segunda-feira, agosto 15, 2011

JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR - A agenda do magistrado



A agenda do magistrado
JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR
O GLOBO - 15/08/11 

A poucos anos de encerrar carreira na magistratura, começo a pensar em deixar testemunhos, se é que a alguém possam interessar.O pri- meiro deles é o de que a pauta do juiz é antes uma lista de “não posso” do que uma agenda de “posso”, ou seja, antes dever do que poder. Eis a lista do que o juiz não pode no exercício de suas funções:

 Não pode escolher dia nem hora para resolver os conflitos que lhe são apresentados, porque os conflitos humanos não têm hora nem lugar certo e do juiz a sociedade espera que resolva aqueles que chegam a ele, durante o expediente ou fora de- le, em dia útil, fim de semana ou feriado, sob a forma de liminares, medidas cautelares e tutelas antecipadas;

 Não pode retardar essa so- lução nem apressá-la porque para cada caso haverá uma solução adequada, e o tempo para encontrá-la também va- riará a cada caso;

 Não pode hierarquizar os conflitos aresolver, porque aos envolvidos o conflito sempre parece ser enorme, quase uma questão de vida, morte, sobrevivência ou honra, ou tudo ao mesmo tempo;

 Não pode generalizar o mal, nem descrer do bem porque em cada conflito eles estarão entremeados e se espera que o juiz tenha conhecimento e sabedoria para distingui-los;
 Não pode hierarquizar interesses seja qual for o titular, porque o juiz é juiz de todos, ricos e pobres, humildes e pode- rosos, crianças, jovens e idosos, públicos e privados, individuais e coletivos;

 Não pode imaginar-se superior em im- portância a outros profissionais porque, se éverdade que recebe da sociedade a incumbência de julgar atodos em suas mazelas, também ele, juiz, porta a mesma natureza de todos aqueles a quem julga;

 Não pode supor-se um ser superior em formação, virtude ou inteligência porque, ainda que as tenha em dose generosa, de nada valerão se não colocadas a serviço do ofício de julgar com justiça;

 Não pode postular prerrogativas que não sejam aquelas estritamente necessárias ao exercício de julgar, do qual decorremde- cisões impositivas para as partes (prender ou soltar, mandar pagar ou não pagar, obrigar a fazer ou a não fazer), porque o reco- nhecimento dessa autoridade pela sociedade não advém, propriamente, das prerrogativas do cargo, mas da sabedoria e da discrição com que são exercidas;

 Não pode pretender aufe- rir vantagem que a nenhuma outra profissão é garantida porque, embora a sua fun- ção seja fundamental para a paz social, todas as outras têm um relevante papel so- cial a cumprir;

 Não pode sacrificar asi próprio, à sua família eà sua saúde com jornadas excessivas ou intemperantes porque equilíbrio e ponderação é o míni- mo que se espera do juiz. Diante de tantas restrições, é admirá- vel que ainda exista quem queira ser juiz. O juiz é parte da sociedade e deve ser reconhecido como alguém que diga o Direito e distribua a Justiça não como atributo de uma inexistente superioridade, mas como missão que alguns devem desem- penhar a serviço de todos.

JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio e professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

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