sábado, fevereiro 22, 2014

Não há aplicativos para promover a paz - ALBERTO DINES

GAZETA DO POVO - PR - 22/02

Nem estão disponíveis softwares para acabar com a violência, produzir o bem-estar, difundir a tolerância. O messianismo tecnológico – hoje em nível paroxístico – é cultivado em diferentes esferas, faixas etárias e grupos de risco. É um novo bezerro, desta vez folheado a ouro, para fascinar os distraídos ou os perplexos. A “internet das coisas” regula carros, casas, rotinas, mas é incapaz de contornar os imponderáveis que resultam das divergências, desconfianças e ressentimentos.

O banho de sangue na Ucrânia poderá cessar se as partes insistirem no uso de um torniquete tradicional – a negociação –, agora disponível em versão com upgrade ultramoderno: a ação multilateral.

Está encerrada a era do voluntarismo. Enfurnados na arrogância, os césares, czares, kaisers, tiranos e caudilhos não prestaram atenção na mudança de cenário nem nos vaticínios sobre os Idos de Março. Eles estão aí, batendo à porta, ansiosos para cumprir o que se espera deles.

O xenófobo Putin pensava repetir com a pesada mão direita o que os bolcheviques almejavam realizar com a esquerda. A Mãe Rússia terá de desvincular-se da avó ucraniana, tal como aconteceu a partir do fim do século 18, quando os grandes impérios europeus não tiveram alternativa senão a de resignar-se com a perda das colônias e protetorados.

A Ucrânia sempre foi tratada com desdém pelos russos: seu idioma era considerado rústico; depois da Revolução, sua base territorial estava intoxicada pelos hooligans “brancos”, selvagens monarquistas e reacionários. Seus mujiques recusaram a coletivização das fazendas. Na Segunda Guerra Mundial, os “fascistas ucranianos” foram os responsáveis pelos massacres ordenados pelo invasor nazista.

A Ucrânia agora quer a reabilitação, um mínimo de respeito, alguma autonomia. Não para converter-se em baluarte anti-Rússia, mas para deixar a condição de quintal. Numa Europa em processo de federalização, multipolar e multilateral, a meta não é irreal. Mais do que isso: é a única saída.

Na conturbada Venezuela, o impasse é mais dramático: os apagões tiraram dos celulares e aplicativos os seus mágicos poderes e não existem negociadores à vista: o Brasil está encolhido, a Argentina assustada com os seus próprios fantasmas, a Colômbia é inconfiável, México idem. Com 58 anos de experiência na arte de sobreviver, os rijos irmãos Castro converteram-se na única fonte externa de prudência. E, como já o fizeram em outras ocasiões quando Chávez era vivo, podem ensinar ao imaturo sucessor como desativar a bomba-relógio do radicalismo. O país das misses não aguenta mais uma princesa imolada pela violência das ruas.

A Primavera Árabe foi produzida por gadgets e tuítes – não resultou. A trégua nas estepes ucranianas e nas cidades venezuelanas só pode ser obtida através do ancestral horror à guerra.

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