segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Sobrecarga nas contas públicas - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 10/02

Cresce o risco de um curto-circuito fiscal com a disposição do governo de gastar entre R$ 16 bilhões e R$ 18 bilhões, neste ano, para proteger os consumidores do aumento do custo da eletricidade. A presidente Dilma Rousseff tentará mais uma vez administrar - ou mesmo maquiar - o índice de inflação por meio de subsídios. No ano passado a conta ficou em R$ 9,4 bilhões para o governo federal, com receitas normais do Tesouro e dinheiro de recebíveis de Itaipu. Foram usados, de toda forma, recursos da União, com efeitos fiscais de curto e de médio prazos. Em 2014 o gasto efetivo será determinado pelas condições do tempo. Quanto mais prolongada a seca no Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste, mais o País dependerá da energia das centrais térmicas, mais cara que a das hidrelétricas. Em vigor desde o começo de 2013, a política de contenção de tarifas de eletricidade é um duplo e custoso equívoco.

Essa manobra apenas disfarça o aumento de custos, porque o transfere do bolso do consumidor para as contas públicas, agravando a situação do Orçamento. Alguém tem de liquidar a fatura. O encargo, nesse caso, ou é pago pelo contribuinte, ou é compensado pelo corte de gastos importantes para a população, ou desemboca, simplesmente, em maior desajuste fiscal, com todos os males daí resultantes - incluída a inflação.

A segunda parte do equívoco aparece no sinal transmitido ao usuário final da energia. Sem aumento de tarifa e com manutenção de estímulos ao consumo de bens e serviços, cresce a demanda de eletricidade. O mais prudente seria o comportamento oposto - a racionalização do uso de um bem escasso e produzido a um custo maior.

Ocultar custos e conter preços politicamente nunca resultaram em vantagens sustentáveis para a sociedade ou mesmo para os cidadãos mais pobres. Erros desse tipo foram cometidos muitas vezes no Brasil e têm sido repetidos, com os previsíveis efeitos desastrosos, na Argentina dos Kirchners. Nenhum governante brasileiro deveria desconhecer esses fatos.

Nenhum governo deste mundo tem poderes, pelo menos por enquanto, para controlar o tempo e evitar secas, inundações, nevascas desastrosas, terremotos e tsunamis. Mas governos prudentes e competentes são capazes de mobilizar recursos técnicos e financeiros para atenuar - e até prevenir - os problemas causados por desastres naturais. O Orçamento-Geral da União até contém recursos para políticas de prevenção de alguns desastres, como enchentes e desmoronamentos. Mas o governo tem sido incapaz de distribuí-los e de usá-los de forma adequada, como já foi mostrado mais de uma vez por especialistas em contas públicas.

Governos competentes e prudentes devem também prever recursos e montar políticas para neutralizar ou atenuar as oscilações excessivas de preços agrícolas e para socorrer o setor em casos de desastres naturais. A formação e a gestão estratégica de estoques são componentes centrais dessas políticas. Os mecanismos em uso no País foram na maior parte desenhados ao longo de várias décadas e pelo menos esses têm funcionado.

Muito diferentes são a maquiagem da inflação e o estímulo ao consumo imprudente, especialmente de bens caros e dependentes de enormes investimentos, como a eletricidade, ou cada vez mais escassos, como a água. Pior, ainda, quando esse tipo de política, obviamente demagógico e eleitoreiro, compromete a saúde das contas públicas e o estado geral da economia. O governo sabe do mau estado de suas contas e do risco de assumir novos encargos. Daí a resistência do ministro da Fazenda, Guido Mantega, à votação do projeto de redução das dívidas estaduais e municipais.

O momento é ruim para essa mudança, por causa da instabilidade internacional, disse o ministro. Este é, segundo ele, "um ano de austeridade fiscal". Foram palavras infelizes. A austeridade fiscal tem de ser a regra, deveria ter dito, porque só isso cria gordura para queimar nos anos difíceis. Não vale ser austero pela metade: rejeitar uma lei potencialmente custosa, manter a gastança de sempre e ao mesmo tempo engordar a despesa com subsídios demagógicos e eleitoreiros, como os da conta de energia elétrica.

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