O ESTADÃO - 29/06
Ao assumir a Presidência da República, o legado que chega às mãos de Michel Temer se assemelha ao de uma família cuja herança é constituída de dívidas. Os principais passivos que desenham as “condições iniciais” do novo governo estão expressos na evolução exponencial da dívida pública e na forte queda do PIB, configurando uma fase cíclica de forte recessão, na qual o desemprego ultrapassa 10% da população economicamente ativa. A economia está envolta numa inflação que, ao longo dos anos, de forma contínua e ampla, extrapolou a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional. Como síntese, uma queda nominal e real da renda per capita, expressão inequívoca de regresso econômico, o que tem como pano de fundo o “assalto” à Petrobrás, cuja interação com os demais setores tem forte impacto na cadeia produtiva.
Apesar da limitação de tempo, o novo presidente tem a seu favor a recuperação da governabilidade, em razão de sua reconhecida competência, larga experiência e a capacidade de, ao negociar, eliminar fricções existentes entre Executivo e Legislativo. Com um Executivo com propostas claras, sem escamotear a verdade sobre os tempos duros que ainda estão por vir, será possível alcançar no Congresso Nacional a maioria necessária para a aprovação das propostas. A prioridade principal será a de conter a trajetória ruinosa do endividamento público, capaz de permitir uma rolagem suave, ao manter em nível prudente a razão dívida/PIB. Antes será necessário aprimorar um programa de ação para enfrentar o déficit de mais de R$ 170 bilhões previsto para este ano, sem contar os juros que pesam sobre a dívida pública.
Estão, ainda, no horizonte das prioridades: a desvinculação das receitas orçamentárias, a flexibilidade nas relações capital/trabalho, o abandono do salário mínimo como indexador de gastos de cunho social e a indispensável Reforma da Previdência. Além de passar “pente fino” nos custos gigantescos da administração federal. Os cortes possíveis serão de caráter marginal, diante da dimensão do endividamento público, mas assinalarão, ante a opinião pública, uma gestão mais austera e eficaz dos gastos.
Muitas das propostas terão de ser tratadas fora do Congresso com grupos das centrais sindicais, com os quais é de prever negociações difíceis e demoradas. Particularmente em relação à reforma da Previdência, cuja pedra de toque é o aumento da idade mínima para a aposentadoria, providência absolutamente necessária ante o envelhecimento da população.
Em face da evidente limitação de recursos financeiros para animar a atividade econômica e recuperar o nível de emprego, será preciso gerar um ambiente de confiança para os investimentos. O primeiro passo será o de garantir aos investidores segurança jurídica, que afaste das decisões qualquer viés ideológico.
Sem prejuízo de uma cautelosa avaliação para concluir as obras de infraestrutura em curso, será necessário rever o regime das concessões, sem a imposição apriorística da taxa de retorno no edital e sem a restrição do “conteúdo mínimo nacional”. Como inovação, na busca da eficiência seria importante que os consórcios construtores fossem objeto de uma audiência externa de caráter técnico-jurídico, capaz de resolver conflitos, certificando-se, inclusive, a justeza dos aditivos não raro acrescidos ao contrato original.
Com um programa de investimentos em infraestrutura física e humana na educação e saúde será possível recuperar o nível de emprego e renda.
Por último, nesta fase de transição da vida do País, seria conveniente que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário fizessem uma profunda reflexão sobre as distorções do sistema político decorrentes do “presidencialismo de coalizão”, difícil de se sustentar em face do excessivo número de partidos, usados em barganha do preenchimento de cargos e funções. Em outras palavras: para as reformas que se afiguram necessárias, a preliminar seria levar a cabo cuidadosa análise da complexa organização política.
*É presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
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