sexta-feira, janeiro 24, 2014

Entre erros e acertos, o duro aprendizado - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 24/01

Hoje, a presidente Dilma Rousseff fará "um gesto" de aproximação com o setor privado. Ela vai aproveitar o discurso no Forum Econômico de Davos (Suiça) - que reúne cerca de 1.500 empresários e executivos de várias partes do mundo - para "desfazer o mal entendido de que é contra o mercado, contra o lucro, contra o setor privado em geral", disse um colaborador da presidente da República.

O governo passa por um processo de autocrítica e de gradual ajuste do discurso, às vésperas da campanha pela reeleição. Ao reavaliar os três anos de mandato, identifica-se como o primeiro grande erro a reação de certo desdém às críticas ao "pacote" de energia elétrica.

Em setembro de 2012, a presidente antecipou a renovação dos contratos de concessão das empresas de energia associada à redução das contas de luz. A decisão, de cima para baixo, caiu como uma bomba no setor, que rejeitou o acerto de contas proposto pelo governo. Entre atritos e desgastes duas companhias, a Cemig e a Cesp, optaram por devolver a concessão. "A reação do governo foi fora do tom. Erramos no ponto", comentou uma fonte oficial.

A tomada de consciência de que, na relação entre o governo e o setor privado, "o caldo havia entornado" naquele momento, nas palavras de um assessor, só chegou um ano depois, em setembro de 2013, com o fracasso do leilão da concessão da rodovia BR- 262 (que liga Minas Gerais ao Espírito Santo). Nenhuma empresa se habilitou e o governo teve que, entre outras coisas, rever as taxas de retorno que havia predeterminado para os empreendimentos.

A imagem de uma presidente intervencionista estava construída. O primeiro tijolo foi colocado um pouco antes, quando do embate aberto contra o alto "spread" cobrado pelos bancos, no primeiro semestre de 2012. Como é um tema popular condenar os exageros dos bancos, nas taxas que cobram, nos lucros que ostentam, a forma como foi conduzida aquela batalha ficou na conta da boa briga.

Assessores da presidente admitem que o governo deixou crescer por tempo demais a impressão de que ela é "uma trotskista empedernida" e asseguram que Dilma Rousseff está empenhada em desconstruir essa imagem.

Nesses três anos houve, também, aprendizados importantes que podem representar mudanças relevantes na gestão da macroeconomia em um eventual segundo mandato. O governo imaginava possível, por exemplo, controlar os principais preços da economia e, com isso, controlar a taxa de inflação. Da tarifa de energia elétrica à gasolina, dos juros à taxa de câmbio.

A aceleração da inflação, a perda de credibilidade do governo junto aos investidores nacionais e estrangeiros, o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e as manifestações de protesto nas ruas mostraram que incertezas sobre os rumos que o país está tomando e o medo da instabilidade são piores do que o aumento da taxa de juros.

Se havia alguma resistência da presidente ao ciclo de elevação da taxa Selic, que começou em abril de 2013 e ainda está em curso, no segundo semestre do ano ela já estava resignada.

Os juros, que caíram 5,25 pontos percentuais entre o primeiro e o segundo ano do seu governo, já subiram 3,25 pontos percentuais do ano passado para cá, superando a barreira simbólica de dois dígitos. Outros preços, porém, permanecem sob administração.

Atribui-se, hoje, maior grau de importância a questões intangíveis da economia. No início da gestão de Dilma Rousseff, pouco ou nenhum valor era dado aos chamados "soft datas", os indicadores de confiança das empresas, dos consumidores, o ambiente de negócios. Acreditava-se que com mais subsídios, mais dinheiro para o BNDES emprestar e menos juros, estavam dados os atrativos suficientes para o setor privado investir e o país crescer.

Nesse meio tempo, o Ministério da Fazenda concebeu o que passou a se chamar de "nova matriz macroeconômica", uma combinação de juros baixos, taxa de câmbio desvalorizada e uma administração fiscal flexível.

A matriz teve vida curta e a política fiscal converteu-se em uma expansão acelerada do gasto. O superávit das contas públicas caiu de 3,1% do PIB em 2011 para 2,4% do PIB em 2012 e para cerca de 1,9% do PIB em 2013.

O caráter expansionista da meta fiscal no exato momento em que o Banco Central tentava conter a demanda agregada para reduzir a inflação tornou-se o ponto de maior vulnerabilidade do governo; e as manobras contábeis para dar uma aparência de austeridade, um dos focos da perda de credibilidade.

Ao mesmo tempo em que a presidente se dispõe a fazer um gesto de aproximação com o setor privado, o governo rediscute a meta de superávit primário para o ano, sob o risco de sofrer rebaixamento do grau de investimento pelas agências de rating. Pelo orçamento da União, a meta de superávit do governo central para 2014 é de 1,1% do PIB. Fontes do Palácio do Planalto asseguram que Dilma estaria admitindo um reforço da meta fiscal neste ano eleitoral, embora seja conhecida a propensão ao aumento do gasto público em períodos de campanha.

A ideia é repetir, em 2014, a performance fiscal de 2013, com um superávit primário consolidado do setor público da ordem de 1,9% do PIB.

Dilma estaria mudando na forma de conduzir seu governo e nas convicções que a moveram até aqui, na visão desses seus colaboradores.

O discurso de hoje, pela importância que está lhe sendo atribuída, reporta ao espírito da "Carta aos Brasileiros" que o então candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, teve que assinar, em 2002, para afastar os temores e desconfianças que um governo do Partido dos Trabalhadores (PT) inspirava nos mercados em geral. Naquela ocasião, Lula comprometeu-se com a estabilidade econômica e com o respeito a contratos.

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