Juízes aceitam provas “além da dúvida razoável”. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que julga hoje o recurso do ex-presidente Lula contra a condenação pelo juiz Sergio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, absolveu apenas cinco dos 77 condenados na primeira instância de Curitiba em quase quatro anos de Operação Lava-Jato.
O índice de confirmação das sentenças condenatórias da primeira instância em Curitiba na 8ª Turma é de 93,5%. Os desembargadores do TRF-4 aumentaram em 218 anos o tempo de prisão estipulado pelo juiz Sergio Moro desde o início da Operação Lava-Jato, em fevereiro de 2014. Em 11 vezes a pena foi diminuída, numa redução de 73 anos de prisão.
O caso mais notório de absolvição é o do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Nos dois processos em que foi absolvido pelo TRF-4, houve uma divergência na avaliação da prova e da interpretação da lei. O juiz Moro considerou que havia provas que corroboravam os depoimentos de cinco colaboradores.
Vários depoimentos confirmando a corrupção e o envolvimento de João Vaccari, a prova do dinheiro para o diretor da Petrobras e a prova do dinheiro ao partido. O desembargador Leandro Paulsen, que foi quem puxou a divergência ao relatório de João Pedro Gebran Neto favorável à condenação por Moro, considerou que não havia provas que corroborassem as delações, e foi seguido pelo desembargador Victor Laus.
Na prática, é inútil querer tirar ilações de decisões anteriores dos três juízes do TRF-4, pois, como deve ser, cada caso é um caso. Mas há uma definição, que se encontra nas sentenças de casos recentes, que parece nortear suas decisões. O desembargador federal do TRF-4 João Pedro Gebran Neto, relator dos casos da Lava-Jato no tribunal de apelação, disse em palestra em Buenos Aires que “acabou a ingenuidade” nos julgamentos de casos de corrupção, nos quais não se deve esperar uma “prova insofismável” para, eventualmente, condenar um acusado.
Para Gebran, os juízes brasileiros agora consideram suficiente uma “prova acima de dúvida razoável”, desde que seja possível identificar uma “convergência” nos elementos probatórios de determinado processo. Essa é uma tese utilizada cada vez mais no Brasil, que tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, que estabeleceu doutrina segundo a qual toda pessoa é presumida inocente até que sua culpa seja provada “além de dúvida razoável”.
No terceiro julgamento, que dobrou a pena de Vaccari, o desembargador Leandro Paulsen, que votara pela absolvição nos dois processos anteriores, concluiu que “neste, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.
A defesa de Lula bate-se na tese de que não há provas de que o tríplex do Guarujá seja dele, porque não está registrado no seu nome, mas na sentença condenatória o juiz Sergio Moro acusa diretamente: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi beneficiado materialmente por débitos da conta geral de propinas, com a atribuição a ele e à sua esposa, sem o pagamento do preço correspondente, de um apartamento tríplex, e com a realização de custosas reformas no apartamento, às expensas do Grupo OAS”.
“(...) Estima o MPF os valores da vantagem indevida em cerca de R$ 2.424.991, assim discriminada: R$ 1.147.770 correspondentes à diferença entre o valor pago e o preço do apartamento entregue e R$ 1.277.221 em reformas e na aquisição de bens para o apartamento.”
O procurador regional Maurício Gotardo Gerum, representante do Ministério Público Federal no julgamento de hoje, pedirá o aumento da pena, pois considera que houve mais de um crime cometido por Lula. Segundo ele, “o fato de o apartamento não estar formalmente registrado em nome do ex-presidente não quer dizer que a ele não pertença, e a instrução demonstrou que esta foi a forma utilizada para camuflar a real propriedade do bem”.
Para Gerum, está “suficientemente comprovado que a empreiteira OAS reformou e mobiliou, às suas expensas, imóvel pertencente a Luiz Inácio Lula da Silva, tudo dentro do contexto de corrupção existente na Petrobras.” Além da delação do presidente da OAS Léo Pinheiro e de executivos que trabalharam no projeto, há farto material sobre a presença de Lula, dona Marisa e filhos no acompanhamento das obras e, até mesmo, fotos da mudança da família ao fim do mandato presidencial, com parte dos pertences sendo encaminhada para a “praia” e outra para “o sítio”, de Atibaia, que é objeto de outro processo.
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