terça-feira, abril 01, 2014

48 horas - RICARDO FERRAÇO

CORREIO BRAZILIENSE - 01/04
Quarenta e oito horas. Tempo de sobra para executar um assassinato a sangue frio, postar a "façanha" na internet, assistir a uma partida de futebol e ir ao dentista. Uma eternidade para mãe e pai desesperados, em busca da filha desaparecida. A senha da impunidade para o assassino, que só completaria 18 anos dois dias depois do crime.
Como explicar para dona Rosemari que 48 horas fazem toda a diferença entre uma infração cometida por um menor de idade e um crime hediondo praticado por um bandido? Que por 48 horas o assassino confesso de sua filha se livrou de até 30 anos na cadeia para ficar no máximo três anos numa instituição para menores infratores?

A morte estúpida da menina Yorrali é mais um desses crimes bárbaros que fazem a gente questionar não só o conceito de justiça, mas também o de proteção à infância e à adolescência. Estamos de fato protegendo nossas crianças e nossos jovens ao insistir numa legislação desconectada da realidade? Temos de fato alguma ilusão de que as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são capazes de recuperar um menor capaz de torturar, estuprar ou matar alguém sem demonstrar qualquer arrependimento?

Vale chamar atenção para o fato de que o assassino de Yorrali já era figura conhecida da polícia, com passagens por lesão corporal, ameaças e porte de arma. Uma ficha parecida com a do Champinha, que também escapou da cadeia porque tinha 16 anos quando comandou a gangue que sequestrou, torturou e matou um casal de namorados em São Paulo.

O debate sobre a redução da maioridade penal não pode flutuar ao sabor das notícias - cada vez mais frequentes - de um ou outro crime cometido por menores de idade. O Congresso Nacional tem a obrigação de votar a matéria o quanto antes. Diante da omissão do Estado e da indefinição política sobre a questão, a sociedade tem tomado para si decisões que deveriam ser pesadas com cautela, com equilíbrio. Chegamos a um limite perigoso. Basta lembrar a imagem do adolescente infrator espancado por populares e acorrentado pelo pescoço a um poste no Rio de Janeiro.

 A intolerância da sociedade cresce paralelamente ao radicalismo por parte do grupo que não aceita qualquer mudança na legislação atual e do que insiste em reduzir a maioridade penal a todo custo. Tratar crianças e adolescentes como adultos, do ponto de vista penal, não é, nem de longe, solução para a criminalidade juvenil. Até porque cadeia, como todo mundo sabe, costuma ser escola do crime e o tráfico tem poder de fogo para aliciar garotos e garotas cada vez mais jovens.

Deixar tudo como está, por sua vez, é ignorar a banalização da violência juvenil e atropelar o mais elementar senso de justiça. É fechar os olhos para a ineficácia das medidas socioeducativas previstas no ECA e para o índice impressionante de reincidência de menores infratores.

Sem uma decisão equilibrada, a tendência é a pressão por medidas cada vez mais radicais. Em abril passado, pesquisa do Datafolha já indicava que 35% dos entrevistados apoiavam a redução da maioridade penal para até 13 anos; 9% achavam que mesmo menores de 13 anos deveriam ser punidos como adultos.

Cada caso é um caso e é assim que precisa ser analisado. É esse caminho do meio que decidi apoiar ao acolher, no relatório que apresentei na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a Proposta de Emenda Constitucional nº 33/12, do senador Aloysio Nunes. A proposta abre brechas para a redução da maioridade para 16 anos só nos casos mais graves, de homicídio, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, reincidência em lesões corporais graves ou roubo qualificado.

Mais: ela só permite que um menor seja julgado e punido como adulto com o parecer de um promotor da área de infância e juventude e com autorização da Justiça, que terá de levar em conta a capacidade de compreensão do jovem infrator sobre o caráter criminoso de sua conduta.

É insensatez votar um tema tão importante movidos pela comoção popular diante de um ou outro crime, por mais cruel que ele seja. Mas também é ingenuidade imaginar que vivemos num mundo ideal, em que o ECA, por si só - por mais bem intencionado que seja - dá conta do avanço da criminalidade juvenil.

PEC nº 33 não é, certamente, uma solução milagrosa para o problema da criminalidade juvenil. Não vai trazer Yorrali de volta nem aplacar a dor de dona Rosemari. Mas é um avanço. Uma resposta sensata e pautada pela razão, não pela emoção.

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