sábado, fevereiro 15, 2014

O paraíso perdido. E seco - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 15/02

Passamos semanas inteiras fixados no céu, tentando identificar a forma das nuvens, força e direção dos ventos, descrentes das charmosas e perplexas “moças do tempo”. Os privilegiados caiçaras, praianos, acrescentaram às rotinas diárias a tarefa de perscrutar o mar, a cor e a temperatura da água e os que foram escoteiros na infância, ou na juventude decoraram as apostilas de meteorologia para tirar o brevê de piloto ou paraquedista, transformaram-se em profetas climáticos. “Estou sentindo o cheiro de chuva” deixou de ser uma constatação exclusiva dos esotéricos. Com os narizes cada vez mais entupidos pela poluição urbana, tentamos retornar às origens rurais para reencontrar o tempo passado.

Ou o paraíso perdido. Não o inspirado épico composto pelo libertário John Milton (1608-1674), mas o do viajante e navegador italiano Américo Vespucci, que, aportando ao Litoral brasileiro em 1501, decretou que aquele era o paraíso terrestre. Filial do Éden, Canaã tropical, copiosa, exuberante, infinita, inesgotável.

Se foi, já não é. O país do futuro não está no brejo, porque os brejos secaram, empedrados, áridos. A prolongada estiagem nos trouxe de volta ao mundo real, tornamos a fazer parte do mesmo planeta impiedosamente espoliado que no Hemisfério Norte produz em simultâneo um inverno excepcionalmente implacável.

Ansiosos para buscar um culpado pelo calor, não nos damos conta de que os culpados somos nós. Consideramo-nos diferentes, filhos prediletos de Deus e da Natureza, desprezamos as aflições e lições alheias. Sem convicção, fomos acumulando modas e leis importadas, algumas de última geração, sem levar em conta que antes – bem antes – é preciso torná-las ardentemente desejadas. Caso contrário, serão descartadas. Como agora.

Nosso paraíso continua onde sempre esteve, nós é que nos extraviamos. Iludidos por uma bonomia que não resiste a um placar desfavorável no futebol ou a um revés na reunião de condomínio, seguimos impávidos, onipotentes, triunfantes, despojados de qualquer senso trágico, certos de que os viajantes extasiados do passado estavam certos.

Estavam, mas o tempo passou. Infalíveis, jamais nos preocupamos em prevenir as catástrofes sazonais, e agora estamos diante de outras – a desertificação, a seca, vendavais. Grande parte do país está rezando para chover, esquecido dos devastadores efeitos dos periódicos dilúvios anteriores.

País-criança – eterna criança – mimado, caprichoso, descuidado. Era dono de um paraíso e o perdeu. Ganhou uma democracia e não sabe o que fazer com ela.

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