A reforma tributária pode simplificar o sistema de coleta de impostos, mas não diminuir a carga
Segundo a imprensa, um conjunto de empresários anunciou na semana passada que irá apoiar a criação de um imposto único sobre movimentação financeira, o que permitiria a redução da carga tributária.
Sinto ser portador de más notícias, mas isso não é possível. O governo tem uma série de contas a pagar, como aposentadorias, salários de servidores e muitas outras que não podem ser reduzidas, mesmo com mudanças na legislação.
A carga tributária hoje não é suficiente para pagar essas despesas obrigatórias, e o máximo que o governo pode fazer é propor reformas para reduzir o seu crescimento, como no caso da Previdência. Por isso, a reforma tributária pode simplificar o sistema de coleta de impostos, mas o resultado final não pode implicar queda da arrecadação.
Para agravar, o governo anda sugerindo que irá aumentar as transferências para estados e municípios. Para isso, ao contrário do esperado, terá que aumentar a carga tributária, considerando suas atuais obrigações legais.
Um imposto sobre movimentações financeiras de 2,5%, como proposto, pode parecer pouco, mas é caso de autoengano. A produção de bens inclui diversas etapas, da produção de insumos básicos, como energia ou aço, passando pela compra de máquinas e de peças que, por sua vez, são também o resultado de muitos processos produtivos.
Em cada uma dessas etapas, o pagamento pelos insumos utilizados será onerado por esse novo tributo. Quanto maior o número de transações para a produção de um bem final, maior será o imposto a ser pago.
Esse regime tributário penalizará, sobretudo, a indústria, cuja cadeia produtiva é usualmente bastante longa. Além disso, vai na contramão das regras adotadas pelos demais países e pode induzir o aumento da informalidade.
A boa prática tributária recomenda tributar apenas o valor adicionado em cada etapa produtiva, descontando-se os impostos já pagos quando da aquisição dos insumos utilizados no processo de produção. Dessa forma, evita-se pagar imposto sobre imposto, o que mascara a carga tributária efetivamente paga e leva ao aumento dos preços relativos dos bens mais complexos.
A boa prática também recomenda que os tributos sejam pagos onde os bens e serviços são consumidos e, por essa razão, a maioria dos países não cobra impostos sobre as exportações, tributando, porém, as importações.
Caso o Brasil adote um imposto sobre movimentação financeira, não será possível desonerar as exportações, pois qualquer insumo utilizado direta ou indiretamente estará onerado por tributos pagos para sua produção.
Nem tudo que reluz é ouro. A simplicidade pode custar mais caro do que se imagina.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia
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