O modelo de likes ficou obsoleto; há outras formas de medir popularidade
Levantou poeira na semana passada o experimento do Instagram de ocultar os likes que um conteúdo recebe.
O Brasil está entre os países em que o teste está sendo realizado. Parece coisa pequena, mas o impacto de uma mudança como essa pode ser gigantesco.
A justificativa seria "tornar o Instagram um lugar onde as pessoas sintam-se confortáveis para se expressar", além de "remover a pressão sobre o sucesso de cada post". Esses pontos fazem sentido. Mas a questão é mais profunda.
A organização da internet em likes tem levado a um estado geral de inflamação da rede, que, por sua vez, resvala na sociedade.
Na busca por likes, vale tudo. Por exemplo, surgiu toda uma indústria para vender curtidas artificiais em qualquer rede social. No Instagram, mil likes em uma foto custam hoje por volta de R$ 35. No atacado, 50 mil likes custam cerca de R$ 900.
Em outras palavras, quem tem dinheiro pode artificialmente ser "famoso" na rede. Mesmo celebridades recorrem a esse tipo de recurso, tendo em vista a concorrência acirrada (e a ideia de que "todo o mundo está fazendo, então vou fazer também").
Mais do que isso, grupos políticos que querem dar aparência de "popularidade" a uma determinada ideia também fazem o mesmo: compram likes para artificialmente dar a impressão de que o "povo" está apoiando sua mensagem, criando uma forma perversa de propaganda oculta, que se tornou comum.
A compra de likes não é o único problema. Há estudos científicos que mostram que conteúdos apelativos e mesmo mentirosos geram mais "engajamento" e se espalham mais rápido e amplamente na rede.
Em outras palavras, na busca por likes, acabamos todos incentivados a produzir conteúdo cada vez mais extremo, reforçando um círculo vicioso inflamatório.
É nesse contexto que a medida do Instagram é um bom passo inicial. Mas há também razões comerciais.
O fato é que o modelo de likes para organizar conteúdos na rede ficou velho. Ele teve um impacto explosivo nos anos 2000 e em boa parte desta década. Mas, com o surgimento de ferramentas como inteligência artificial, o modelo do like começa a ficar obsoleto. Há muitas outras formas de medir popularidade e organizar conteúdos que não precisam mais do like.
Outra questão é a desigualdade. Likes são um tipo de capital que se distribui de forma profundamente desbalanceada nas redes sociais. Um pequeno percentual de celebridades acumula volumes gigantescos de engajamento, sobrando pouco para os usuários comuns.
Essa questão distributiva começou a se tornar ruim para o negócio e a abrir flancos para a entrada de concorrentes.
Um exemplo é o aplicativo de vídeos Kwai, surgido na China e que começa a se popularizar em outros países, incluindo o Brasil. Sua promessa é justamente acabar com o desnível entre celebridades e usuários comuns. Essa fórmula tem funcionado tão bem que começa a ser copiada por outras redes sociais.
A obsolescência dos likes é só um sintoma de uma temporada de mudanças mais profundas que irão sacudir o território das redes sociais. Obviamente, com efeitos para toda a sociedade.
READER
Já era Hackear só computadores
Já é Hackear usinas nucleares
Já vem Hackear satélites (dica do The Hack, tks)
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
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