quinta-feira, setembro 15, 2016

Bola em jogo - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 15/09

Depois dos tropeços das últimas semanas, parece que o presidente Michel Temer finalmente começa a pôr a bola em jogo. Mas, a julgar por suas últimas manifestações, o jogo pode ser mais retrancado do que se anunciava


Foi-se o impeachment, foi-se a cassação de Eduardo Cunha e faltam pouco mais de duas semanas para o primeiro turno das eleições municipais. Mais do que na hora, portanto, de o governo entrar em campo, com a real definição de prioridades e articulações necessárias para viabilizá-las. Depois dos tropeços das últimas semanas, parece que o presidente Michel Temer finalmente começa a pôr a bola em jogo. Mas, a julgar por suas últimas manifestações, o jogo pode ser mais retrancado do que se anunciava.

Após o lançamento do novo programa de concessões e privatizações, nesta terça-feira, o que está no foco das prioridades é a briga pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos gastos públicos. Apesar da impaciência de parte dos aliados – especialmente dos tucanos – , dos mercados e de setores empresariais, o envio da reforma da Previdência ao Congresso Nacional ainda não tem data para acontecer. E a reforma trabalhista, com os estragos provocados pela incontinência verbal do ministro da pasta, fica mais distante a cada declaração de Temer: tudo o que ele tem feito, nos últimos dias, é enumerar o que não vai mudar na legislação trabalhista.

O lançamento do programa de concessões, com uma cesta de 34 projetos e RS$ 30 bilhões de dinheiro público, caiu bem, pelo menos em termos de expectativas. Conforme o governo havia prometido aos empresários, o que vai balizar a disputa agora é a garantia de retorno do investimento e não mais a menor tarifa a ser cobrada pelo serviço – compromisso que, para ser honrado, exigia muitas vezes a entrada maciça do BNDES no empreendimento. Mas ainda faltam muitas definições para se avaliar o alcance do programa: há dúvidas, principalmente, se o novo modelo fará com que haja maior participação de recursos privados no financiamento dos projetos.

Vamos, então, para a bola da vez, a PEC do gasto público. Considerada um primeiro passo necessário para a solução para a crise fiscal, a proposta começa a receber algumas críticas. São três os principais questionamentos:

1) O reajuste das despesas da União com base na inflação do ano anterior. Nesse ponto, há ressalvas de dois lados. Uns consideram que limitar gastos em geral, agora, significa mais recessão. Outros, ao contrário, argumentam que utilizar a inflação do ano anterior para calcular a correção, e não a variação do PIB, não garante o aperto desejado, pelo menos nos dois primeiros anos;

2) O prazo de 20 anos para a vigência da PEC. A contestação é que esse prazo é muito longo, porque amarraria os próximos governos, comprometendo, inclusive, a formulação dos chamados Planos Plurianuais de Investimentos;

3) A inclusão de gastos de saúde e educação na regra geral. Embora o Congresso tenha condições de direcionar mais recursos para essas áreas, especialistas consideram irrealista essa possibilidade, simplesmente porque lobbies mais eficientes se sairiam melhor na distribuição de verbas. Como ironiza um especialista, é mais ou menos como se o “representante” de uma fila de pacientes do SUS tivesse de disputar espaço nos gabinetes do Congresso com os lobistas dos servidores do Judiciário.

Que uma limitação a gastos vai sair dessa discussão, não há dúvida. Mas dificilmente será a PEC dos sonhos da equipe econômica. O relator da proposta, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), promete fechar o relatório na semana que vem e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fala em iniciar a votação em outubro.

Henrique Meirelles e Maia bateram forte ontem na “herança maldita” da política econômica de Dilma. E usaram como exemplo os Estados do Norte e Nordeste, cujos governadores ameaçaram decretar calamidade pública na semana que vem, caso não recebam ajuda de R$ 7 bilhões. Mas eles sabem que, se problemas como esse dos Estados põem às claras o custo do descontrole fiscal do passado, significam também mais pedras no caminho do ajuste futuro.

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