Estado de S. Paulo 27/12
A aprovação, pelo Congresso, do projeto que regulariza recursos considerados de origem lícita depositados por brasileiros no exterior, mas não declarados à Receita Federal, causa espanto aos contribuintes cumpridores de seus deveres fiscais não apenas pelo discutível conteúdo da decisão, mas sobretudo pelos métodos e artimanhas empregados pelos parlamentares para a sua aprovação. Por causa da pressa do governo na aprovação da medida, com a qual espera arrecadar R$ 21 bilhões em 2016 – embora nada assegure que isso possa ocorrer –, o Senado passou por cima da ética e atropelou sua respeitabilidade, acolhendo emendas claramente imorais anteriormente aprovadas pela Câmara e deixando para a presidente Dilma Rousseff a tarefa de vetá-las, se ela entender necessário fazê-lo.
O projeto anistia responsáveis por diversos crimes fiscais e de outra natureza que aceitem pagar Imposto de Renda mais multa, ambos com alíquota de 15%, sobre valores que mantêm no exterior, mas haviam omitido nas suas declarações anuais de bens e rendimentos à Receita Federal. No projeto original enviado pelo governo ao Congresso, entre os delitos dos quais os declarantes seriam anistiados estavam crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, sonegação de contribuição previdenciária, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. À lista, a Câmara dos Deputados acrescentou os de descaminho, uso de documento falso, associação criminosa e contabilidade paralela.
Uma das emendas ao texto original aprovada pelos deputados estabelece que serão excluídos dos benefícios do programa de regularização de recursos depositados no exterior somente os “sujeitos que tiverem sido condenados em ação penal com decisão transitada em julgado”. Ou seja, um sujeito – para utilizar a expressão empregada no projeto – que já tenha sido investigado pela polícia, acusado pelo Ministério Público e condenado em várias instâncias da Justiça pelos crimes relacionados no projeto poderá se beneficiar das medidas ali previstas desde que, por meio de recursos legítimos ou de chicanas, consiga retardar a publicação da sentença condenatória definitiva.
Outra emenda incluída pela Câmara no projeto – que ficou conhecido como de repatriação de recursos – estabelece que a declaração de regularização feita pelo interessado não poderá ser, “por qualquer modo, utilizada como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal”. Em outras palavras, em determinadas circunstâncias, a eventual confissão de prática de delito pelo contribuinte que aderir ao programa não poderá ser utilizada contra ele.
Para não alterar o texto aprovado pela Câmara, retirando dele excessos como os citados acima – o que implicaria nova discussão e votação pelos deputados, o que retardaria sua aprovação, contrariando o interesse do governo –, o relator do projeto no Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), utilizou uma manobra regimental. Por meio de emendas de redação, que não alteram o mérito do texto, Pinheiro destacou os pontos que, a seu ver, devem ser vetados pela presidente da República.
Desmoralizado, tanto quando o Executivo, por lideranças envolvidas em atos delituosos investigados no âmbito da Operação Lava Jato, o Legislativo perde mais uma fatia do que lhe resta de credibilidade junto à sociedade.
Destaque-se que, durante a tramitação do projeto de repatriação de recursos na Câmara, foi rejeitada, por 351 votos a 48, a inclusão, entre os beneficiários da anistia que está sendo instituída, de políticos, funcionários públicos e seus parentes até segundo grau. Se aprovada, a medida atenderia aos interesses do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – que não deu explicações convincentes sobre o dinheiro que ele e familiares mantêm no exterior –, embora a vinculação dos problemas do parlamentar fluminense com a proposição da medida tenha sido desmentida vigorosamente. Pelo menos desse ato que o desmoralizaria ainda mais o Congresso se livrou.
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