quarta-feira, fevereiro 05, 2014

As respostas de Brasília à turbulência - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 05/02

Demorou, demorou muito, mas o governo, premido pela turbulência dos mercados emergentes, dá sinais de que reconhece a seriedade dos problemas e de que, por isso, adotará medidas para melhorar a gestão macroeconômica. O objetivo é diferenciar o Brasil dos países que mais vêm sofrendo com o processo de normalização da política monetária dos Estados Unidos.

O roteiro de medidas passa pelo anúncio de uma meta de superávit primário das contas públicas entre 1,8% e 2% do PIB - o valor não foi definido porque os técnicos estão trabalhando nos números neste momento, mas, no Ministério da Fazenda, há quem duvide da capacidade de se entregar 2%. Vamos ter que anunciar algo robusto , diz uma fonte, reconhecendo que, na área fiscal, existe um problema sério de credibilidade.

O governo avalia que não precisa fazer um ajuste fiscal do tipo que os europeus em crise foram obrigados a promover, mas admite que é preciso dar um direcionamento claro e mais explícito às contas públicas e dizer como fará isso. Com um plano razoável de contingenciamento [do orçamento] , revela uma fonte.

O Banco Central (BC) segue preocupado com a inflação e, por isso, deve manter o ciclo de aperto monetário iniciado em abril do ano passado, embora considere que já fez um aperto significativo - de 325 pontos percentuais na taxa básica (Selic). Na próxima reunião, em 26 de fevereiro, o Comitê de Política Monetária deve aumentar a Selic em 0,5 ponto percentual, elevando-a para 11% ao ano. A política não muda enquanto não ficar claro que os preços neste início de ano estão mais comportados.

O governo avalia que o repasse da desvalorização do real para os preços domésticos tem sido controlado e está dentro do esperado. Mas se houver nova depreciação do real, o BC não se furtará a combater seus efeitos, bem como o impacto dos reajustes dos preços administrados, que neste ano vão subir bem mais que em 2013.

O governo acredita que o BC previu com grande antecedência o processo de redução dos estímulos monetários nos EUA e, portanto, de reprecificação dos ativos, com a valorização daqueles de menor risco. O primeiro passo foi o ciclo de aperto monetário iniciado em abril, um mês antes de o Federal Reserve, o banco central americano, sinalizar mudanças em sua política monetária.

O movimento seguinte foi adotar o programa de oferta de hedge (proteção) cambial, que começou na última semana de agosto, terminaria em dezembro, mas foi estendido até junho. O programa é especialmente importante para empresas e investidores com passivos em dólar. Como a moeda americana está mudando de patamar sem que se saiba exatamente onde vai parar e com expectativa de que não volte aos níveis anteriores, a proteção deu e está dando tranquilidade ao mercado.

O governo acredita que o grosso desse trabalho (de oferta de hedge) foi feito até dezembro. Não estamos behind the curve [atrás da curva ou atrasados na reação à turbulência]. Fizemos todo o trabalho , sustentou uma fonte, confessando, porém, a carência de credibilidade na área fiscal, mas ressalvando que a situação não é de descontrole . A gente se preparou porque sabia que viria a reversão [dos estímulos monetários]. Construímos progressivamente mecanismos de defesa do ponto de vista monetário e cambial.

Brasília acredita que a percepção do país lá fora já começou a mudar. Tem uma diferenciação em curso , assevera uma fonte. O governo separa o que é análise objetiva da volatilidade decorrente da reposicionamento mundial do dólar do que considera exageros que não são só retóricos , mas têm o interesse de favorecer certas apostas de mercado.

De fato, o Brasil possui indicadores que, se não desautorizam a inclusão do país em grupos e acrônimos de economias vulneráveis - os cinco frágeis e BIITA (Brasil, Índia, Indonésia, Turquia e África do Sul), por exemplo -, deveriam ser ponderados nas análises. A relação entre reservas internacionais e dívida externa de curto prazo monta a 10 vezes no Brasil, enquanto no México restringe-se a 2,2 e na Turquia, a 1,2 (ver tabela).

Quando se comparam outros indicadores, como dívida pública líquida, déficit em conta corrente ou dívida em poder de residentes, o Brasil não está mal posicionado. Evidentemente, os números são um retrato, logo, não contam a história toda. Nos últimos cinco anos, houve deterioração fiscal relevante - a dívida pública bruta teve salto de cinco pontos percentuais entre 2011 e 2013 - que, hoje, ameaça provocar o rebaixamento da classificação da dívida brasileira, o que seria um retrocesso lamentável.

Os sinais de que as coisas vão melhorar na área fiscal já foram emitidos, mas uma medida da dificuldade que o governo tem para lidar com o tema pode ser dada por episódio recente. Há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff encarregou o secretário de Política Econômica, Márcio Holland, de conversar com bancos para saber o que eles esperam da área fiscal. Holland cumpriu a tarefa e preparou uma apresentação. Ao realizá-la para a presidente, na presença do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, foi confrontado duramente por este. Augustin tomou as observações como críticas pessoais e revidou.

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