Se a mitologia petista já tinha começado a ruir com o mensalão, a crise e o impeachment, ainda faltava a desconstrução do mito-mor
A Lava Jato continua trabalhando – mais que nunca, provavelmente. Quem sentiu falta de novas fases da operação nos últimos dias agora sabe que a força-tarefa estava era se preparando para uma das mais importantes ações da investigação sobre o assalto à Petrobras perpetrado para facilitar o projeto de poder petista: a denúncia contra o ex-presidente Lula e mais sete pessoas (incluindo a ex-primeira-dama Marisa Letícia e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto), detalhada nesta quarta-feira em entrevista coletiva realizada em Curitiba.
A ponta solta a que policiais e procuradores se agarraram neste momento está no famoso triplex do Guarujá. Lula teria recebido “benesses” da empreiteira OAS – uma das mais encrencadas no petrolão e cujo ex-presidente Léo Pinheiro também foi denunciado –, somando obras no imóvel e aquisição de eletrodomésticos e móveis, de acordo com o texto do indiciamento feito pela Polícia Federal, em agosto; depois disso, os procuradores do MPF pediram 90 dias para apresentar a denúncia – no caso de Lula, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica –, o que ocorreu nesta quarta-feira. Os valores relativos ao triplex seriam parte de um total de R$ 3,7 milhões em propinas para Lula, referentes a três contratos da OAS com a Petrobras.
Mas a força-tarefa reuniu elementos para ir muito além da questão do triplex na exposição feita em Curitiba. As expressões usadas por Deltan Dallagnol não deixam dúvidas: Lula foi descrito como “o elo comum e necessário do esquema criminoso” que pilhou a Petrobras; “sem o poder de decisão de Lula, o esquema seria impossível”, acrescentou o procurador. O ex-presidente foi, em resumo, o “comandante máximo”, o “verdadeiro maestro”, o “grande general que comandou a realização e a prática dos crimes”. A força-tarefa explicou como o petrolão surgiu na esteira do mensalão, “duas faces de uma mesma moeda”, para garantir o apoio parlamentar a Lula, e a denúncia inclui diversos depoimentos de delatores que apontaram o ex-presidente como líder do esquema de corrupção.
De todos os termos usados, no entanto, talvez nenhum tenha sido tão feliz ao explicar o lulopetismo no poder quanto “propinocracia”, o “governo regido pelas propinas”, o uso indiscriminado de cargos públicos e em empresas estatais com três objetivos: não apenas o enriquecimento ilícito de políticos e outros agentes públicos – prática que antecede em muito o governo Lula e não tem coloração partidária, infelizmente –, mas também (e principalmente) a obtenção da governabilidade e a perpetuação do PT no poder. São os mesmos elementos que, presentes no mensalão, levaram o então ministro do STF Carlos Ayres Britto a falar em “golpe contra a democracia” quando do julgamento dos mentores do esquema, em 2012.
Os procuradores não disseram se chegaram a pedir a prisão de Lula. Por enquanto, ele não é réu – isso depende do acolhimento da denúncia pelo juiz Sergio Moro. Mas o valor simbólico da denúncia, e da enxurrada de elementos apresentados na entrevista coletiva, é incomensurável: eles fazem cair por terra as alegações da “alma mais honesta do país” – que, aliás, já responde, na Justiça do Distrito Federal, a processo por tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Nada de “perseguição política”, como alegam tantos petistas; nada de “tortura” nas delações premiadas, como acusava o deputado petista Wadih Damous – Dallagnol derrubou essa falácia ao mostrar que, das 71 delações, 50 ocorreram com réus soltos. O que houve, sim, foi um trabalho monumental da força-tarefa ao montar o complexo quebra-cabeça exposto na quarta-feira. Se a mitologia petista já tinha começado a ruir com o mensalão, a crise e o impeachment, ainda faltava a desconstrução do mito-mor. Não mais: a Lava Jato está mostrando ao Brasil o verdadeiro Lula.
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