sábado, abril 27, 2019

A Petrobras deve ser privatizada? - DÉCIO ODDONE

O GLOBO - 27/04

Os campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declinam por falta de investimentos. Por não termos refinarias suficientes, nos tornamos um exportador de petróleo que importa combustíveis


A recente crise do preço do diesel mostrou o resultado de um modelo que vem fazendo água há tempos: o da concentração no setor de petróleo e gás. E trouxe à tona discussões sobre a privatização da Petrobras, que desde que foi criada se confunde com o setor no Brasil. A exploração e produção de petróleo foi aberta nos 90, quando o monopólio foi extinto, mas, com a descoberta do pré-sal, a empresa voltou a ter privilégios. Nas áreas de refino e gás natural a sua posição dominante jamais foi revisada. A distribuição de combustíveis e de gás de cozinha (GLP) há muito é controlada por poucas empresas, dentre elas subsidiárias da estatal, que é sócia de vinte das distribuidoras de gás natural nos estados. As contradições são visíveis. Enquanto a própria Petrobras defende o aumento da competição, as associações de empresas de distribuição, com o suporte e financiamento das subsidiárias da estatal, defendem a manutenção do modelo vigente.

Embora a Petrobras atue legitimamente para defender os interesses dos seus acionistas, na maior parte privados, para muitos brasileiros ela é do povo e existe para fazer política pública. O setor carece de investimentos, e a regulação reflete o modelo que privilegia a estatal e as suas subsidiárias, beneficiando também os seus poucos competidores privados. Os resultados são conhecidos. Enquanto a Petrobras, afetada pela Lava-Jato e pelo endividamento, vende ativos para reduzir a dívida e concentra recursos no pré-sal, o nível de atividade sofre, e os preços são questionados. O petróleo caminha para a obsolescência, mas ainda não conhecemos o potencial brasileiro, pois grande parte do nosso território segue inexplorada. Os campos maduros da Bacia de Campos e do Nordeste declinam por falta de investimentos. Por não ter refinarias suficientes, nos tornamos um exportador de petróleo que importa combustíveis. Porque há concentração excessiva, e o mercado de gás não se desenvolveu. A Petrobras nunca teve condições de fazer tudo. Agora não quer mais. Porque o setor de petróleo e gás no Brasil é maior que a Petrobras, precisamos de muitas empresas investindo no país.

Quando havia controle de preços de gasolina e diesel, como no governo Dilma, só a Petrobras importava. Quando a Petrobras praticava preços acima dos internacionais, o que ocorreu nos períodos Lula e Temer, apareceram os importadores privados. O prejuízo era da estatal; o lucro de vários. Nesses períodos, os preços dos demais derivados e do gás natural tampouco seguiram as referências internacionais.

Como a estatal detém o monopólio de fato no refino, o debate sobre os preços dos combustíveis contamina o governo. Mas as discussões só abrangem o preço na refinaria, 50% do total no caso do diesel e menos de 40% no da gasolina e do GLP. A distribuição segue dominada por poucas empresas. O ICMS estadual, além de elevado, serve para acelerar a volatilidade no preço e na arrecadação dos estados. A sonegação, a adulteração, a fraude e a lavagem de dinheiro devem ser combatidas. Para modernizar a indústria de petróleo e gás no Brasil e dar um choque de energia barata, como quer o governo, devemos enfrentar todos esses problemas de forma estruturada, adotando medidas para aumentar a competição no refino e na distribuição e para racionalizar o modelo tributário.

Se a Petrobras vender seus campos maduros, a metade do parque de refino e as subsidiárias que operam na distribuição de combustíveis e de GLP, como anunciou, se o mercado de gás for aberto para a competição, como tem sido discutido, e se a ANP estipular regras claras para a divulgação dos preços, estarão dados os passos mais importantes para modernizar o setor. Em pouco tempo teremos substituído um monopólio por uma indústria competitiva e transparente. Os investimentos crescerão. Os preços passarão a ser ditados pela competição e a ser divulgados de forma transparente, tornando sem sentido potenciais intervenções do governo. As discussões sobre a privatização da Petrobras poderão se resumir a uma avaliação desapaixonada sobre a melhor alocação dos recursos da União. A companhia, se essa for a decisão política, poderá ser vendida, em partes para diminuir a concentração, levantando recursos que poderão ter um destino mais nobre que o setor de petróleo, já alvo então de investimentos privados mais elevados que os que a Petrobras sozinha jamais pode fazer.

Décio Oddone é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

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