domingo, outubro 04, 2015

Moro e a Lava-Jato - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 04/10

Merece considerações a decisão do Supremo Tribunal Federal(STF), por maioria, que fixou competências para julgamento de ações anticorrupção propostas pelo Ministério Público. Em primeiro lugar, cabe mencionar a metodologia para chegar à Justiça Federal, cuja competência é ratione personae (em razão do bem jurídico tutelado relacionar-se com o patrimônio, autoridade, competência ou interesse da União Federal). Se, por exemplo, alguém pratica crime em desfavor de Minas, o Judiciário competente é o estadual. Se o mesmo ato for contra a União, quem apura é a Polícia Federal. Quem denuncia é o Ministério Público Federal. Quem julga é a Justiça Federal. Havendo foro privilegiado ou por prerrogativa de função, como ultimamente se diz, quem julga é o STF.

Elencar os crimes da competência da Justiça Federal implica, todavia, fixar critérios para dividir, digamos assim, o terreiro de cada juiz federal, pois a jurisdição deles não é universal. As varas criminais estão fixadas na federação, do Oiapoque ao Chuí, e obedecem a critérios territoriais. Em princípio, portanto, a jurisdição está limitada territorialmente, mas quando um crime se estende para lá do território, a conexão com o delito-base nele praticado, envolvendo pessoas residentes em lugares diversos, atrai para a vara que apura o crime a competência do juiz do lugar. É o caso do petrolão, mas não de todos os casos de corrupção. No Ministério do Planejamento, verbi gratia, a competência é de um juiz federal de Brasília. (O acúmulo acabaria por determinar o gigantismo da tarefa do juiz Moro, a trabalhar como um mouro, quase soterrado por dezenas de réus de todo o Brasil, num trabalho insano).

Isso posto, a decisão do STF, de cunho técnico, apenas determinou que os casos de corrupção que não estejam ligados ao petrolão, por exemplo, os do eletrolão e suas obras, em início, o da Nuclebrás, o do Ministério do Planejamento (sede em Brasília), o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o dos fundos de pensão que nem começaram, observem as regras de competência processuais fixadas nas leis vigentes.

Parte majoritária da imprensa e da opinião pública - como se vê nas redes sociais - viram na decisão do STF, vero golpe para nulificar os esforços do juiz Moro, eleito hoje herói nacional, duro e intimorato algoz do governo que nos governa há 13 anos. Há aí exagero e desinformação, embora entenda perfeitamente o sentimento da nação. Com efeito, estamos tão cansados da impunidade e das pizzas em que se transformaram as ações contra os poderosos que nos sentimos desconfiados, como se o tal desmembramento fosse um golpe no justiceiro juiz da vara paranaense. Daí merecer nosso respeito o voto e a opinião do ministro Gilmar Mendes, temeroso de manobras palacianas.

Prefiro não comungar o voto de desconfiança nos outros juízes criminais da Justiça Federal. Juízes federais de todo o país aprovaram, em 25 de setembro, a Carta de Florianópolis, que reflete as principais conclusões do 4º Fórum Nacional dos Juízes Federais Criminais (Fonacrim), divulgada apenas dois dias depois da decisão do STF. Quatrocentos operadores jurídicos estiveram presentes; 170 eram juízes federais. Não é só um Moro... São 170 Moros.

O documento, ademais, apoia a PEC nº 15/11 do Senado e o projeto da Associação dos Juízes Federais para prender o réu que responde solto, após a condenação em 2ª instância ou pelo júri popular, em nada ofensivo ao princípio da presunção de inocência (os advogados criminalistas só admitem que a presunção desapareça com o trânsito em julgado da decisão condenatória penal, favorecendo o réu). Nem nos EUA isso ocorre.

Em Nova York, o procurador Deltan Dallagnol disse que a decisão "foi uma derrota". Discordo. Ele é que praticou uma barretada. Quer ser o dono de todas as investigações sobre corrupção no Brasil. Como diziam os romanos "vanitas vanitatis" (tudo é vaidade). Nem deveria se referir assim, no estrangeiro, à Corte Suprema do Brasil. Merece repreensão.

Por último, no STF, o juiz Teori cuidará apenas dos réus com foro privilegiado ligados ao petrolão. Outros ministros serão sorteados para os outros focos de corrupção. Nada mais lógico. A questão probatória se resolve processualmente, embora nessa área as provas se entrelacem nos diversos processos. É que os corruptos e corruptores se entrecruzam no petrolão, no Ministério do planejamento, nas obras de engenharia do Ministério de Minas e Energia, e assim por diante. Aqui, assiste razão àqueles que acham acertado cumular tudo em cima do juiz Moro. A coleta e a organização das provas serão dificultadas. Contudo, essas dificuldades podem ser superadas pela troca de informações. São os ossos de ofício para julgar com justiça e isenção, sem correr da lei.


*Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e da UFRJ

Um comentário:

Anônimo disse...

OS ADVOGADOS SEMPRE TEM UMA BOA TESE PARA EXPLICAR O INEXPLICAVEL! PARABENS! MAS NÃO COLA!

LUIS EDUARDO