sábado, maio 18, 2019

Sob ataque de Bolsonaro, Congresso prepara a sua própria agenda de reformas - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 18/05


ENTREVISTA: Líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA)


Reunido na última quinta-feira com os líderes dos partidos que dão as cartas no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deflagrou uma articulação que deve transferir do Poder Executivo para o Legislativo o protagonismo das reformas econômicas e sociais. "Estamos identificando uma pauta que interessa à sociedade", disse ao blog um dos participantes da reunião, o líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA). "Em meio ao extremismo de um governo que vive de embates nas redes sociais, o Parlamento será a voz da moderação."

Haverá nova reunião na segunda-feira, dessa vez incorporando senadores e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). "A gente precisa blindar a reforma da Previdência, acelerando sua aprovação", declarou o líder do partido de Maia e Alcolumbre. "E vamos entrar numa pauta do Legislativo. Aprovaremos nos próximos dias a proposta de reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara."

Identificado pelo Planalto como uma das principais vozes do chamado centrão, Elmar afirmou que Câmara e Senado passarão a operar buscando o "ponto de equilíbrio". Na sua definição, "equilíbrio é parar de dar atenção a essa maluquice do governo de imaginar que o país pode ser governado nas redes sociais." Os objetivos da articulação inaugurada no Legislativo são: "Destravar a economia, liberar investimentos e criar empregos." Vai abaixo a entrevista com o líder do DEM:



— O relacionamento conturbado entre Executivo e Legislativo começa a prejudicar a economia do país. Como superar esse impasse? 


Eu e outros líderes conversamos com o Rodrigo [Maia, presidente da Câmara] na quinta-feira. Voltaremos a nos reunir na segunda-feira, dessa vez incluindo na conversa, além dos líderes da Câmara, o Davi [Alcolumbre, presidente do Senado] e alguns senadores. Estamos identificando uma pauta que interessa à sociedade. Em meio ao extremismo de um governo que vive de embates nas redes sociais, o Parlamento será a voz da moderação.

— Qual é a pauta que interessa à sociedade? 

A gente precisa blindar a reforma da Previdência, acelerando sua aprovação. E vamos entrar numa pauta do Legislativo, conectada com o interesse da sociedade. Vamos fazer a reforma tributária. Aprovaremos nos próximos dias a proposta de reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Trataremos do pacote anticrime. A coisa caminhou. O ministro Sergio Moro avançou no diálogo com o Alexandre de Moraes [ministro do Supremo que coordenou na Câmara a elaboração de um pacote análogo ao do ministro da Justiça]. Nossa ideia é pegar uns cinco projetos que tramitam na Câmara, outros cinco do Senado. Vamos colocar as duas Casas para funcionar, buscando o ponto de equilíbrio.

— O que significa o ponto de equilíbrio? 

Equilíbrio é parar de dar atenção a essa maluquice do governo de imaginar que o país pode ser governado nas redes sociais. Buscaremos uma agenda capaz de destravar a economia, liberar investimentos e criar empregos. Vivemos um momento muito difícil. A ida do ministro Paulo Guedes [Economia] à Câmara, nesta semana, criou uma atmosfera de alarmismo, com a difusão da imagem de um Brasil no fundo do poço. O desemprego só aumenta. A maior contribuição que a gente pode dar é acelerar o quanto possível, a partir desta semana, a tramitação da reforma da Previdência, além de deflagrar as outras pautas. Precisamos dar aos investidores a segurança de que irão investir num país que não vai quebrar.

— Isso será feito a despeito do governo? 

Vamos fazer o nosso trabalho. Parece que o governo não percebeu que a eleição acabou. Um presidente não pode ficar refém de uma parcela do eleitorado. Nós não podemos deixar que isso aconteça. Vamos dar sempre o tom do equilíbrio. Todas as vezes que vierem absurdos do âmbito de ministérios como o da Educação e das Relações Exteriores, a gente tem que fazer a moderação.

— Diria que vai vigorar no Brasil uma espécie de parlamentarismo branco, com o Congresso ditando o ritmo das reformas à margem do governo? 

Tudo leva a crer que o governo deseja ir para o confronto, para jogar a culpa da paralisia no Congresso. O que nós defendemos é que nossa reação seja o contrário disso: fugir do confronto e estabelecer uma pauta positiva. As pessoas terão a oportunidade de julgar quem efetivamente está querendo construir.

— Permita-me insistir: acha que o país caminha para um semiparlamentarismo?

 Quando o Executivo está forte, ele acaba se sobrepondo aos outros poderes em muitos aspectos. Ao longo do tempo —seja em âmbito municipal, estadual ou federal— o Executivo vem assumindo um protagonismo em áreas que são do Legislativo. Por conta dessa desarticulação do atual governo, o terreno é fértil para que se retome o protagonismo do Legislativo. Nossa Constituição, a despeito de termos um regime presidencialista, é meio parlamentarista. Muita coisa depende do Congresso. O ambiente está propício para que todos esses poderes constitucionais sejam exercidos em sua plenitude. Não estamos extrapolando nenhum milímetro. Estamos apenas resgatando prerrogativas que historicamente vinham sendo negligenciadas.

— Nesta sexta-feira, o presidente Bolsonaro distribuiu em grupos de WhatsApp um texto apócrifo que diz que o Brasil é "ingovernável" fora dos "conchavos" não republicanos. Em nota, ele insinuou que espera o apoio da sociedade para colocar o país nos trilhos. Esse tipo de procedimento funciona? 

Evidentemente, não funciona. Ultimamente, o presidente tem tentado governar por decreto. Acaba de baixar um decreto ampliando o porte de arma no país. Não é possível concordar com essa forma de governar. Temos o Estatuto do Desarmamento. Ele tem trechos que precisam ser modificados. Mas não pode ser via decreto, como se não houvesse Parlamento. Isso mostra que o governo tem um viés fascista. A Constituição prevê que esses temas precisam passar pelo Legislativo justamente para preservar o equilíbrio. Talvez o próprio Judiciário se manifeste antes que o Congresso tenha que deliberar sobre esse decreto.

— O vereador Carlos Bolsonaro, filho Zero Dois do presidente, incluiu o seu nome em postagens nas quais criticou parlamentares que votaram contra o governo na comissão que analisou a medida provisória sobre a reforma dos ministérios. Tratou como inimigos aqueles que, por exemplo, votaram pela retirada do Coaf das mãos de Sergio Moro. O que achou? 

Temos a obrigação de fugir disso. Do contrário, o país vai ficar refém dessa teoria do confronto pelos próximos quatro anos. E não é só contra o Congresso. É contra os militares, contra o Poder Judiciário. Há uma ânsia de viver sob a política do confronto. Temos que ignorar isso completamente.

— Na última terça-feira, o presidente Bolsonaro receberia em audiência o senhor, como líder do DEM, e o deputado Arthur Lira, líder do PP. Por que decidiram não comparecer? 

Há uns dois meses, o presidente Bolsonaro reuniu-se com o presidente da Câmara e vários líderes. Nessa época, o líder do governo, Major Vitor Hugo, muito criticado por sua inexperiência, procurou os demais líderes para organizar encontros individuais com o presidente. Eu disse que convite do presidente é convocação. Passaram-se dois meses. Na terça-feira, fui surpreendido pela minha assessoria. Disseram que meu nome estava na agenda do presidente. Liguei para o Vitor Hugo. Disse a ele que o momento era absolutamente inapropriado. Iríamos conversar com o presidente na semana seguinte à votação na comissão que tratou da medida provisória 870 [que reorganiza os ministérios]. Ir ao Planalto agora, depois de ter votado contra o governo em alguns pontos, pareceria que a gente está querendo barganhar alguma coisa, praticar o toma-lá-dá-cá. Não entendi também porque marcaram uma audiência conjunta com o Arthur Lira. Preferi não comparecer. O Vitor Hugo acabou levando vários líderes de partidos pequenos para conversar com o presidente.

— Por que votou contra a permanência do Coaf na Justiça? 

Essa questão foi colocada como uma causa do bem contra o mal. Não aceito esse maniqueísmo. O Coaf vem funcionando bem, desde que foi criado, sob o ministério da Economia. Em países desenvolvidos, órgãos com as mesmas funções estão nos ministérios econômicos. Nos países da Comunidade Europeia, os órgãos de inteligência financeira, que coíbem a lavagem de dinheiro, comunicam-se entre si sem precisar de nenhum protocolo especial. Isso só é possível porque nesses países eles entendem que, mantidos sob a autoridade financeira, os dados sigilosos armazenados por esses órgãos estão mais protegidos contra eventuais vazamentos.

— O ministro Sergio Moro diz que o rigor contra vazamentos será preservado na pasta da Justiça. Não crê? 

Estive com o ministro Sergio Moro na semana anterior. Perguntei a ele qual seria o argumento técnico para levar o Coaf para o Ministério da Justiça. Ele disse que, ao acumular dois ministérios —Justiça e Segurança Pública—, seu orçamento tinha melhorado. Disse que estava dobrando o número de funcionários.

— O argumento não o sensibilizou? 

Eu falei: ministro, o Ministério da Economia é resultado da fusão de três pastas. E controla o cofre. Pelo seu argumento, o ministro Paulo Guedes também pode reforçar o Coaf. Além disso, não posso tratar a Justiça como um ministério que, subjetivamente, pertence ao Sergio Moro.

— Acha que o ministro pode sair? 

A nossa posição foi reforçada na hora em que o presidente Bolsonaro anunciou que tem a intenção de indicar Sergio Moro para a primeira vaga no Supremo, que vai se abrir em um ano e meio. E se o presidente resolve nomear para o Ministério da Justiça um olavete desses que existem por aí? Estariam os dados sigilosos do Coaf nas mãos de um radical fanático. Achei que é melhor deixar na Economia, com o Paulo Guedes.

— Mas o ministro Paulo Guedes também pode deixar o governo, não?

Não creio nisso. Se Paulo Guedes e a equipe dele saem, desaba tudo, acaba o país. Hoje, há até uma espécie de blindagem da classe política em relação a ele. Achamos que o Coaf está muito mais seguro ali.

— Por que votou a favor da emenda que restringiu a atuação dos auditores da Receita Federal? 

O líder do governo no Senado [Fernando Bezerra] é o relator da medida provisória. Incluiu essa emenda no texto. Se o governo discorda, ele deveria ter sido demitido da função pelo presidente no mesmo dia. Não posso conceber que ele tenha incluído essa questão da Receita no texto sem a aquiescência do governo. O entendimento que ele nos passou era simples: se o próprio Ministério Público ou os delegados federais que presidem o inquérito precisam de autorização judicial para acessar dados sigilosos, porque o fiscal da Receita teria poder superior?

— O problema é que os auditores foram proibidos até mesmo de comunicar eventuais crimes ao Ministério Público. Acha razoável? 

Eles podem comunicar, mas repassar dados sigilosos só com autorização judicial.

— Não receia que isso retarde a investigação de ilícitos? 

Não creio. A autorização judicial pode ser solicitada rapidamente. É apenas uma questão de controle. Se há limitações para procuradores e delegados federais, por que o fiscal da Receita poderia manusear dados e informações não tributárias com maior facilidade?

— Embora os senhores tenham derrotado o governo nas modificações da medida provisória, votaram a favor da recriação dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional. Não teria sido lógico rejeitar isso também? 

O governo deixou transparecer que estava recriando os ministérios para ceder a um apetite fisiológico do Congresso. Por isso o clima conosco é sempre ruim. Eu sou inteiramente contra esse tipo de indicação. Não adianta você ir para um governo que não lhe quer. Do ponto de vista do funcionamento do ministério, o presidente Bolsonaro juntou muita coisa numa única pasta. E os clientes daqueles ministérios, que são os prefeitos e os governadores, não estão conseguindo fazer as coisas andarem. O programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, está totalmente parado. Isso se reflete na geração de emprego. Então, do ponto de vista técnico, a separação é positiva. Nosso papel é aprovar. Depois, o presidente nomeia quem ele quiser.

— Existe algum risco de a MP que reorganizou os ministérios não ser votada até 3 de junho, quando expira seu prazo de validade? 

Quando você tem um governo arrumado politicamente, consegue votar até 30 medidas provisórias num dia. Mas quando o governo está desarrumado, as coisas não avançam. Creio que nós vamos proceder assim: votamos no plenário o texto base, com as modificações feitas na comissão. Aprovamos esse texto, ressalvados os destaques [apresentados por parlamentares governistas para tentar restabelecer o texto original]. Vamos obstruir a votação dos destaques. Ou eles retiram esses destaques ou a MP vai caducar. A responsabilidade será exclusiva do governo. Se eles retirarem os destaques, o texto segue para o Senado. Se insistirem em manter os destaques, a MP vai morrer na Câmara.

— Se forem mantidos esses destaques que visam, por exemplo, manter o Coaf na Justiça e eliminar as restrições impostas auditores fiscais, os senhores têm maioria para obstruir? 

Sim, é só a gente não votar. Anunciaremos a obstrução. E eles não devem reunir 70 votos, 80 votos. A obstrução é um procedimento legítimo no Parlamento.

— O que é, afinal, o centrão? 

O pessoal fala muito em centrão. Para mim, não existe. O que há é uma conjuntura que faz com que a gente vote junto na maior parte das vezes. Tem um bloco que se formou para a eleição do Rodrigo [Maia à presidência da Câmara]. Mas o DEM, nosso partido, ficou na oposição ao PT durante todo o tempo. E não foi por falta de oferecimento de cargos. Se fosse por cargos, o DEM teria ido para o governo.

— O centrão pode não ter existência formal. Na prática, porém, um grupo de partidos conservadores se une à oposição para derrotar o governo na Câmara. O DEM integra esse grupo, não? 

Às vezes, o tema e a realidade impõem que, em determinados assuntos a gente se junte.

— Como essas coisas acontecem? 

Veja o que ocorreu nesta semana. O deputado Orlando Silva [líder do PCdoB] apresentou um requerimento de convocação do ministro da Educação [Abraham Weintraub]. A intenção era ouvir o ministro sobre o orçamento das universidades. O ministro falaria naquele dia, como convidado, numa audiência para três comissões. O Delegado Valdir, líder do PSL, partido do presidente, sugeriu que, em vez de ir às comissões, o ministro poderia falar no plenário da Casa. Ora, se o líder do partido do presidente é a favor, quem poderia ser contra?

— Houve ruído também na votação da medida provisória sobre a reestruturação dos ministérios? 

Antes da votação dessa medida provisória na comissão, o Onyx [Lorenzoni, chefe da Casa Civil] telefonou para o Rodrigo Maia. Disse que o Planalto precisava votar logo a MP. Perguntou se haveria condições de votar em plenário no mesmo dia, logo depois do resultado da comissão. Acho que ele imaginou que iria ganhar. Mas houve quatro ou cinco mudanças na composição da comissão.

— Rodrigo Maia tentou votar a MP no plenário… 

Sim, o Rodrigo pretendia cumprir o que havia combinado com Onyx. Naquele instante, o pessoal do PSL, partido do presidente, questionou Rodrigo. Alegou-se que ele não tinha feito a leitura de medidas provisórias anteriores. Esse tipo de procedimento é usual, porque as MPs trancam a pauta. Questionado, Rodrigo teve de organizar a fila das MPs. Hoje, a MP da reorganização administrativa do governo ocupa o quinto lugar na fila. Se não for votada até 3 de junho, vai caducar.

— Seu partido, o DEM, controla três ministérios: Casa Civil, Agricultura e Saúde. A despeito disso, não integra o bloco governista. Vota sistematicamente contra o governo. Por que isso acontece? 

Somos um partido de centro, com tendência para a direita. Mas não somos da extrema direita. Não dá para entrar num governo com essa agenda maluca que está aí. Na economia, estamos juntos. Mas não posso avalizar essa agenda da Educação, que prioriza a perseguição a universidades por mera discordância. Também não dá para se associar a essa pauta do ministro das Relações Exteriores. Não podemos participar da base congressual de um governo que a gente não sabe aonde quer chegar.

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