domingo, julho 07, 2019

Bolsonaro traidor - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 07/07

Presidente do Brasil perdeu mais uma disputa no Congresso, dessa vez na comissão que aprovou a reforma da Previdência


O presidente do Brasil perdeu mais uma disputa no Congresso. Dessa vez na comissão que aprovou a reforma da Previdência. Depois de ser chamado de traidor por policiais civis, federais e rodoviários e por agentes penitenciários, Jair Bolsonaro correu para tentar mudar o teor do projeto de modo a garantir proteção a estes também. Era tarde demais. O relator da reforma ignorou o presidente e a comissão retirou da reforma apenas policiais militares e bombeiros, até porque esta fatura cairá na conta dos estados.

Posicionado de forma intransigente com o Congresso, reiterando que não negocia com parlamentares por entender que negociação política é loteamento de cargos, o presidente achou que bastavam dois telefonemas a líderes de partidos aliados e uma postagem em rede social para resolver o problema. Quebrou a cara. Sorte do Brasil. Imaginem do que ele seria capaz se soubesse negociar e tivesse habilidade política.

O apoio ao presidente veio de apenas alguns fiéis e dos partidos de esquerda. PT, PCdoB, PDT, PSOL e Rede votaram a favor de estender um regime complacente também aos policiais. Votaram assim, não por convicção, mas para torpedear o projeto da reforma. E o quadro pitoresco que se viu foi Jandira Feghali defendendo no plenário da comissão o mesmo que Jair Bolsonaro pregava em redes sociais e entrevistas: mais privilégios especiais.

Jair Bolsonaro é um presidente corporativo. Por vezes pensa e age como se governasse apenas para militares. Mesmo assim, alguns oficiais das Forças Armadas também já o veem como um desertor da causa militar. Dado o seu empenho em favor da classe, não seria um bom CEO da “Generais e Cia Ltda”. Em seis meses, comprou briga com metade dos quatro estrelas que colocou no governo, e agora ouve sem reagir o filho Carlos atacar o seu general mais antigo, o ministro Augusto Heleno. Difícil enxergar aonde ele quer chegar. Por vezes parece que trabalha sem tática, sem objetivo. O relator da comissão, Samuel Moreira, disse que a reforma sozinha não basta, cabe agora ao governo apresentar seus projetos.

Se, passada a reforma, o governo afinal apresentar projetos, vai precisar do Congresso para aprová-los. Hoje, Congresso e Palácio estão em campos distintos. Tanto que a reforma que anda não é a de Bolsonaro nem a de Paulo Guedes, é a reforma previdenciária que o Congresso recriou. Depois de mexer duas vezes no comando da articulação política no meio da discussão da reforma, Bolsonaro deu posse na quinta-feira ao general Ramos no comando da Secretaria Geral. Nas palavras das repórteres Bela Megale, Naira Trindade e Jussara Soares, “Ramos terá de construir um bom relacionamento com o Congresso, mas não tão próximo a ponto de gerar desconfiança de Bolsonaro e seu entorno”.

E é exatamente isso, o novo ministro da articulação política vai ter que andar no fio da navalha para não cair. Vai ser obrigado a negociar sem ter protagonismo. Será refém do desmedido ciúmes que os filhos têm do pai, das instruções obtusas do guru de Richmond e da intransigente mania do pai de não fazer concessões a políticos. Será um ministro que pela natureza da sua função terá que prometer muito, mas que em razão das suas amarrações palacianas terá pouco ou quase nada para entregar.

ESPERAVA-SE MAIS

Aqueles que se animaram com a renovação de mais de 50% do Congresso, nas eleições de 2018, já estão começando a sentir saudades do legislativo anterior. Pelo menos havia com quem negociar , pessoas que respeitavam acordos, apesar de boa parte deles ter perdido o mandato como punição do eleitor por suas ações criminosas. Os novatos na Câmara e o no Senado estão perdidos. Com meia dúzia de exceções, a maioria ainda tenta entender melhor como a banda toca. Mas essa é uma questão de tempo. Com mais três ou quatro anos já estarão todos na ponta dos cascos. O problema é que aí vem nova renovação.

SHOW DE BESTEIRAS

Tire dois ou três ministros que funcionam, e com os que sobram fica mais fácil entender o general Santos Cruz. Não se trata apenas do festival permanente de besteira, quem vê o governo de perto ou precisa dele diz que pouca coisa anda. E o que anda, capenga.

TRABALHO INFANTIL

Na sua mais recente bobagem , o presidente Bolsonaro disse que o trabalho infantil não prejudica o desenvolvimento da criança. “Eu trabalhei desde os nove anos. E hoje sou o que sou”. Pois é. Melhor não.

AVE MARIA

A ministra Damares Alves deveria visitar a exposição de Tarsila do Amaral, no Masp. Aliás, duas das maiores artistas brasileiras estão expostas simultaneamente em São Paulo e no Rio. Tarsila, no Masp, e Djanira, na Casa Roberto Marinho. Mas dona Damares deveria ir ao Masp e observar com atenção o óleo Religião Brasileira 1, de 1927. No presépio multiétnico pintado por Tarsila, Maria foi desenhada em azul e Jesus Cristo em rosa.


MDB VIVE

O velho partido não morreu. Ainda caminha com alguma dificuldade, mas respira sem ajuda de aparelhos e já busca nomes para presidente da legenda , que será eleito em outubro. Os candidatos naturais seriam os três governadores da legenda. Mas os estatuto não permite e, mesmo que fosse mudado, o que é comum no partido, Renan Filho e Helder Barbalho não aceitariam a indicação, e Ibaneis Rocha começou mal sua gestão no DF e não emplacaria. O nome mais forte é o da senadora Simone Tebet, do Mato Grosso do Sul.

O LIVRO DE GAROTINHO

O ex-governador Anthony Garotinho disse em dezembro passado que lançaria em março desse ano um livro sobre o governo de Sergio Cabral. Ele tinha até nome, seria “A gangue dos guardanapos e a vingança”. Segundo Garotinho, seu trabalho naquele momento era o de reduzir o tamanho do livro, uma vez que ele já tinha escrito mais de mil páginas. Acho que fatos novos o obrigaram a refazer o texto. Primeiro, porque ele não entregou o livro em março, como prometido, e reduzir é bem mais fácil que escrever . Segundo, porque na semana passada ele pegou um táxi na porta da sua casa e pediu para ser levado à UFRJ. O taxista, que o reconheceu, perguntou o que ele iria fazer na Universidade. Garotinho disse que ia para a biblioteca fazer pesquisas para o seu livro. E, terceiro, porque a esta altura é difícil haver coisa nova sobre Cabral que o mundo inteiro ainda não conheça.

JOSEF STRUMP

A festa promovida pelo presidente Donald Trump para comemorar o 4 de julho lembrou, na forma, os piores momentos do regime soviético. Desfile de tanques e jatos mostra nada , a não ser arrogância. Faltaram os mísseis, claro. Mas o desfile pode ter sido também um novo ensinamento que ele trouxe da sua recente visita ao Kim Jong-un, na Coreia do Norte.

NOSSO RIO

Muito bem, foi regulamentado o uso de patinetes no Rio. As regras são boas e não atrapalham ninguém. Só uma questão não deu para entender. Já que as regras servem para garantir segurança, por que o uso do capacete é opcional? Opcional significa desnecessário. Em São Paulo, seu uso é obrigatório.

JUSTIÇA FEITA?

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou uma adolescente da cidade de Campestre por criticar no Facebook uma mulher que desperdiçava água lavando a calçada com mangueira. A condenada terá que pagar R$ 3 mil à ofendida e se retratar na rede social. Na primeira instância, o juiz Felipe Ceolin Lirio julgou que os posts da adolescente teriam lesado a honra da requerente. O Tribunal concordou com o juiz e negou recurso da acusada. Segundo o desembargador Luciano Pinto, as postagens “extrapolaram o razoável”. A mulher que lava calçadas desperdiçando água ganhou. Duas perguntas ao leitor: 1) Você acha que a justiça foi feita? 2) Denunciar desperdícios publicamente deve ser considerado crime?


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