domingo, abril 12, 2020

A macroeconomia da pandemia - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 12/04

São comuns cenários com queda da economia de 5% ou mais; o desemprego subirá muito

Esta crise é única. Em razão do risco para a saúde de todos nós, estamos desligando a economia. No mundo todo. Têm sido comuns cenários com queda da economia de 5% ou até mais. O desemprego subirá muito.

Difícil saber o impacto da crise sobre a demanda e a oferta. Para simplificar, suponha uma economia com dois setores, A e B, cada um responsável por metade da produção e do emprego e, portanto, da geração de renda.

Para simplificar ainda mais, suponha que toda a renda seja do trabalho. Não há capital nessa economia hipotética.
Desempregados enfrentam fila em busca de uma oportunidade de trabalho em São Paulo - Danilo Verpa - 17.set.2019/Folhapress

O setor A representa atividades essenciais e que, portanto, serão mantidas ao longo do período de adoção do distanciamento social (DS). O setor B será interrompido.

As pessoas que trabalham no setor B ficarão em casa, e as que trabalham no setor A trabalharão normalmente, mas no resto do tempo ficarão em casa com seus parentes. O DS impede que se consuma o bem produzido no setor B.

Finalmente, suponha que a adoção do DS será por um trimestre. Em seguida, vida normal.

O consumo de todos será reduzido à metade. Para que não haja desequilíbrios na economia, há políticas públicas com vistas a manter a renda de todos. Para tal, será necessária a manutenção dos salários do setor B.

Durante um trimestre, tempo de vigência do DS, haverá queda do produto de 50% ou queda de 12,5% em um ano.

Para mitigar os efeitos depressivos da política de supressão da atividade produtiva, o Tesouro sustenta a renda do setor B. A manutenção de todas as rendas do setor B implicará a elevação da dívida pública no fim de 2020 em 12,5 pontos percentuais (pp) do PIB, ou 14 pp do PIB de 2020, que será 12,5% menor.

Se tudo der certo, teremos o seguinte: os trabalhadores do setor B ficam em casa; os trabalhadores do setor A trabalham normalmente; todos consomem os produtos essenciais do setor A; a parte da renda referente ao consumo do setor B será poupada. No fim de 2020, a dívida pública terá crescido em 12,5 pp do PIB, e os detentores da dívida serão os trabalhadores do setor A e B, que, ao longo do período de supressão da atividade, tiveram seu consumo reduzido em 50% por um trimestre.

No exemplo hipotético que construí, a crise não gerou nem excesso de demanda nem de oferta. A sustentação da renda manteve a demanda normal das atividades essenciais, e a perda de produto foi integralmente socializada na forma de elevação da dívida pública.

Nessas circunstâncias, o Banco Central não deve nem subir nem reduzir a taxa de juros. A política fiscal, ao sustentar a renda, fez todo o serviço. Para o futuro, a carga tributária terá que ser maior, ou o gasto público, menor, para pagar pelo maior endividamento.

Note que não há necessidade de compensação total da perda de renda. Se as rendas dos trabalhadores do setor B forem compensadas em metade da queda da produção, já será suficiente para a manutenção da demanda pelos bens essenciais produzidos pelo setor A. A dívida pública, em vez de aumentar em 12,5 pp do PIB, se elevaria em 6,25 pp.

No mundo real, e para o setor privado, a compensação será certamente menos do que integral. Salários serão reduzidos, e é possível que empresas quebrem. Nesse cenário, não faz sentido que o setor público garanta a integralidade dos salários dos servidores que não trabalham nos setores essenciais.

Chama a atenção o gesto do governador do Rio Grande do Sul, que abriu mão de 30% de seu salário no período de calamidade pública. Essa medida deveria ser estendida a todos os altos salários do funcionalismo público.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

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