segunda-feira, agosto 31, 2015

Antes que se arrebente - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 31/08
SÃO PAULO - Há gente experta na política a vaticinar que o Brasil só escapará da encalacrada atual depois de esborrachar-se no muro. Não bastaria antever a aproximação do armagedom para mudar de rota. Seria preciso experimentá-lo.

Souvarine, o sabotador anarquista do "Germinal" de Zola, era um esteta do gênero: "Ateiem fogo aos quatro cantos das cidades, ceifem os povos, arrasem tudo e, quando nada mais sobrar deste mundo podre, talvez surja dele um melhor", dizia e praticava. A proclamação chega a ser esplêndida na literatura. Quando acontece na vida vivida, é apenas desgraça.

É para a desgraça certa que se desenrolam os acontecimentos da política brasileira. Estivesse a crise resumida a quizilas de poder, não haveria razão para desespero, mas ela arrasta para o fogo a segurança material de 200 milhões de almas.

O problema é como restaurar a responsabilidade dos atores políticos no momento em que o príncipe do nosso sistema, o presidente da República, reduziu-se a figura simbólica. A saída mais rápida seria repactuar forças em torno de Dilma Rousseff, o que no entanto tem sido dificultado pela inapetência da presidente e pela sua proximidade dos vetores desagregadores representados por Lula e pelo PT.

Não será possível salvar o governo Dilma, o ex-presidente Lula e o PT. Se a presidente continuar conectada ao seu mentor e ao seu partido, ninguém mais chegará perto dela para negociar saídas. O isolamento ficará tão intenso que a renúncia se tornará um recurso de misericórdia.

Outra opção seria organizar em torno de Michel Temer um governo de fato, fundado na partilha de responsabilidade com grupos dominantes no Congresso. A substância do acordo teria de conter reformas dolorosas nas despesas e nas receitas do Estado, além da "despetização" do Executivo. A um pacto forte assim, Dilma seria obrigada a submeter-se ou cair fora.

quarta-feira, agosto 26, 2015

A ignorância é uma dádiva - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 26/08


A presidente Dilma Rousseff escolheu mais uma vez recolher-se ao conforto que a supina ignorância dos fatos proporciona a quem a alega para justificar por que não tomou as medidas necessárias para evitar que o País se esboroasse. Em entrevista a três jornais na última segunda-feira, convocada às pressas para tentar explicar uma reforma administrativa confusa e oportunista, Dilma quis convencer os leitores de que “não dava para saber” no ano passado o tamanho da crise econômica. Ao dizer isso, ela torna a apostar que todos os brasileiros são mais alienados da realidade do que ela.

De tão recorrente, a estratégia de Dilma de dizer que “não sabia” se tornou o bordão de seu governo. O caso da Petrobrás é exemplar. Embora na última década ela tenha ocupado cargos que lhe davam poder suficiente para saber o que se passava em cada sala dos escritórios da principal estatal brasileira – foi ministra de Minas e Energia, presidiu o Conselho de Administração da Petrobrás e chefiou a Casa Civil, além de ter se tornado presidente da República com fama de especialista em energia, durona e centralizadora –, Dilma alegou, candidamente, que desconhecia o processo de destruição da empresa, que envolvia a corrupção de vários de seus principais executivos e bilhões de reais desviados. “Eu não tinha a menor ideia de que isso acontecia na Petrobrás”, declarou ela ao Estado em setembro de 2014.

Agora, mantendo esse padrão, Dilma declara que não sabia do envolvimento de petistas no escândalo do petrolão. “Eu não imaginava. Fui surpreendida. Lamento profundamente”, disse a presidente na mais recente entrevista, emulando seu criador, o ex-presidente Lula, que, na eclosão do escândalo do mensalão, deu essa inesquecível declaração aos brasileiros: “Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o País”.

Mas Dilma admite ser ignorante não apenas em relação à corrupção que carcome seu governo à vista de todos. Para espanto geral, a “gerentona” petista disse, a respeito da crise econômica, que errou ao ter “demorado tanto para perceber que a situação poderia ser mais grave do que imaginávamos”. E ainda tentou dividir com seus governados o fardo de sua ignorância, ao dizer que “ninguém imaginava isso”.

Ora, os dados a respeito da degradação da economia, fruto das políticas irresponsáveis de uma presidente que atropelou, uma a uma, todas as regras da boa administração, estavam disponíveis para quem estivesse disposto a vê-los. Já em meados do ano passado, a arrecadação federal apresentava queda, e as contas do governo sobreviviam com Refis e pedaladas. A crise que Dilma só agora admite ver não começou ontem.

Mas Dilma tinha uma eleição a ganhar e, conforme suas próprias palavras, ela se sentiu autorizada a fazer “o diabo” contra seus adversários, atribuindo-lhes a intenção de tomar medidas de austeridade que ela mesma agora é obrigada a adotar. Não se pense, contudo, que a petista se emendou.

Todas as decisões que tomou para contornar a crise são meros truques para tentar engambelar a plateia. O ajuste fiscal, que já era tímido, foi escalpelado no Congresso graças à desastrada condução política de Dilma. E agora a presidente diz que aceita cortar Ministérios – medida que, durante a campanha eleitoral, ela classificou de “lorota”.

Como de hábito, Dilma não sabe quais pastas serão suprimidas, mas calcula que serão fechados cerca de mil dos 22,5 mil cargos comissionados. Isso dá apenas 5% do total – uma taxa de desemprego de apaniguados bem menor do que a enfrentada pelos brasileiros em geral, que caminha para os dois dígitos.

Diante de tudo isso, não há razão para crer que, embora finalmente tenha se dado conta dos imensos problemas do País, Dilma tenha decidido fazer o básico para resolvê-los. Ao contrário: com suas decisões erráticas, motivadas pela desesperada necessidade de se manter no poder, a presidente tende a perenizá-los.

terça-feira, agosto 25, 2015

Pixuleco 171, o herói inflável - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Lula ficou revoltado com Pixuleco, um boneco inflável de 12 metros de altura que apareceu em Brasília nas manifestações do dia 16. Pixuleco é uma caricatura de Lula com roupa de presidiário e a inscrição "13-171" (leia mais em Personagem da Semana). A sátira motivou uma nota oficial do Instituto Lula, afirmando que o ex-presidente nunca fez nada de errado e só foi preso na ditadura militar por defender as liberdades. Nunca antes um ex-presidente da República polemizou com um boneco inflável - que veio desinflar o mito de Lula. E, quando isso se consumar, acabará a bateria da marionete que governa o Brasil.

Lula está indignado, porque a indignação é seu disfarce perfeito. Um dia ele já se indignou de verdade, mas, quando notou que o figurino do injustiçado chorão lhe dava poderes mágicos, não vestiu mais outra roupa. Lula manda no Brasil há 12 anos e continua se queixando da opressão - fórmula perfeita para eleger uma oprimida profissional, que luta dia e noite contra uma ditadura encerrada 30 anos atrás.

Hoje, há quem diga que essa ditadura foi profética ao prender Lula: atirou no que via e acertou no que ainda não existia. É evidentemente uma piada. O autoritarismo militar não tem graça, e Lula não estava destinado a ser o Pixuleco 171.

Quem lhe reservou esse destino, quase sem querer, foi ele mesmo.

Lula não se enrolou por banditismo. Se enrolou por mediocridade. Foi muito pobre e, ao se aproximar do poder, mais forte do que o impulso de combater a pobreza foi o instinto de se vingar dela. Vingança pessoal, bem entendido. Não resistiu aos convites do poder como status, como ascensão social. Quem conviveu com ele nos primeiros anos de palácio se impressionou com os charutos, os vinhos caros e demais símbolos de riqueza. Um ex-operário fascinado pela opulência dos magnatas. Isso não costuma dar certo. Não para um político.

Luiz Inácio da Silva é um cara simpático, engraçado. Não tem o olhar demoníaco de um Collor, que exala prepotência e crueldade. Mas, assim como a imensa maioria dos companheiros petistas, tem uma noção visceral de sua mediocridade. Os companheiros morrem de medo de sua própria covardia. Daí o desespero com que se agarram às tetas do Estado, com a forte desconfiança de que não serão capazes de mamar em outra freguesia. Talvez até alguns fossem capazes - Lula muito mais do que Dilma, por exemplo mas eles mesmos não acreditam. E não pagam para ver. Ou melhor: pagam para não ver.

E pagam bem. A República do Pixuleco é possivelmente um dos mais formidáveis sistemas de corrupção da civilização moderna - se é que se pode chamar isso de civilização. Um sistema montado sobre um trunfo infalível em sociedades infantilizadas e sentimentaloides: a chantagem emocional. Lula da Silva chora, e os corações derretidos ficam cegos para tudo - inclusive para o saque a seus próprios bolsos. O Brasil está sendo roubado de forma obscena há 12 anos pelos coitados, e não se sabe mais quantos exemplares de Joaquim Barbosa e Sergio Moro serão necessários para o país enxotar o governo criminoso.

A Lava Jato já evidenciou: as campanhas presidenciais de Lula e Dilma foram abastecidas com dinheiro roubado da Petrobras. Enquanto Lula batia boca com o boneco inflável, explodia a confissão de Nestor Cerveró sobre o uso de propina do navio-sonda Vitória 10 000 para a campanha de Lula em 2006. O próprio Instituto Lula que foi visto polemizando com o Pixuleco é uma central de arrecadação de cachês milionários do ex-presidente, oficialmente para palestras pagas por grandes empreiteiras - as mesmas que ganham obras no exterior graças ao lobby do palestrante.

Não é que o impeachment de Dilma seja uma saída legítima - ele é a única saída legítima, se os brasileiros ainda quiserem salvar suas instituições da pilhagem desenfreada. A legalidade no país leva todo dia um tapa na cara das trampolinagens companheiras sucessivamente reveladas e expostas, escatologicamente, à luz do sol. Dilma é a representante oficial da pilhagem - e só os covardes duvidam disso.

Se o Brasil tiver vergonha na cara, cercará o Congresso Nacional e o "encorajará" a fazer o que tem de ser feito. Se ficar em casa chupando o dedo, talvez o país tenha de ser libertado por um boneco inflável.

Guilherme Fiuza é jornalista.

O Brasil e a onda chinesa - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 25/08

Ruim para a China, ruim para o Brasil, uma economia dependente em excesso da prosperidade chinesa. Mais uma vez a bolsa brasileira foi abalada pela turbulência no mercado chinês. O choque espalhou-se por todos os continentes, em mais uma segunda-feira negra. Esta expressão foi usada pelo Diário do Povo, de Pequim, ao noticiar a queda de 8,49%, a maior desde 2007, do Índice Xangai Composto. Uma queda de 8,48% havia ocorrido em 27 de julho, também uma segunda-feira. Enquanto especialistas, em todo o mundo, discutem a situação da China e especulam sobre a gravidade real da crise, pelo menos uma certeza já é possível: países emergentes e em desenvolvimento, exportadores principalmente de commodities – produtos básicos e semimanufaturados –, são os principais perdedores.

Ninguém pode dizer com segurança, hoje, se a economia da China se acomodará num crescimento próximo de 6%, num patamar um pouco inferior ou mesmo se afundará numa crise mais grave, hipótese por enquanto muito improvável. Mas o Brasil e outros fornecedores de commodities para o mercado chinês já foram afetados pela baixa das cotações internacionais.

Esse movimento acompanhou a desaceleração do crescimento da China, com efeitos mais sensíveis na receita cambial desses países de um ano para cá. Para ficar só no desempenho do agronegócio: nos 12 meses até julho, a receita de exportação do setor, US$ 99,81 bilhões, foi 9,4% menor que a do período imediatamente anterior principalmente por causa da redução dos preços. Nesse intervalo, a cotação da soja em grãos caiu 21,2%; a de farelo de soja, 18,6%; a de óleo de soja, 16,3%; a de açúcar, 10,5%; a de papel e celulose, 8,7%; e as de carnes, 5,2% Os preços do minério também caíram. A queda dos preços médios foi a causa principal da redução de 21,7% da receita proporcionada pelas vendas de básicos e de 5,9% da obtida com a exportação de semimanufaturados, na comparação dos números de janeiro a julho deste ano com os de igual período do ano passado. Outros fatores também contribuíram para a baixa das cotações, mas a desaceleração chinesa foi com certeza um dos mais importantes, talvez mesmo o mais importante.

Todos os países muito dependentes da venda de minérios e de produtos agrícolas foram prejudicados pela mudança das condições do mercado e, de modo especial, pelo menor dinamismo da economia chinesa. As vendas do Brasil para a China ficaram em US$ 22,68 bilhões de janeiro a junho deste ano. Esse valor foi 19,4% menor que o dos mesmos meses de 2014.

A composição das vendas para o mercado chinês é esclarecedora. No ano passado, o Brasil faturou US$ 40,62 bilhões no comércio com a China e os produtos básicos proporcionaram 84,42% desse valor. Somando-se a isso a receita dos semimanufaturados, as vendas de commodities garantiram 95,92% do valor exportado. Sobraram, portanto, apenas 4,08% da conta de manufaturados: apenas US$ 1,62 bilhão.

Neste ano, o padrão se repete, mas com um volume de comércio menor. De janeiro a julho, as vendas de básicos corresponderam a 85,11% da receita e a de commodities (incluídos os semimanufaturados), a 96,69% do total faturado.

Pelo menos um analista estrangeiro, o economista Oleg Melentyev, do Deutsche Bank, chamou a atenção, na segunda-feira, para o problema dos emergentes afetados pela desaceleração chinesa e pela depreciação das commodities.

Governantes mais atentos perceberam a urgência de mudanças na composição das exportações e, de modo especial, na relação de dependência com a China. O governo brasileiro, no entanto, continua dando prioridade, oficialmente, ao chamado comércio Sul-Sul e dando pouca importância, na prática, aos problemas de produtividade e de competitividade da indústria.

A presidente Dilma Rousseff, tudo indica, permanece fiel às escolhas da diplomacia petista, incluída a relação semicolonial com a China.

sábado, agosto 22, 2015

Rasgando (o nosso) dinheiro - ARMINIO FRAGA / MARCELO TRINDADE

O GLOBO - 22/08

PT tem ojeriza à privatização — mais à palavra que ao conceito, diga-se. Prefere-se doar parte do patrimônio nacional ao mercado a dar o braço a torcer

O presidente do Conselho da Petrobras votou contra a abertura de capital da BR Distribuidora, por ponderáveis razões: ainda “há passos a cumprir”, disse ele; antes de abrir o capital a companhia deveria “contratar profissionais com experiência em varejo altamente qualificados”, que preparariam “um plano de negócios e gestão para a BR”. Foi acompanhado pelo conselheiro representante dos empregados, que destacou as dificuldades da economia neste momento, a recomendar o adiamento da venda de parte de um ativo tão relevante e valioso.

É alvissareiro que a passividade dos ministros de Estado que outrora presidiam o conselho de nossa mais importante sociedade de economia mista tenha sido substituída pelo voto atento e arguto de um reputado profissional de mercado e de um representante dos empregados. Mas isto não basta.

Abrir o capital de uma companhia no Brasil e vender parte das ações, neste momento de cotações depreciadas, é uma decisão que somente se justificaria por condições muito peculiares. Basta ver que praticamente nenhuma companhia privada brasileira está se movendo nessa direção. Somente a União Federal deseja fazê-lo, e com alguns de seus ativos mais preciosos.

A condição peculiar alegada para a pressa é a necessidade de recursos. Essa é, realmente, uma razão muitas vezes presente em decisões desse tipo. Dívidas vencendo, estouro de limites de endividamento, risco de rebaixamento de rating, e outros que tais. Mas uma companhia privada somente decide liquidar seus ativos em más condições de mercado se não tem alternativa. E esse não é o caso da União.

De fato, esse mesmo governo que se dispõe a vender muito barato participações minoritárias, em companhias que ele seguirá controlando, poderia privatizar integralmente outros ativos, que passariam a ser controlados pelo setor privado. Pelo comando dessas empresas ou ativos os particulares estariam dispostos a pagar bem mais, e eventualmente até um prêmio sobre o preço justo. E isso para não falar no efeito positivo nas expectativas dos agentes econômicos que seria gerada por um movimento de privatização.

Quem se disporá a pagar o preço justo de uma companhia para ser minoritário de um governo que fez o que fez com a Petrobras, que não apoia os projetos de lei de alteração da governança das estatais, e que nem mesmo se dispôs ao mínimo, que seria aderir aos padrões de governança criados pela BM&FBovespa para as sociedades de economia mista?

A resposta é muito óbvia: os investidores estarão dispostos a pagar pelas ações da BR Distribuidora, e pelas outras que virão. Mas pagarão um preço muito menor que o valor econômico potencial da companhia. Exigirão um grande desconto, que justifique correr o enorme risco de ser minoritário de uma sociedade de economia mista controlada ao bel-prazer dos governos, na qual a boa qualidade dos gestores continuará dependendo da boa vontade (ou do mau momento político) dos governantes, ao invés de decorrer de mecanismos incluídos na lei, como deveria. E em que mesmo o voto dos bons gestores será ignorado, se assim quiser o poder central.

A única razão aparente para optar-se pelo caminho da venda de participações minoritárias em companhias muito valiosas, a preços muito baixos, ao invés de vender outros ativos integralmente, a preços melhores, é a ojeriza do PT à privatização — mais à palavra que ao conceito, diga-se. Prefere-se doar parte do patrimônio nacional ao mercado a dar o braço a torcer.

À vista da determinação do governo de insistir no erro, contra tudo e contra todos, só resta ao Congresso Nacional reconhecer a urgência da tramitação dos projetos que alteram a governança das estatais, de maneira que, mesmo contra a vontade do governo, possam entrar em vigor a tempo de evitar, ou reduzir, mais essa lesão ao patrimônio nacional.

Arminio Fraga é economista e foi presidente do Banco Central e Marcelo Trindade é advogado e foi presidente da Comissão de Valores Mobiliários

sexta-feira, agosto 21, 2015

A destruição do real e sua consequência - PAULO RABELLO DE CASTRO*

O ESTADÃO - 21/08

Os juros sobre a dívida interna do governo federal acumularam em 12 meses, até junho passado, a dantesca cifra de R$ 347,5 bilhões. Essa estonteante despesa pública, a ser paga por cada um dos brasileiros – grosso modo, R$ 5 por pessoa, inclusive crianças e idosos, dia após dia, a perder de vista –, tem sua origem numa conjunção de erros da política econômica pós-Real. Primeiro, pela incontinência do gasto público desde a partida do Plano Real. Mas na era Dilma, até as eleições de 2014, o Tesouro Nacional se engajou numa roda-viva de gastos pré-eleitorais, não só com repetidas “pedaladas fiscais”, mas, sobretudo, por deixar de segurar despesas excedentes ao limite previsto na lei orçamentária, como consta do relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).

O mercado financeiro, de olho nessas puladas de cerca, apostou no enfraquecimento do real. Lá fora, o fortalecimento do dólar também puniu moedas como o real, quando não se pratica um mínimo de rigor fiscal. Nosso Banco Central (BC) reagiu tardiamente e da pior maneira: buscou no Conselho Monetário, no qual só votam três cabeças, com claros conflitos de interesse, autorização para “defender” a estabilidade do câmbio ao oferecer contratos de venda de dólares ao mercado, a preço fixo, para entrega futura. Venderam-se caminhões de swaps para entrega este ano e até 2016.

Tais operações já acumulam um prejuízo de R$ 70,6 bilhões, que, somadas aos juros regulares, outros R$ 280 bilhões, em contas redondas, nos brindam com a maior despesa financeira pública de todos os tempos, superior a 7% do produto interno bruto (PIB), a mais elevada do planeta. Além disso, como nossa dívida é altamente indexada à Selic, cada ponto porcentual de alta de juros pelo BC eleva a dívida federal em cerca de R$ 20 bilhões, ao mesmo tempo que derruba o PIB – e, portanto, a arrecadação do governo – em outros R$ 20 bilhões. As contas do ministro da Fazenda não fecharão nunca: em 2015 esse descompasso resultará num rombo estrondoso de R$ 140 bilhões.

Resignadamente, Joaquim Levy desistiu da meta fiscal. E o capital abutre, que existe em qualquer lugar para farejar e devorar governos fracos, apostou na alta do dólar e contra o real. Essa queda de braço ainda não terminou, a faixa dos R$ 3,50 por dólar passou a ser um estágio da peleja. O BC foi às cordas, esmagado pelos prejuízos acumulados na folia da manipulação cambial pré-eleitoral e pela recente publicação da ata do Copom em que reconhece o juro de 14,25% como um perfeito serial killer da moribunda economia privada.

Estamos no início da destruição do real como moeda confiável. Nem nos perigosos meses de 2002, em que se desconfiava da capacidade do PT de defender a estabilidade da nossa jovem moeda, o País passou por tanto risco.

Com o dólar em R$ 4 naquele outubro de 2002, o BC trouxe os juros ao patamar de 25%. O Orçamento da União para 2003 foi podado, único ano de efetiva economia de despesa pública em relação ao PIB nos 20 anos de Real.

Consequência: em 2003 o desemprego formal superou 13% da população economicamente ativa (PEA) e milhões de brasileiros foram devolvidos aos porões da pobreza absoluta. Um detalhe, desta vez atenuante: começou em 2003 a maior alta histórica dos preços de commodities agrícolas e minerais, encomendada por São Lula aos chineses.

O cenário de 2015-2016 opõe-se radicalmente ao de 2002-2003. A China retrai-se e pode até entrar em choque. Se o juro subir mais, como em 2002, a atividade privada entrará em colapso. Que nos resta fazer? Esse é o repto que deve tirar da abulia todos os intelectos perdidos ociosamente nas receitas econômicas convencionais, do tipo “ajuste fiscal” ou, pior, quando se cogita de taxar ativos escondidos no exterior e outras extravagâncias, como CPMF ou novos impostos sobre fortunas e heranças. O ataque frontal deve ser sobre o setor que nada contribuiu até agora: as despesas ditas obrigatórias do governo federal (e, por extensão, nas demais esferas de governo, a começar pelo Rio Grande do Sul). O ministro da Fazenda nos diz ser ilegal cortar despesa obrigatória, por isso capa investimentos. Faz sentido? Queimam-se os botes salva-vidas dos investimentos e das bolsas de estudos enquanto se preservam reajustes inflacionários para as castas de graúdos que se autoisentam de qualquer participação no esforço geral da Nação. Aqui está a raiz singular do brutal desequilíbrio fiscal e sua etiologia antiética, ao se pouparem alguns privilegiados do sacrifício geral.

O Judiciário, ele mesmo beneficiário dessa monstruosidade distributiva, haverá de julgá-la inconstitucional, por ser ineficiente e atentatória à estabilidade político-institucional. Não estamos sozinhos nesse tipo de desafio. Grandes nações como Alemanha e Estados Unidos, em 2009 e 2011, respectivamente, reagiram com destemor para refrear o gasto exorbitante de seus governos. Ao sentirem o cheiro da pólvora social e financeira, os parlamentares desses países não conversaram: votaram leis emergenciais impondo a seus orçamentos públicos limitadores de despesas quase universais e lineares, da ordem de 7% dos gastos originalmente programados. Precisamos adotar o mesmo caminho. Urgentemente. E por dois anos consecutivos, com ênfase em 2016. Nada menor do que isso dará jeito na explosiva situação atual. Impõe-se uma Lei Emergencial de Crescimento e Controle Orçamentário (Leco), alinhavada pelo Movimento Brasil Eficiente com entidades civis e movimentos de rua, para encararmos o desafio de repensar o futuro da Nação. As autoridades devem parar de fantasiar com pacotes franciscanos, que prometem tudo a todos, a fim de concentrar a atenção na transformação fiscal capaz de nos devolver o direito de crescer e prosperar.

O outro caminho é o retrocesso. A destruição do real será rápida, tragando as autoridades da hora e ameaçando os pilares de nossa frágil democracia.

*Paulo Rabello de Castro é coordenador do Movimento Brasil Eficiente 

segunda-feira, agosto 17, 2015

O ódio fofo e o ódio não fofo - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 17/08

A única novidade da política brasileira recente é o surgimento de uma direita jovem, liberal


Muita gente hoje tem se perguntado por que as pessoas estão tão intolerantes no Brasil. Quando se põe a refletir sobre as razões do suposto aumento do ódio entre nós, a intelligentsia, como sempre, olha para os malucos da extrema-direita, que babam em cima das vítimas de sempre.

Esses babões da extrema-direita são mesmo um atraso de vida e devem ser tratados com o devido desprezo moral e cuidado político, ou seja, devem ser neutralizados pelos usos da inteligência e da lei.

Dito isso, tentemos sair do óbvio e mais "seguro", que é sempre remeter o ódio à extrema-direita babaca de sempre, e olhar de modo menos ideológico para o Brasil intolerante que nos assusta agora.

Ou seja, deixemos de lado o que eu chamaria de ódio não fofo e olhemos para o ódio fofo. Dito de outra forma: olhemos para o ódio justificado por boas intenções. Como a corrupção do PT "em favor" dos excluídos.

Minha hipótese é que existem dois tipos de ódio para a intelligentsia, o ódio fofo e o ódio não fofo. Mas ela não tem consciência de que pensa dessa forma. Ela tem dificuldade de enxergar esses dois tipos de ódio porque o ódio fofo não se apresenta como ódio, mas sim sob denominações outras.

Quer ver uma denominação fofa para o ódio político que não se vê como ódio? Luta de classes. Quer ver outro exemplo? O combate à desigualdade social. Outro? MST e MTST.

O ódio de classe é o motor da história para o velho Marx e sua igreja. A história da esquerda é uma história de ódio ideologicamente justificado por suas "boas intenções".

O motivo para que nossa intelligentsia só veja o ódio não fofo é porque só reconhece a palavra ódio nos babacas da extrema-direita que berram nas redes sociais. Para si, guardam a expressão "esquerda", o que, por definição, significa "gente fofa".

Concordo que a extrema-direita é mesmo desprezível, mas os herdeiros da ideia de "luta de classes", quando se olham no espelho, veem alguém condescendente explicando para os outros como tudo ficará bem se esses outros aceitarem o que eles, os fofos, desejam para todos. São puros de coração em termos morais e políticos, logo, não odeiam.

O ódio não fofo é aquele do povo ignorante que não entende que devem ser guiados pelos intelectuais de esquerda e seus representantes no espectro institucional dos partidos. Mas a verdade é que quem abriu as portas do inferno para o ódio político no Brasil foi o próprio PT e sua militância truculenta.

Quem não lembra o que esses lindinhos fizeram com a blogueira cubana Yoani Sánchez anos atrás?

É hilária a histeria de muita gente com os evangélicos e a ideia de que eles obrigariam nossos filhos a ler a Bíblia nas escolas, quando, na verdade, nossos filhos são, há muitos anos, obrigados a ler o "Manifesto Comunista" como uma bíblia.

Não temo mais o ódio (não fofo) da extrema-direita do que temo o ódio fofo do PT e associados, que têm pregado uma divisão no país, assumindo que qualquer um que não concorde com sua "pauta progressista" seja um dinossauro antidemocrático.

Incrível como nas redes sociais, além dos babacas da extrema-direita, milhares de odiadores de esquerda se multiplicam como moscas. Mas, quando seus luminares intelectuais vão a público falar sobre a intolerância brasileira, posam de "santinhas" que fingem não saber que seus parceiros em toda parte disseminam o ódio contra qualquer um que não reze na cartilha do "Manifesto".

Quem inaugurou o ódio político entre nós foi a esquerda. Pelo menos esse que agora deixa as vestais da esquerda com medinho.

Agora querem posar de inocentes e vítimas de um ódio injusto. Colhem o que plantaram.

E aqui vai mais uma hipótese. A tentativa de polarizar o debate entre direita babona e esquerda democrática visa esconder a única novidade da política brasileira recente: o surgimento de uma direita jovem, liberal em comportamento, pró-mercado e democrática.

O Brasil está acordando para o fato de que é o mercado que vai nos tirar do buraco, e não esse estatismo neolítico das esquerdas, que quer fazer do Brasil um Sudão.

sexta-feira, agosto 07, 2015

Efeitos do dólar - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/08

O dólar já passou a ser o novo perigo inflacionário que entrou nos radares dos analistas. E até do Banco Central, pelo que se depreende da Ata do Copom. O dólar subindo mais do que o previsto tem impacto no índice de preços, que já subiu por outros reajustes, como o da energia. Por enquanto, a previsão mais frequente é que os juros não vão cair, mas também não vão subir mais até o fim do ano.
Há quem diga que o dólar já fez estragos suficientes e pode haver novo aumento de juros, mas é cedo para dizer com segurança. O que a Ata da última reunião, divulgada ontem, informa é que os preços administrados terão um aumento maior do que o Banco Central previa há um mês e meio. No último encontro, calculava que subiria 12,7%. Agora, acha que esses preços subirão, em média, 14,8%.

Curioso é o eufemismo do Banco Central para falar da recessão brasileira. Diz que "o processo de ajustamento macroeconômico" leva a um "crescimento abaixo do potencial" e que há um "processo de distensão no mercado de trabalho". O Brasil está, na verdade encolhendo, e não crescendo abaixo do potencial, e no ano que vem não se espera crescimento. Isso não será efeito do ajuste, mas do desajuste feito anteriormente.

Para o ano que vem, o BC está otimista em relação à inflação. Na Ata, registra que está se fortalecendo o cenário de convergência para 4,5% no final de 2016. Diz que o efeito defasado da alta de juros ajudará no esforço para se atingir o centro da meta e ressalta que as projeções dos analistas são de desaceleração do índice.

Essa é a boa notícia no meio de um cenário nebuloso. As expectativas são de que no ano que vem se conseguirá derrubar vários pontos no IPCA. A taxa terminará acima de 9% este ano, e as projeções do mercado, capturadas pela pesquisa Focus, são de que ela chegará ao final do ano que vem em 5,4%.

A última reunião do Copom aconteceu logo depois da decisão do governo de reduzir a meta de superávit primário. Na época, muitas previsões eram que os juros subiriam 0,25%. A partir da decisão, as projeções subiram para 0,5%, o que, de fato, aconteceu. O BC admitiu ontem que essa piora do quadro fiscal é prejudicial ao controle da inflação.

Hoje, o IBGE divulga a inflação de julho, e a expectativa é que a taxa seja menor do que a de junho. O problema é que, ainda assim, será muito mais alta do que julho de 2014, que foi de 0,01%, e isso fará o índice acumulado em 12 meses escalar de 8,89% para perto de 9,5%. Quanto mais tempo a inflação ficar nesse patamar, mais ela se fortalece pela indexação; mais renda tira dos trabalhadores; mais desconfiança leva aos empresários.

O novo problema agora é o dólar porque ele passa a ser um novo fator a se juntar a vários outros que têm pressionado os índices de preços. Há poucos meses, foi a crise hídrica que afetou as lavouras e aumentou o custo dos alimentos. Também houve o impacto do preço da energia, que o BC calcula que aumentará 50% este ano. As pressões têm se revezado sobre o índice, e por isso a taxa de juros foi elevada.

A preocupação do BC com o câmbio levou o diretor da Política Monetária, Aldo Mendes, a dizer ao "Valor Econômico" que considera a cotação "esticada demais", fora dos fundamentos. Isso fez a moeda cair em relação à máxima do dia. Há uma semana, o dólar valia R$ 3,33, no dia da última reunião do Copom. Ontem, chegou a ser vendido por R$ 3,57 e fechou em R$ 3,53. Os cenários de referência de mercado, analisados também pelo Banco Central, estimam a moeda em R$ 3,25. Ou seja, tanto o Copom quanto os bancos e as consultorias terão que refazer as projeções de inflação caso o dólar se mantenha no patamar atual.

Essa alta também tem impacto sobre os custos e as dívidas das empresas. A Petrobras divulgou uma queda de 90% no seu lucro do segundo trimestre porque, entre outros motivos, o dólar mais caro encarece os derivados que importa. A sua dívida bruta subiu 18% desde dezembro, saltando de R$ 350 bilhões para R$ 415 bi. Cerca de 80% da dívida está em moeda estrangeira.

Mas a mais importante fonte de incerteza na conjuntura atual, entretanto, é a crise política, porque ela aumenta o risco de perda do grau de investimento. Isso reduz a entrada de investidores e eleva a pressão sobre o câmbio. Existem outros motivos que influenciam no dólar, como a recuperação da economia americana, com provável alta de juros, e a desaceleração da China. O principal fator, no entanto, é a incerteza interna.

Desfecho político domina toda a pauta econômica - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 07/08

Ao contaminar uma economia já frágil, mergulhada em recessão, sob forte desequilíbrio fiscal e em meio à batalha para derrubar a inflação de mais de 9%, a crise política de desfecho ainda desconhecido assume o centro das preocupações dos responsáveis pela política econômica do governo.
Para o Banco Central vem daí, e não dos fundamentos econômicos, a razão para a forte desvalorização do real frente ao dólar que ontem chegou a ser cotado a R$ 3,5702. Primeiro o BC avisou que a taxa que estava sendo praticada era um exagero. No final do dia, a instituição aumentou a rolagem dos "swaps" cambiais de 60% para 100% a partir de hoje.

Na hora do almoço o diretor de Política Monetária, Aldo Mendes, passou uma mensagem cristalina ao mercado. Ele disse ao Valor PRO: "O nível atual da taxa de câmbio está muito além, ou muito acima, do que seria explicado pelos fundamentos econômicos do país, mesmo considerando o delicado momento politico. O preço do dólar está claramente esticado. Entendo que os agentes estão agindo aparentemente com pouca racionalidade". E alertou: "Comprar moedas nesses níveis pode representar um risco potencial de perda no médio prazo". O recado era o sinal de que o BC atuaria mais no mercado de câmbio, que está pressionado pela escassez de liquidez.

O dólar, depois de testar a máxima, encerrou o dia com valorização de 1,34% diante do real, cotado a R$ 3,5361. Ainda não se sabia da rolagem integral dos swaps, anunciada pelo BC no início da noite.

A crise política associada às incertezas na economia deu início a um movimento de saída de recursos do país. Dados do BC apontam que o fluxo de julho foi negativo em US$ 3,9 bilhões, gerado sobretudo pela saída de US$ 8,37 bilhões pelo financeiro. Há uma demanda por dólar físico de quem quer deixar o Brasil e, talvez, só a rolagem de "swaps" cambiais não atenda a esse mercado. Em situações semelhantes do passado o BC fez leilões de linha com compromisso de recompra e vendeu reservas cambiais, mediante "ração diária" ou leilão.

A turbulência política não está explícita no balanço de riscos da inflação que o BC cita na ata do Copom, divulgada ontem, mas permeia a avaliação do câmbio, da atividade econômica e está na raiz da obliteração do objetivo fiscal.

A ata reproduz o comunicado da última reunião que elevou os juros para 14,25% ao ano. "O Comitê entende que a manutenção desse patamar da taxa básica de juros, por período suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no final de 2016", diz a ata.

Ao conceito de "suficientemente prolongado", porém, o Copom agregou uma nova expressão: "desvios significativos". Ou seja, os riscos para que as projeções de inflação do comitê convirjam com segurança para a meta de 4,5% em 2016 "são condizentes com o efeito defasado e cumulativo da ação de política monetária, mas exigem que a política monetária se mantenha vigilante em caso de desvios significativos das projeções de inflação em relação à meta".

Assim, o BC deixou aberta a porta para uma retomada do ciclo de aperto monetário caso a inflação escape da meta e quis manter ambíguo o quanto considera ser um desvio significativo.

A avaliação da autoridade monetária é que o mercado fez a leitura correta da ata. Há quem tenha enxergado, também, um indício de que a convergência estrita para a meta de 4,5% em dezembro de 2016 talvez não seja mais um imperativo a ferro e fogo.

"A análise do balanço de riscos me diz que o hiato do produto vai se ampliar e fazer com que as projeções do BC cheguem em 4,5%, mesmo que o câmbio não jogue a favor. Essa é uma análise subjetiva do balanço de risco, com a qual pode-se concordar ou não, mas que os banco centrais podem e devem fazer", disse um ex-diretor do BC que viu, nessa questão, uma mudança em relação ao que vinha sendo dito até agora.

Nesta semana os movimentos dos partidos da base aliada e das oposições se intensificaram na busca de uma solução política que abrevie a crise. As declarações do vice-presidente Michel Temer, os elogios ao PSDB e pedido de apoio, feitos pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em comissão na Câmara dos Deputados, na quarta feira, foram interpretados como o sinal mais evidente do desânimo que tomou conta do governo e, mais especificamente, do Palácio do Planalto.

Dilma tentou reagir na semana anterior, com a reunião dos governadores e nesta, em uma articulação de um encontro com os maiores empresários do país para antes do dia 16, data de convocação dos protestos de rua. As primeiras sondagens sobre a realização desse encontro com os representantes do PIB não foram muito animadoras. O risco é de haver mais ausência do que presença.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem dito a interlocutores que "a questão politica é passageira, a mudança do cenário econômico, com o fim do ciclo das commodities, é duradoura".

Diante das dificuldades que enfrenta no Congresso para ter aprovadas as medidas de ajuste fiscal, e tendo na presidência da Câmara o deputado Eduardo Cunha, totalmente hostil a uma agenda que não seja a sua, Levy tem argumentado com algumas as lideranças políticas que o curto prazo não pode desviar totalmente a atenção do que é estratégico para o país, que é "a necessária preparação da economia para que o Brasil possa enfrentar e prosperar em um mundo mais competitivo e de baixo crescimento".

Passados 70 anos da destruição de Hiroshima e Nagasaki, não faltou quem, em um ato de dramaticidade, comparasse o que pode vir a acontecer com o governo às duas bombas atômicas jogadas nas cidades do Japão no fim da Segunda Guerra Mundial: a primeira, " little boy", e, três dias depois, a segunda, "fat man".

Aos amigos petistas - NELSON MOTTA

O GLOBO - 07/08

Nunca perdi um amigo por causa de política. Tenho vários amigos petistas que merecem meu afeto e respeito, alguns até minha admiração, e convivemos bem porque quase nunca falamos de política, talvez por termos assuntos mais interessantes a conversar. Mas agora o assunto é inevitável. E eles estão mais decepcionados do que eu.


Também tenho amigos tucanos, comunistas, conservadores, não meço a qualidade das pessoas pelo seu time, religião ou suas crenças políticas, em que sonhos, idealismo e equívocos se misturam com ambição, desonestidade e incompetência para provocar monstruosas perdas de vidas, dignidade e dinheiro ao coitado do povo que todos eles dizem amar.

O PT está caindo aos pedaços, depois de 13 anos no poder, com grandes conquistas e imensos desastres, mas a perspectiva de ser governado pelo PMDB ou pelo PSDB não é animadora. Claro que há gente decente e competente nos dois partidos, mas a maioria de seus quadros e dirigentes não é melhor do que os piores petistas, e vice-versa.

Chegamos finalmente ao “nós contra eles” que Lula tanto queria ... quando era maioria ... e agora se volta contra ele, perseguido como os judeus pelos nazistas e os cristãos pelos romanos ... rsrs.

Se não fosse tão arrogante e autoritária, Dilma mereceria pena, porque não é desonesta, mas é mentirosa e sua incompetência nos dá mais prejuízos do que a corrupção. Suas falas tortuosas são a expressão da sua confusão mental.

E se Lula não fosse tão vaidoso e ambicioso, tão irresponsável e inescrupuloso, não teria jogado a sua história na lama por achar que está acima do bem e do mal e que nunca descobririam que ele sempre soube de tudo.

Petistas inteligentes e informados sabem que o sonho acabou, game over, zé fini, não por uma conspiração da CIA, dos coxinhas ou da imprensa golpista, mas pelos seus próprios erros, pelo baixo nível e alta voracidade dos seus quadros, pela ganância e incompetência que nos levaram ao lodaçal onde chafurdamos.

É triste, amigos petistas, o sonho virou pesadelo, mas não foi a direita que venceu, foi o partido que se perdeu. O medo está dando de 7 a 1 na esperança.

"Presos na Maria Antônia" - CLÓVIS ROSSI

Folha SP - 07/08

Sempre achei que a esquerda, nacional e internacional, ficou soterrada sob os escombros do Muro de Berlim. Até aí, dava para entender embora não para justificar. Afinal, a queda do Muro e o consequente fim simbólico do comunismo foram acontecimentos tão transcendentais que teriam mesmo que desnortear até quem estava do lado de cá do Muro, quanto mais os que simpatizavam com o lado derrotado.

O que surpreende, agora, com o manifesto de escritores e artistas em defesa de José Dirceu, é que esse pessoal não conseguiu sair nem sequer da rua Maria Antônia, cuja simbologia antecede de muito a queda do Muro. É inacreditável que gente que parece inteligente não perceba que José Dirceu deixou há séculos de ser o jovem idealista que lutava contra a ditadura nas barricadas estudantis de 1968.

Nem era preciso o mensalão ou, agora, o petrolão para fazer uma constatação tão óbvia.

Bastava saber, por exemplo, que Dirceu admitiu à revista "Piauí", em 2008, que prestava consultoria ao bilionário mexicano Carlos Slim, um dos três homens mais ricos do mundo, segundo a revista "Forbes".

A esquerda, inclusive muitos ou todos que assinam o manifesto, sempre denunciou a maneira como se enriquece no México (ou no Brasil).

Um idealista de verdade jamais prestaria serviços a esse tipo de empresário.

O estranhamento não é apenas meu, mas de um fundador do PT, o cientista político Rudá Ricci, que se afastou do partido desencantado.

Escreveu Rudá após a entrevista de Dirceu à "Piauí":

"O grande problema não foi se expor como um megaconsultor, homem de R$ 15 mil por consultoria, ou R$ 150 mil mensais. Esta vaidade de se expor é estranha para um ex-clandestino de esquerda. Revelar que trabalha para o homem mais rico do mundo também é estranho para um ex-presidente do maior partido de esquerda do país. Mas são idiossincrasias que acometem as melhores famílias".

À essa lucrativa "idiossincrasia" somaram-se consultorias –não devidamente comprovadas, segundo a Polícia Federal– às maiores empreiteiras do país.

No tempo em que a esquerda pensava, não deixava de denunciar a promiscuidade entre obras públicas, tocadas em geral por essas mesmas empreiteiras, e poder público.

Hoje, ao defender Dirceu, defende-se automaticamente a promiscuidade, como se houvesse maracutaia do bem (as "nossas") e do mal ("as dos outros").

Os pedidos, em voz quase inaudível, para que o PT faça um reexame de suas práticas já surgiram em 2008, na esteira do mensalão.

Rudá Ricci, por exemplo, escrevia então: "Seria fantástico se o julgamento [do mensalão] provocasse um debate franco entre petistas e toda esquerda tupiniquim. Mas já não tenho mais 20 anos. Não tenho motivos para acreditar que o brilho da utopia seja mais forte que as cores reluzentes do poder absoluto e domesticador".

Bingo, Rudá. O poder domesticou não só dirigentes do PT mas também uma fatia da intelectualidade, o que é um contrassenso: intelectual, por definição, é contestador.

'O quadro fiscal é tão catastrófico como em 80' - FABIO GIAMBIAGI

ENTREVISTA
'O quadro fiscal é tão catastrófico como em 80' - FABIO GIAMBIAGI

KARLA SPOTORNO 

O ESTADÃO - 07/08


O Brasil de hoje lembra os piores momentos dos anos 80. O País não enfrenta a hiperinflação, mas "o quadro fiscal é tão catastrófico quanto aquele". A conclusão é do economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas.

Em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, Giambiagi considerou que a sessão do Congresso que aprovou, na madrugada de quinta-feira, a PEC 443 (que eleva salários de advogados da União e procuradores dos Estados) "se assemelha a uma espécie de Baile da Ilha Fiscal. Isso não vai dar certo, é uma rota para o desastre".



Essa "rota", carregada de aumento de gastos públicos, pode levar o País a perder o grau de investimento, alerta o economista, que está prestes a lançar um novo livro sobre a economia brasileira (Capitalismo Modo de Usar, Editora Elsevier). A seguir, trechos da entrevista.

O que significa para as finanças públicas e para o ajuste fiscal a derrota do governo na Câmara?

O que está acontecendo é muito grave. Eu fiquei assistindo à TV Câmara, com aquele desfile de líderes de partidos da base aliada votando a favor da PEC à qual a Fazenda corretamente se opunha. A impressão que dava é que não há governo. A situação me lembrou os piores momentos dos anos 80. Não temos a hiperinflação daqueles tempos, mas o quadro fiscal é tão catastrófico quanto aquele.

Por que o sr. considera a situação muito preocupante?

A base aliada quer todos os bônus de ser governo, mas sem ter nenhum ônus. Então, o governo se converte em algo disfuncional, onde inventam-se gastos do nada e não há a menor preocupação com a consistência disso.

Faltou alguém questionar a "consistência" do projeto?

Estamos com um déficit público (nominal), nos últimos 12 meses, de mais de 8% do PIB. Tenho dito que estamos no regime do que eu chamo de "9 Bis": a perspectiva para o ano está se aproximando de 9% de inflação e 9% do PIB de déficit. Talvez a inflação seja um pouco maior e o déficit, um pouco menor, mas são números assustadores. Nessa situação, a sessão de ontem do Congresso se assemelha a uma espécie de Baile da Ilha Fiscal. Isso não vai dar certo, é uma rota para o desastre.

Há o risco de os municípios e os Estados serem afetados por essa aprovação, no sentido de terem de aprovar uma equalização salarial?

Vai depender do que for aprovado. Mas é evidente que, direta ou indiretamente, as carreiras análogas a nível estadual serão as próximas da fila a pedir aumento. Temos um PIB que vai encolher pelo menos 2% e o Congresso aprovando aumentos exorbitantes. Qualquer cidadão na rua percebe que uma coisa não combina com a outra.

Para alguns, um verdadeiro ajuste fiscal depende de mudanças na Constituição Federal. Qual é a sua avaliação? Por quê?

A ironia é que essa PEC é justamente uma mudança na Constituição, mas que constitui a rigor uma contrarreforma. Mudanças na Constituição são importantes, mas no momento o mais importante de tudo é que Executivo e Legislativo deixem de ser o que são hoje: duas paralelas que não se encontram nem no infinito. "Checks and balances" são parte da democracia, mas um País não pode funcionar quando Executivo e Legislativo estão inteiramente divorciados, e toda semana o Congresso aprova uma medida que dinamita as bases da estabilidade.

A sinalização de que o Congresso Nacional está disposto a aprovar as chamadas "bombas fiscais" pode antecipar a perda do grau de investimento?

Isso me lembra um velho tango argentino, onde há uma estrofe que diz 'Y vos interpretás / las cosas al revés...' A agenda do ajustamento é uma, e o que temos assistido no Parlamento é exatamente o contrário: em vez de um ajuste tributário, a protelação desse ajuste; em vez de ajuste de gastos, mais gastos. É claro que, do jeito que as coisas estão se passando, estamos fazendo todo o possível para acelerar o processo que levaria ao "downgrade" (perda do grau de investimento).

A Lava Jato impõe uma ruptura em uma dinâmica de corrupção que envolve empresas e políticos e que, aparentemente, sustentou o modelo de coalizão política no Brasil. O atual combate ao governo mostra que essa dinâmica foi realmente rompida e que nenhuma outra a substituiu?

Não concordo totalmente. Uma coisa é dizer que há vícios que são antigos, e de fato são, mas não concordo que a corrupção tenha sido o amálgama que permitiu ao presidente da República governar desde a redemocratização. De qualquer forma, espero, como cidadão, obviamente, que a Lava Jato seja um divisor de águas, sim.

Não seria necessário lembrar ao PSDB, à oposição dentro do PMDB e a todos os outros partidos da oposição que aprovações como a de ontem inviabilizam a gestão de qualquer presidente, não apenas a do PT?

A equação fiscal é a mesma, qualquer que seja o governante: se o gasto for maior que a receita, será preciso aumentar a dívida pública. Se há partidos que aprovam a "pauta bomba" e no futuro o governo muda de mãos, são eles que terão de honrar o cheque. Quem sofrerá é o bolso do cidadão. Será preciso aumentar o Imposto de Renda, por exemplo, para aumentar o salário do funcionalismo. Eu me pergunto: será que é isso que o cidadão quer?

quarta-feira, agosto 05, 2015

Governo admite perda de controle - IGOR GIELOW

folha de sp - 05/08

Embora o Palácio do Planalto mantenha um ar de distanciamento que corresponde pouco com a realidade, três dos principais atores políticos do governo Dilma Rousseff foram a campo nesta quarta (5) admitir com franqueza o óbvio: é grave a crise, e no momento, incontrolável.

O mais eloquente foi o vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), alçado desde o começo do ano a coordenador político. Num tom raramente visto de nervosismo, ele clamou por união nacional e admitiu a gravidade da situação política e econômica.

O recado era direcionado principalmente, mas não apenas, ao Congresso em rebelião. A manutenção da votação de uma "pauta-bomba" na terça (4), após os líderes concordarem que ela deveria ser adiada, é sinal claro do clima em Brasília.

O vice-presidente também se colocou como alguém com "capacidade de reunificar todos", o que num contexto em que o cargo da chefe está ameaçado por eventuais pedidos de impeachment e pela baixíssima aprovação, poderá ser objeto de especulações distintas.

Temer havia se reunido mais cedo com Joaquim Levy (Fazenda), principal porta-voz até aqui dos apelos ao Congresso. O ministro deu também sua palhinha, dizendo não desejar "ruptura" no Congresso e apontado a gravidade da crise.

Por fim, um improvável Aloizio Mercadante (Casa Civil) falou em "acordos suprapartidários" para superar ao menos a crise econômica –como se ela fosse dissociável da política. De todo modo, a fala completa o cenário de que o governo, ou parte dele, parece ter entrado em pânico.

O que vem por aí não ajuda os governistas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), maquina sua vingança contra o que considera perseguição pelo Planalto. Para cada declaração defendendo a responsabilidade nas decisões, uma ação de bastidor para alfinetar o governo, como poderá ser atestado nas votações da noite desta quarta.

Nesta quinta (6), Dilma e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, aparecerão no programa de TV do PT e, até aqui, o partido não deu sinais de que irá mudar isso. Chamará para si um provável megapanelaço, que servirá de aperitivo para o protesto que pedirá a saída de Dilma do governo no dia 16.

Isso ocorre no momento em que o mesmo Cunha limpa a área para eventual apreciação das contas de 2014 de Dilma e eventuais pedidos de impeachment, em acordo tático com a oposição. Dono da bola e pressionado pela certa denúncia que sofrerá pela Procuradoria-Geral da União por acusações de levar dinheiro no petrolão, o presidente da Câmara ditará o "timing" de todo o processo.

Por fim, o fantasma das apurações da Lava Jato segue em ritmo acelerado de assombração. O temor de delações premiadas que possam comprometer ainda mais o PT e o governo só fez crescer, além do impacto simbólico da nova prisão do ex-ministro José Dirceu.

Enquanto o PT acredita que poderá rebater nas ruas esse tsunami, com atos no dia 20, os principais atores do governo dão sinais de que entenderam a natureza do problema.