro trimestre.

Até aonde pode ajudar? A política fiscal terá um papel decisivo nesta nova estratégia de controle da inflação. A ata do Copom dedica um capítulo para analisar seu peso na contenção da demanda e dos preços. Avaliações feitas pelos economistas do BC concluem que a redução de um ponto porcentual na relação entre gasto público e o PIB, em um ano, "tem impacto significativo na inflação." Analistas do mercado financeiro concordam. Em pesquisa feita pelo BC dizem que um esforço fiscal por um ano, equivalente a 1% do PIB, combinado com política monetária acomodatícia, provaria um recuo entre 0,3 e 0,8 ponto porcentual na inflação. Ou seja, ajuste fiscal, refletido por aumento do superávit que o governo reafirma irá cumprir, e uma política monetária menos agressiva, podem trazer a inflação para a meta de 4,6% no próximo ano. E sem provocar choques na economia.

Neste cenário, a valorização do real, volta a preocupar. Aqui, sim, um dilema que pode ser, diríamos, "administrado". O real valorizou-se 40% desde 2009, com a forte entrada de investimentos financeiros e diretos no País. Só em fevereiro, foram US$ 100 bilhões. Existe uma liquidez impressionante no mercado internacional, onde há cada vez menos lugares seguros para investir. Há também o aumento das exportações de commodities, trazendo mais dólares para o mercado.

O custo de absorver essa avalanche de dinheiro é insustentável. As reservas podem passar de US$ 400 bilhões ao preço da dívida interna. Os exportadores de produtos industriais estão sendo prejudicados, perdendo espaço no mercado mundial, proclamam os mais alarmados.

Será? Não é bem assim. O dólar desvalorizado por muito tempo não é bom, mas ajuda a conter a pressão sobre os preços internos. Sem importações mais baratas, certamente a inflação seria maior. Quanto as exportações de produtos industriais, é preciso ir com calma. Elas não aumentaram muito nem mesmo quando o dólar estava alto. As indústrias estão sendo beneficiadas pelo dólar fraco, importam matérias primas e componentes.

E então? A pergunta de sempre neste pé de coluna. Então que não há nada de mais grave acontecendo no pais. O BC ajustou a política monetária para evitar choque brusco na economia, a política fiscal caminha, a safra agrícola bate recorde, os investimentos diretos em produção estão aumentando, a economia cresce menos, mas continua crescendo sem pressionar muito a inflação. É isso.

E então, senhores, nada de assustar a gente, por favor. Se quiserem, deem uma olhadinha para ver que está acontecendo lá á fora.

ETHEVALDO SIQUEIRA - A agonia de uma indústria


A agonia de uma indústria
ETHEVALDO SIQUEIRA

O Estado de S.Paulo - 03/04/11

A indústria brasileira de telecomunicações está em frangalhos. Diante dessa situação, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, promete divulgar dentro de 30 dias uma política industrial para o setor.

Mais do que adotar medidas pontuais e de emergência, seria oportuno que o Ministério das Comunicações preparasse, em conjunto com outros setores do governo e com a participação de especialistas, um ambicioso projeto nacional de microeletrônica e telecomunicações.

Esperemos, também, que a nova política não introduza nenhum tipo de reserva de mercado, mas se traduza em apoio efetivo às empresas brasileiras, com melhores financiamentos, desoneração de tributos, formação de mão de obra e recursos humanos de alto nível.

Foram múltiplas as causas da crise da indústria nacional de equipamentos de telecomunicações.

A primeira foi a abertura total do mercado, a partir da privatização da Telebrás, em 1998, sem que a indústria nacional estivesse preparada para a competição com os grandes fornecedores internacionais.

Altamente protegida pela política industrial da Telebrás durante mais de 25 anos, a indústria brasileira foi arrasada diante da competição mundial.

A segunda causa da crise decorreu de uma mudança de paradigmas tecnológicos, exatamente no momento do fim da bolha da internet, no ano 2000, quando as centrais telefônicas baseadas na tecnologia de comutação de circuitos passaram a ser substituídas por equipamentos baseados na comutação de pacotes (com o protocolo IP), como os roteadores e comutadores, totalmente diferentes das centrais e muito mais baratos.

O fim da comutação de circuitos nas telecomunicações teve efeitos catastróficos sobre os maiores fabricantes mundiais de centrais telefônicas - Lucent, Alcatel, Siemens, Ericsson, NEC e Nortel, entre outras.

Em consequência, a Nortel faliu. A Lucent teve que ser adquirida pela Alcatel. A Siemens, muito mais diversificada, fechou praticamente sua divisão de telecomunicações.

A NEC encolheu dramaticamente suas atividades e seu faturamento. Para sobreviver, dedicou-se muito mais à área de microeletrônica, serviços e gestão de redes, inclusive como provedora de internet para milhões de assinantes no Japão.

Entre as maiores empresas, apenas a Ericsson, a Nokia, a Samsung e a Motorola tiveram sucesso nesse novo cenário, porque tinham posição de maior destaque em telefonia móvel ou noutros segmentos da eletrônica.

No Brasil, até as filiais dos maiores fabricantes mundiais de centrais telefônicas - Ericsson, NEC, Siemens e Alcatel - deixaram de produzir e de fornecer centrais de comutação e paralisaram totalmente sua produção. Fabricantes de cabos telefônicos, como a Pirelli, fecharam suas fábricas.

Imagine, leitor, o efeito dessa crise sobre as pequenas e médias empresas que participavam da cadeia produtiva das telecomunicações no País. Hoje, o pouco que restou dessa indústria se concentra na prestação de serviços e na montagem de equipamentos de transmissão e de redes.

TVs e computadores. Outros segmentos da indústria eletrônica brasileira, entretanto, vivem uma situação muito diferente. É o caso dos fabricantes de computadores e de televisão, cuja produção vem crescendo há quase 10 anos.

A produção anual brasileira já supera os 12 milhões de computadores e 13 milhões de televisores.

O grande problema que esses segmentos enfrentam é sua extrema dependência da importação de componentes eletrônicos, que já chega a mais de US$ 18 bilhões por ano.

O resultado desse desequilíbrio se reflete na balança comercial do complexo eletrônico do País, cujo déficit vem crescendo ao longo dos últimos 15 anos e superou os US$ 16 bilhões em 2010.

Esse é o preço do atraso de nossa indústria de componentes eletrônicos. Vale lembrar que o País não produz sequer circuitos integrados de nível intermediário nem a maioria dos componentes eletrônicos.

Pensar grande. Por que não aproveitar a oportunidade de formulação de uma política industrial de telecomunicações para elaborar um grande projeto nacional de desenvolvimento de toda a eletrônica brasileira, em especial, em microeletrônica?

O Brasil precisa hoje de um grande projeto nacional, de longo prazo, tão ambicioso quanto aqueles que nos ajudaram a superar o subdesenvolvimento em outras áreas, como:

1) Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em 1950, base da competência nacional que possibilitou a criação o sucesso da Embraer;

2) Petrobrás, em 1954, que nos capacitou para a indústria e a exploração do petróleo, inclusive em águas profundas;

3) Embratel, em 1965, que nos permitiu a decolagem em telecomunicações de longa distância, nacionais e internacionais via satélite;

4) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, responsável em grande parte pela competência nacional nesse setor.

Reflitamos nos frutos extraordinários desses projetos e de outros como a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), durante a Segunda Guerra Mundial, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 1952, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1966; e a Telebrás, em 1972, que assegurou a decolagem das telecomunicações no País. Por que não pensar grande outra vez?

GOSTOSA

ANCELMO GÓIS


Vidas ganhas
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 03/04/11


Que bom. Em quatro anos, caiu à metade no Rio o número de vítimas de balas perdidas. Segundo o Instituto de Segurança Pública, foram 279 em 2007; 236 em 2008; 193 em 2009; e 139 em 2010.

Viagem pela metade 
Dilma, ao antecipar sua volta ao Brasil, por causa da morte de José Alencar, frustrou empresários brasileiros com interesses em Portugal. Acabou não tratando com autoridades lusas de temas de interesse da Petrobras e da Camargo Corrêa. A empreiteira, por exemplo, tem uma construtora portuguesa e 33% da maior cimenteira de lá, a Cimpor.

Maldição
Roger Agnelli é mais um que tropeçou depois de ganhar o prêmio Homem do Ano, da Câmara de Comércio Brasil-EUA. Na lista da maldição do “Person of the Year” há ainda Jorge Atalla (Copersucar), Mário Garnero (Brasilinvest), Ângelo Calmon de Sá (Banco Econômico), Luís Eulálio Bueno Vidigal (Cobrasma) Luiz Furlan (Sadia). 

Satiagraha no STJ
A 5a- turma do STJ deve retomar esta semana o julgamento do recurso de Daniel Dantas contra a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, em 2004, que levou o empresário à prisão. O placar está em dois a zero a favor de Dantas. 

Ainda faltam 
votar três ministros. Apagão da Dilma O bairro paulistano de Higienópolis, onde vive FH, ficou sem luz três horas sexta à noite. 

As brasileiras
Ivete Sangalo, Alice Braga, Juliana Paes, Cláudia Jimenes e Giovana Antonelli estão no time de 16 mulheres da nova série de Daniel Filho, “As brasileiras”. O formato é igual ao de “As cariocas”, com uma mulher por capítulo.

Trem da alegria
O chamego dos empresários estrangeiros com o Brasil tem lá seus motivos. Um deles: a remessa de lucros nos últimos 12 meses
chegou a US$ 33,8 bilhões. Ou um trem-bala Rio-SP e meio. 

Canudos 2, a missão
O cineasta Sérgio Rezende, autor do longa “Guerra de Canudos”, foi a Rondônia filmar a rebelião dos 22 mil trabalhadores da Usina de Jirau. As imagens vão para o documentário “Sertão, sertões”. 

No mais 
A queixa de Paulinho, da Força Sindical, naquela reunião no
Planalto, sobre a ausência de um bordel em Jirau, parece romance de Mario Vargas Llosa.No livro “Pantaleón e as visitadoras”, que virou filme, Llosa fala de um homem que, por ordem do Exército peruano, monta um bordel para reduzir estupros nas zonas militarizadas.

Martinho do Brasil 
Martinho da Vila vai ganhar uma estátua (foto) em sua homenagem. Será inaugurada em Duas Barras, RJ, sua cidade natal, dia 7 de maio, pelo governo do estado. A escultura de bronze, assinada por Ique, retrata o sambista de corpo inteiro cantando. 

A crise na OSB 
O maestro Roberto Tibiriçá e a pianista Cristina Ortiz pediram para sair da temporada da OSB Jovem, que começa este mês. — Somos profissionais e não estamos encontrando condições para reger a nossa música com todo o contexto e pressão em que se encontra a
OSB — diz Tibiriçá. 

Viva a Marrom!
Alcione foi escolhida para dar nome à nova lona cultural de São João de Meriti, RJ. Retratos da vida Desde 23 de março, um menino
de 10 anos é mantido vivo graças a um coração artificial no Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio. A criança precisa de um transplante com urgência. O doador tem de ter até 45kg. 

Cena carioca 
Veja como o cigarro é um vício que escraviza. Quarta, por volta de 18h, em Copacabana, um parceiro da coluna desceu do escritório para fumar na calçada e ouviu de um camelô: — Ei, patrão, quer trocar este cigarro por um cacho de uva?! Ele topou. Fez bem.

ZONA FRANCA
 José Conde Caldas assume amanhã a presidência da Ademi. 
 A decoradora Lourdes Catão embarca hoje para Nova York. 
 O professor José Galvão-Alves organiza a XXI Jornada de Gastroenterologia, no CBC, com a participação do hepatologista Vicente Arroyo. 
 O blog Mulher 7x7, da “Época”, bateu recorde de visitantes em março: mais de 1,8 milhão. 
 Estudo do economista Wilson Diniz assegura que Dilma foi eleita com os votos de eleitores beneficiários do Bolsa Família (12 milhões).
 A Osklen de Icaraí faz bazar hoje. 
 Roberta Spindel lança CD no Teatro Fashion Mall, terça, às 21h. 
● Luiz Paulo Nenen é o representante brasileiro em Simpósio Internacional de Design de Luz, na China.

VINÍCIUS TORRES FREIRE - Brasil: está frio ou está quente?



Brasil: está frio ou está quente?
VINÍCIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/11

Economia começa a esfriar, mas "mercado" acha que ainda não o bastante para conter o ritmo da inflação 


ALÉM DE espezinhar a nova direção do Banco Central, os povos dos mercados estão entretidos no debate sobre a redução do ritmo da economia. Já começou? Se começou, qual a intensidade da freada? Será o bastante para conter a inflação?
O júri, economistas de bancos e consultorias privadas, ainda está reunido, porém. Enfim, o ano mal começou, em termos estatísticos.
Mas alguns duvidam desde já que o "ajuste" vai bastar, pois não acreditam que o governo esteja preocupado com a inflação. Outros dizem mesmo que, apesar de alguma desaceleração neste ano, o caldo tende a entornar logo em 2012.
No ano que vem, haveria aumentos pesados de despesas públicas e outros estímulos econômicos, como o reajuste de 14% do salário mínimo e o aperto no ritmo dos investimentos (Copa, Olimpíada, petróleo etc.).
O pessoal do Itaú observava em texto de sexta-feira que o gasto do governo tem crescido menos. No trimestre encerrado em fevereiro, a despesa aumentou ao ritmo anualizado de 5,6%, ante 7,4% em janeiro. "Os números de 2011 apontam para um desempenho melhor que em 2009-2010 (anos de forte expansão fiscal), mas ainda abaixo do esforço médio verificado nos anos de [superavit] primário elevado (2003 a 2008)", observam porém.
O total de novos empréstimos está em nível 9% inferior ao volume anterior a dezembro, quando o BC começou a apertar o crédito. A confiança do consumidor caiu um pouco em março. O uso da capacidade produtiva da indústria foi alto e estável de abril a dezembro de 2010, mas cai desde então, de leve. As tendências inflacionárias, porém, continuam preocupantes, diz o pessoal do Itaú, com risco alto de indexação e com IPCA em 12 meses batendo nos 6,5% em meados do ano.
O pessoal da consultoria MBA é mais crítico. O valor médio do salário real (descontada a inflação) cresce menos, mas os nominais crescem rápido. Isto é, a inflação está sendo realimentada. As medidas de contenção de crédito não tiveram efeito bastante em itens importantes, como a venda de automóveis.
O PIB do primeiro trimestre teria crescido em ritmo semelhante ao de 2010. Sim, a economia e a inflação vão se desacelerar, diz o pessoal da MBA, que, porém, duvida que isso será o bastante. Motivo? "Desta vez, o BC e a Fazenda estão coordenados numa trajetória de desequilíbrio da inflação", diz o relatório de sexta-feira da consultoria. Não teria sido assim sob Lula 1, quando BC e Fazenda combatiam a inflação, nem sob Lula 2, em que pelo menos o BC mantinha o rigor, com a Fazenda estimulando a economia.
O pessoal do Bradesco viu crescimento forte da indústria em fevereiro. Mas isso deve passar. Alta dos juros, os primeiros sinais de contenção de crédito, corte de gastos do governo "em curso" e "primeiros sinais" de contenção dos salários indicam que a "desaceleração da economia seguirá ao longo dos próximos meses", dizem em comentário também da sexta-feira. Mas "a magnitude" da desaceleração se mostra "menor do que a esperada".
Em suma, não parece uma visão muito diferente da apresentada pelo BC na semana que passou. Uma inflação de uns 5,6%, PIB crescendo a 4%. A diferença é que o pessoal "do mercado" não está gostando nada da coincidência. Querem menos PIB e menos inflação.

DANUZA LEÃO - Receita para uma união feliz



Receita para uma união feliz
DANUZA LEÃO

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/11

Algum homem, nos últimos tempos, disse a alguma mulher que por ela seria capaz de tudo? 


QUEM QUISER conhecer mesmo a evolução do mundo feminino nos últimos tempos basta fazer uma pesquisa tomando como base músicas do passado. As letras, é claro.
Outro dia acordei me lembrando de uma delas -isso me acontece às vezes- e me diverti. Não sei quem foi o compositor, mas ele era um gênio (e mais folgado, impossível).
Faz uma grande declaração de amor, nos moldes dele, a Celina, e penso que nenhuma mulher, nos dias de hoje, é venerada como ela foi. Começa assim: "Mulher, mulher é Celina, as outras são imitação" -até aí, tudo bem, tudo lindo, mas emenda com "me lava os pés quando chego, e me chama de papai". Alguma mulher recebe seu homem assim? A declaração continua: "duvido que as outras façam o que a Celina me faz, e por causa da Celina de tudo eu serei capaz". Pena que o jornal não tenha áudio -ainda.
Vamos combinar: algum homem, nos últimos tempos, disse a alguma mulher que por ela seria capaz de tudo? É claro que não; elas, que se queixam tanto dos homens, tinham que aprender com Celina, mas pensa que acabou? Não duvide, pois Celina fazia ainda mais, muito mais.
"De manhã me faz a barba, de tarde me dá beijinho, engoma o meu terno branco, e eu saio bonitinho", diz o samba.
E tudo isso, penso eu, sem pedir nada em troca, sem querer que ele assuma seu lado feminino, que ajude a lavar os pratos, sem discutir a relação, tem melhor do que a Celina? É claro que esse homem devia ser muito especial, para ter uma mulher com quem não dividia as despesas -"mulher minha não trabalha fora", ele devia dizer- e que só pensava em uma coisa: fazer feliz o homem que amava, grande Celina.
E vamos agora ao grand finale: "Se eu finjo ficar zangado, ela diz que sou um à toa", e conclui "você pode chegar muito tarde, que lugar de homem é no meio da rua", e aí vem o breque, "Celina".
Uma obra-prima, e penso que foram as tantas comemorações do dia, ou do mês ou do ano, nem sei mais, da Mulher -com maiúscula- que me fizeram lembrar desse samba e fazer uma pequena homenagem aos homens.
Não são as mulheres que têm do que se queixar, mas sim eles; qual a mulher, em 2011, que engoma o terno do marido para ele sair bonitinho? Elas são emancipadas, livres, têm os mesmos direitos que eles, como queriam, e ainda reclamam? Celina não reclamava de nada, e parecia ser bem feliz.
Mas esse homem também devia ser o máximo -e qual homem, em 2011, é assim? Eles hoje chegam em casa cansados, falando da sórdida troca do presidente da Vale, da taxa Selic, se a usina de Belo Monte deve ou não ser construída, se a importação de produtos da China está atrapalhando o comércio do Brasil. Qual a mulher que quer saber dessas coisas? Só Dilma.
Quando ele chegava em casa, Celina, enquanto lavava seus pés, devia ouvir as mais ternas e safadas declarações de amor, e é disso que mulher gosta, aliás, gostava. Se as mulheres aprendessem com Celina, a vida conjugal poderia ser muito mais bela, e isso sem nem falar da heroína nacional, Amelia, que achava bonito não ter o que comer.
Qual, já não se fazem mulheres como antigamente. E nem homens.

GOSTOSA

MÔNICA BERGAMO


ABAIXO OS DECOTES
MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/11

O padre Michelino 

faz campanha contra o uso de roupas inapropriadas ou escandalosas na tradicional igreja Nossa Senhora do Brasil, em SP O padre Michelino Roberto, da igreja Nossa Senhora do Brasil, na avenida Brasil, uma das mais requintadas de São Paulo, está em uma feroz campanha pelos bons modos de seus fiéis. Ele está incomodado com pessoas que vão de bermuda e chinelo às missas, falam ao celular e, nos casamentos, exibem busto e costas em decotes exuberantes.

"Estou, sim, 

numa campanha, tentando formar a consciência dos fiéis para se vestirem bem, de forma adequada a uma cerimônia sagrada. Já me senti constrangido de ver no altar pessoas usando decotes excessivamente ousados", diz ele.

Nos casamentos, 

o negócio "pega pesado", segundo o religioso. "Porque aí entra a ditadura da moda, a ditadura da malhação, em que a pessoa, para valer alguma coisa, tem que ter um corpo vistoso. A gente impôs algumas regras e temos pedido aos noivos que conversem com seus padrinhos e convidados para virem vestidos de forma que respeite a virtude do pudor", diz o padre à repórter Thais Bilenky.

No Vaticano, 

lembra Michelino, seguranças impedem que pessoas vestidas com regatas ou bermudas entrem nos templos. "O brasileiro já é, culturalmente, mais desleixado. Ele vê a igreja como uma extensão da casa dele, cê tá entendendo? Ele tem um tal nível de familiaridade que acaba vindo de uma forma inadequada."

Há alguns dias, 

Michelino estava organizando um evento no Jockey Club de SP e um de seus funcionários foi impedido de entrar no restaurante local porque estava de bermuda. "Caiu a ficha! Eu estava pegando leve na igreja", lembra o padre.

Muitos fiéis têm ido 

às missas de sábado e de domingo de bermuda, chinelo de dedo e camiseta. "Você percebe que o cara depois vai para o clube numa boa." A paróquia fica no Jardim Paulista, perto dos clubes Pinheiros, Paulistano e Harmonia. "Olha, o verão tá chegando. Cuidado com o modo como você vem vestido [à igreja]", repete o pároco durante as celebrações.

O padre 

até convidou a consultora Élide Helzel para escrever no "Guia de Noivos 2011" da paróquia. "Um colo menos descoberto, uma manguinha, um bolero não tiram de forma alguma a graça do modelo e a beleza da noiva e das madrinhas. Ao contrário, vão revesti-las de um certo ar de mistério que até aumenta seu encanto", escreve Élide.

Agora, pede-se 

às mulheres que aderem a cortes mais ousados que se cubram com echarpes.

Para as desprevenidas, 

a igreja reserva um cabide com xales, de todas as cores e tons, para que não falte um que combine com seus vestidos. Gabriela Mendonça, 24, chegou ao casamento de Daniele Fiumari no sábado, 19 de março, usando um tomara que caia azul. Foi interceptada pela cerimonialista Carolina Soares, que a levou à sala de espera dos padrinhos e lhe apresentou ao cabide.

"É chato, né? 

Eu não sabia que precisava [de echarpe]", reclama a madrinha. A prima da noiva, Natália Fiumari, 22, se certifica de que Gabriela achou uma echarpe e tranquiliza sua mãe. "Mas esse padre é um chato. Ele implica com tudo, com o decote, com os ombros, com as costas!", desabafa Natália.

Carolina é filha 

de Bráz Geraldo Soares, 57, cerimonialista da Nossa Senhora do Brasil há 37 anos. Para ele, "a fase mais crítica, graças a Deus, já passou". "Para você ver como estamos melhor, hoje [sábado], foram seis casamentos e só dois casos [de madrinhas que precisaram de echarpes]." Sua filha fica na entrada identificando os vestidos "críticos". "Algumas [mulheres] estão completamente fora do padrão."

Élide, a consultora de noivas, 

afirma que é possível ser "sensual" sem ser "vulgar". "Não sou nenhuma puritana, mas se você está num ambiente religioso, não custa se cobrir um pouco mais." Ela sugere modelos com alças e/ou caudas removíveis, para "a noiva se mostrar mais comportada na igreja do que na festa".

As primeiras reclamações 

partiram de fiéis que relataram seu incômodo aos padres. Lucy Di Cunto, 70, acha um "absurdo": "Vi uma moça com vestido de alça, as costas todas à mostra e o peito de fora. Outra estava de tomara que caia e legging. Não sei o que está acontecendo". Ela frequenta as missas de domingo. "Viajo o mundo e não é assim. O padre está coberto de razão."

Rosemeire Slavim e o marido, 

o nova-iorquino Eoin Slavim, 52, também concordam com o padre Michelino. "É como ele falou outro dia: parece que as pessoas estão indo à praia. Em NY, elas se arrumam para ir à missa", compara Rosemeire.

A fiel Wanda Arroyo Lima, 

84, lembra que "antigamente, o padre da minha cidade [Monte Azul Paulista] mandava quem estava vestido inadequadamente se retirar da igreja. Simplesmente não permitia. A igreja é a casa de Deus".

A paróquia Nossa Senhora do Brasil 

é palco de casamentos famosos, como os do conde Chiquinho Scarpa e Carola Oliveira e o do piloto de F-1 Felipe Massa e Raffaela Bassi. As cerimônias no templo custam, em média, R$ 20 mil, mais R$ 2.500 para reserva da data, feita com antecedência de pelo menos dois anos.

"Quando cheguei 

aqui, há quase quatro anos, me incomodava muito essa imagem comercial que existia da igreja, dos casamentos glamourosos", afirma o padre Michelino Roberto. "Falei: "Um ponto que precisa ser trabalhado é que [aqui] deixe de ser a paróquia casamenteira e passe a ser a paróquia promotora da família".

FERREIRA GULLAR - Em terras de Macunaíma



Em terras de Macunaíma
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/11

Só no Brasil um político de projeção nacional, prefeito de São Paulo, cria um partido por oportunismo 


COMO TODOS sabem, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, eleito pelo DEM, decidiu de uma hora para outra fundar um novo partido que apoiará o governo de Dilma Rousseff, do PT, inimigo figadal dos democratas.
Kassab ganhou expressão na vida política de São Paulo graças a José Serra, do PSDB, o adversário político número 1 do PT. Como se vê, a nova performance do prefeito paulistano, aparentemente, não guarda nenhuma coerência com coisa alguma que o eleitorado pensava que ele fosse.
Não obstante, tudo isso está sendo feito como a coisa mais natural do mundo. Por que ele está deixando seu partido, ninguém sabe, mas o fato de criar um outro partido para si tem explicação: ele, assim, não perderá o mandato que, conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), não pertence ao eleito, mas ao partido.
E você, como eu, perguntará: se o mandato pertence ao partido, Kassab, pela lógica, ao deixá-lo, perderia o mandato, não? Isso é o que você pensa! O mesmo STF, que decidiu que pertencem aos partidos os mandatos de seus integrantes, admite que, se o eleito deixar o partido para fundar outro, não o perde.
Diante disso, Kassab decidiu fundar um novo partido e seu mandato está salvo. Simples assim.
Eu não sou ninguém para questionar uma decisão do STF. Não obstante, data vênia, não consigo calar minha perplexidade: se o mandato é do partido, significa que o eleitor, ao votar em Kassab, o fez por ser ele do DEM, isto é, de determinado partido. Mas, se ao deixar o DEM, para fundar outro partido, levará o mandato consigo, então o mandato é dele, Kassab? Ou levará o que não lhe pertence? Nesse caso, para não dizer que é roubo, digamos que seja apropriação indébita. Mas com o aval do Supremo? Devo estar equivocado, não pode ser considerado roubo o que se faz dentro da lei. Seria, na pior das hipóteses, um roubo legal (nos dois sentidos).
Uma coisa temos que admitir: o Brasil é único no mundo. Só mesmo em terras de Macunaíma, um político de projeção nacional, prefeito da maior cidade do país, resolve criar um partido apenas para aproveitar a brecha que a Justiça lhe oferece, ou seja, por puro oportunismo político. Esperteza feita às claras, como se criar um partido fosse a mesma coisa que trocar de camisa.
E vai ver que é. Eu é que estou fora de moda, sem ter ainda me dado conta de que partido político não tem nada a ver com sonho de como deveria ser a sociedade, mobilização da opinião pública para promover mudanças importantes que venham torná-la melhor e mais justa.
Nada disso. Estou por fora. Não é à toa que, no Brasil, há dezenas de partidos, sem conteúdo ideológico, sem nenhum programa ou projeto que justifique sua existência.
Partido político, hoje em dia, existe apenas para cumprir uma exigência da lei eleitoral. Como a maioria deles não tem eleitores, sobrevive como siglas de aluguel, juntando-se a outros partidos, em coligações que são mais um modo de enganar o eleitor desavisado.
Mas não vamos jogar tudo nas costas do Kassab. O partido que ele pretende fundar tem a mesma sigla -PSD- de um dos partidos que Vargas criou, nos anos 1940, para dar aparência democrática ao Estado Novo; o outro foi o PTB.
Aquele era o partido dos patrões; esse, o dos trabalhadores. As duas classes fundamentais da sociedade estavam neles representadas, harmoniosamente, sem luta de classes, como convinha ao regime.
Os generais de 64 fizeram coisa parecida, criando a Arena, governista, e o MDB, oposicionista. Tudo bem comportado, claro, para não atrapalhar o sonho do Brasil grande. Mas eis que jovens políticos, que sonhavam com uma sociedade melhor, fundaram dois partidos de verdade: o PT, que reunia a esquerda radical, e o PSDB, de linha social-democrata. Essas foram as duas forças que, findo o regime militar, passaram a disputar o poder.
Em 1994, o PSDB chegou à Presidência com FHC e, em 2002, o PT venceu as eleições com Lula, apropriando-se do programa do adversário e imprimindo-lhe um cunho tipicamente populista. Cumpriram seu papel e se esvaziaram. Chegou a vez dos Kassab e companhia.