domingo, abril 03, 2011

ELIO GASPARI - O PT quer aprovar a lista sem ter os votos

ELIO GASPARI
O PT quer aprovar a lista sem ter os votos

O GLOBO - 03/04/11

Se deixarem, com apoio de 129 deputados, o comissariado imporá uma reforma eleitoral que demanda 308


O COMISSARIADO PETISTA planeja um golpe regimental para impor ao país um sistema eleitoral pelo qual os cidadãos perderão o direito de votar nominalmente em seus candidatos para a Câmara.
Com o apoio do DEM, o PT conseguiu que a comissão do Senado encarregada de estudar a reforma política recomendasse a instituição do voto de lista. Nele, as direções partidárias enumeram seus candidatos, deixando à patuleia apenas o direito de escolher uma sigla.
O resultado dessa votação quer dizer pouca coisa. O golpe está noutro lugar, escondido.
Imagine-se a seguinte situação: chega-se ao mês de setembro e os plenários da Câmara e do Senado apreciarão as propostas de emendas constitucionais necessárias para que se aprove a reforma.
Uma quer o distritão, outra, o distrital puro e uma terceira sugere um sistema misto. Para ser aprovada, qualquer emenda precisa de três quintos dos votos de cada Casa. Ou seja, o apoio de 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores. Cada emenda vai a voto e nenhuma consegue passar.
Nessa hora aparece um sábio pedindo que se passe à votação dos projetos de lei existentes na Casa. Há um, instituindo o voto de lista. Já foi rebarbado duas vezes, mas não custa apreciá-lo de novo. Como se trata de lei ordinária, não demanda três quintos. Basta a maioria simples. No caso da Câmara, uma reforma política travada pela falta de 308 votos poderá ser aprovada por apenas 129 deputados, numa sessão de frequência mínima. Admitindo-se que o plenário esteja lotado, a mudança passa se tiver 257 votos.
Os defensores da lista querem criar a figura do deputado sem eleitor. Tudo bem, mas devem se submeter aos três quintos exigidos pela Constituição. Senão, trata-se de uma tunga regimental para alavancar outra, cassando o direito dos brasileiros de escolher seus deputados pelo voto nominal e direto.

O SÁBIO ARRAES
Em 2003, durante uma das tentativas fracassadas para se instituir o voto de lista, o deputado Aldo Rebelo foi encarregado de tentar convencer Miguel Arraes de que a mudança moralizaria as disputas eleitorais.
Deu-se o seguinte, na narrativa de Rebelo: "Eu falei durante quase uma hora, e Arraes, que era de poucas palavras, ficou cachimbando. Quando terminei, ele perguntou: "O senhor sabe me dizer quanto vai custar um bom lugar nessa lista?"

CONTA ELEITORAL
O palhaço Tiririca teve 1,3 milhão de votos. Pelo sistema atual, carregou a eleição de três deputados de sua coligação, na qual estava o PT. Colocado na cabeça de uma lista, carregaria os mesmos três deputados.
Criando-se o distritão, ele se elegeria, e só. Pelo sistema distrital puro, dificilmente seria eleito.

POBREZA APARENTE
Corre no andar de cima a seguinte história:
Um bilionário brasileiro que há muitos anos esteve na lista da "Forbes" e passa a maior parte do ano nos Estados Unidos, às vezes é visto nas salas de embarque dos aeroportos de Pindorama.
Septuagenário, o doutor pousa em Montevidéu, estaciona seu avião particular, que tem autonomia até para atravessar o Atlântico, e prossegue, disfarçado de cidadão comum.

COTAS NO SUPREMO
Depois de assistir aos desempenhos racistas dos deputados Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, pelo menos um ministro do Supremo Tribunal Federal sentiu a razão balançar na direção de um voto pela constitucionalidade da política de cotas para afrodescendentes nas universidades.

CENSURA DE "CARAS"
Trinta e dois anos depois de o presidente Ernesto Geisel ter retirado a censura ao jornal "Tribuna da Imprensa", uma publicação brasileira chegou aos seus leitores com tarjas pretas.
A revista "Caras" que está nas bancas tem uma reportagem de 19 páginas sobre as angústias da atriz Cibele Dorsa.
Ela se matou no dia 26, cerca de dois meses depois do suicídio de seu noivo.
Horas antes, enviara uma carta de despedida à família e aos amigos mais próximos, entre eles o jornalista Carlos Alberto Santiago, editor da "Caras".
A revista estava sendo impressa quando um dos ex-companheiros de Cibele, o campeão de hipismo Álvaro "Doda" Miranda, obteve, por intermédio de seu advogado, uma ordem judicial que proibia "Caras" de publicar qualquer referência ao seu nome.
"Doda" e a atriz tiveram uma filha. Como era tecnicamente impossível fazer os cortes, o único recurso foi o uso de tarjas.
Uma, pequena, está na capa da revista. Na reportagem, a tesoura comeu 53 linhas. Foi suprimida a íntegra da carta de despedida de Cibele.
A juíza que concedeu a medida e "Doda" justificaram suas razões. O advogado do cavaleiro, Antonio Carlos Mendes, deu um argumento adicional:
"Como uma pessoa que vai tirar a própria vida pode estar em estado normal para deixar uma carta?"
Não é o caso de se discutir onde termina o direito de expressão dos viventes. Trata-se de perguntar ao doutor o que ele sugere que se faça com a carta-testamento de Getúlio Vargas.
Como era de esperar, a carta censurada de Cibele está na internet.

OBRA SEM PROJETO VIRA BRIGA SEM FIM
A encrenca exposta pela revolta dos peões do PAC vai além da pauta trabalhista. Algumas das grandes obras do comissariado estão contaminadas pelo pecado original da falta de projetos detalhados de engenharia. Elas foram contratadas na lógica do "Pra Frente, Brasil" e a prova disso está num recente pleito da Camargo Corrêa, revelado pelo repórter Mauro Zanatta. A empresa, que lidera o consórcio da hidrelétrica de Jirau, pede R$ 1,2 bilhão adicional por conta de escavações e serviços que não estavam previstos.
Afinal, a usina ficará a 12 km de distância do local planejado, com mais duas turbinas. Para um custo inicial de R$ 9,9 bilhões, a nova cobrança significa aumento de 11%.
Sem projeto, todos os preços e prazos são exercícios de fantasia. Isso vale tanto para uma hidrelétrica na Amazônia como para a reforma de um banheiro. A ponte Rio-Niterói foi licitada nos anos 60 sem que houvesse projeto, o consórcio vencedor acabou enxotado e a obra caiu no colo da Camargo Corrêa.
O trem-bala arrisca ir a leilão sem que haja um estudo confiável da geologia do trecho Rio-São Paulo, mesmo sabendo-se que a ferrovia atravessará 103 quilômetros de túneis (três vezes a extensão escavada sob o canal da Mancha).
Como as grandes empreiteiras adoram administrar conflitos aveludando as cortinas do poder, encenam-se projetos em cima de marquetagens. De vez em quando, a receita desanda. Uma das maiores construtoras do século passado, a Mendes Júnior, quase desapareceu, por conta da proximidade que conseguiu no Planalto, no Banco do Brasil e nos negócios de ambos com o Iraque de Saddam Hussein.

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