domingo, dezembro 08, 2013

Confronto - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 08/12

Pode-se, com alguma boa vontade, dizer que a vida econômica das nações vem sendo regida por um enfrentamento de opostos



Em vários mitos de criação, a existência do mundo se deve ao confronto de uma força do bem com um inimigo maligno, numa luta que atravessa os tempos. No universo do candomblé, orixás bons e orixás ruins brigam sem parar pelo controle das nossas almas. Na cosmogonia cristã, embora não apareça na Bíblia, o diabo é o outro filho de Deus, o anjo caído que inferniza a vida do Pai e o enfrenta pela eternidade. (Segundo alguns teólogos heréticos, Deus só fez a luz para que o diabo não tivesse como se esconder dele. Assim devemos a criação do mundo não a Deus, mas ao diabo).

Pode-se, com alguma boa vontade, dizer que a vida econômica das nações vem sendo regida por um enfrentamento parecido de opostos, no caso as teorias do austríaco Friedrich Hayek, deus dos neoliberais, e do inglês John Maynard Keynes, defensor do estado interventor. A analogia só não é completa porque — ao contrário de orixás e anjos desgarrados — não se sabe com certeza que lado é o bom e que lado é o maligno nesse confronto. Richard Nixon surpreendeu todo o mundo quando, na presidência dos Estados Unidos, declarou: “Somos todos keynesianos agora.” O tempo mostrou que sua afirmação tinha sido prematura. Nos anos seguintes o neoliberalismo conquistou os corações e mentes da maioria dos economistas e nem desastres como a crise financeira causada pela desregulação dos bancos — ou seja, pelo Estado mínimo dos sonhos neoliberais — diminuíram sua força. Enquanto isto o keynesianismo sobrevivia na sua forma espúria, como subsídio do governo ao complexo militar-industrial americano.

Os recentes protestos na Europa contra medidas de austeridade de acordo com a receita neoliberal podem significar uma reação do keynesianismo ao predomínio do inimigo — ou não. Os economistas mais influentes, ou pelo menos mais salientes, do mundo continuam do lado de Hayek e da suposta sabedoria do mercado. Há exceções, claro, mas não se pode continuar lendo só o Paul Krugman todo o tempo.

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