FOLHA DE SP - 15/12
A debandada das grifes internacionais de alto luxo para shoppings muda a cara da tradicional rua Oscar Freire, que ganha lojas populares e vira ponto turístico para compradores de todas as classes e bolsos
Habituado a receber em seu restaurante estrelas como Neymar, Bruno Gagliasso e Reynaldo Gianecchini, o dono do Paris 6, Isaac Azar, tem vivido dias de celebridade. "Clientes de outras cidades e estados pedem até para tirar foto comigo e postar no Instagram", conta ele à repórter Marcela Paes, sobre os turistas que circulam pela região da Oscar Freire, nos Jardins, para compras de Natal.
Juscelino Pereira, dono do restaurante Piselli, na rua Padre João Manuel, diz que a área sempre atraiu visitantes --mas nota agora maior fluxo de pessoas do interior, de gaúchos e de nordestinos. Que chegam e encontram uma Oscar Freire diferente.
A zona nobre de comércio dos Jardins está vendo ícones do consumo de luxo internacional serem paulatinamente substituídos por grandes nomes do varejo nacional. Inaugurada em novembro em umas das esquinas mais valorizadas do pedaço, a loja-conceito da Riachuelo, por exemplo, é a unidade da rede de moda que mais vende por metro quadrado no país.
"No Brasil querem fazer shoppings separados para ricos, classe média e populares. Isso é obsoleto. Vamos mostrar que moderno é a sinergia entre as classes", explica Flávio Rocha, presidente do grupo Riachuelo. A clientela AAA não é mais tão visada. "O público com potencial comprador de fato é o B. Não é mais o A, que entra num avião e compra lá fora."
Val Marchiori, famosa pela participação no programa "Mulheres Ricas", sente-se abandonada pelas grifes internacionais que debandaram da região. "Nós, moradores, ficamos carentes! Não gosto mais de passear aqui como antes", diz ela.
Val conta que adorava ser vizinha da Dior, por exemplo, que foi parar no shopping Cidade Jardim --a exemplo de Cartier e Giorgio Armani, que também migraram. "Vamos fazer uma campanha para outras lojas internacionais virem para a nossa amada Oscar Freire", conclama.
"Acho que perdeu o luxo. Lembro de lojas da Tommy Hilfiger e da Armani. Agora só vejo loja de sapatos!", critica o arquiteto gaúcho Ildo Silva, 51, que mora em Porto Alegre e frequenta a área há mais de dez anos.
Já a empresária Fatima Moriz contabilizava gastos em torno de R$ 4 mil na Riachuelo e em outras lojas na semana passada. "A gente vem aqui porque parece Nova York", dizia ela ao lado das filhas, Ana Sara, 15, e Alana, 11.
Frequentadora do comércio nos Jardins, a blogueira e estudante de direito Luisa Meirelles, 21, de Vitória (ES), quer fazer bonito para as leitoras na internet. "A Oscar Freire tem mais referência de moda que um shopping. As pessoas se arrumam para vir aqui. Me inspiro no street style' (estilo de rua)."
Karla Souza e Isabel Bocchese vieram de Cuiabá com um grupo de amigas para uma viagem cultural, gastronômica e de consumo a SP. "A gente adora fazer exposição da figura!", brincava Karla, sem se importar com a longa fila de espera em um restaurante. "Em Cuiabá é muito calor, não dá para ficar batendo perna na rua", emendava Isabel.
Um homem passa fazendo cooper e uma delas diz: "Em shopping com ar-condicionado não tem isso! Um deus grego desfilando!".
Há também moradores que gostaram da chegada das lojas de perfil mais popular. "Elas estão tentando ganhar um refinamento, fazer uma linha mais chiquezinha para se estabelecerem na área. Acho ótimo!", diz a advogada Cláudia Freitas, 48, que vive no bairro há 20 anos. Sua mãe, Lourdes, acredita que a falta de segurança e o preço dos imóveis ajudaram a espantar grifes badaladas.
O corretor Adriano Gomes, da imobiliária Moisés Gomes, confirma que os aluguéis subiram e espantaram antigos lojistas. O resultado são vários pontos vazios e uma rotatividade grande de negócios que abrem e fecham. Numa esquina pode ter uma loja alugada por R$ 25 mil ao mês e R$ 700 mil de luva. Enquanto em outra, o aluguel pedido é de R$ 40 mil, com luva de R$ 2 milhões.
"Quando os proprietários de imóveis morrem, assumem os herdeiros, que têm um pensamento de business. Aí, eles querem ganhar o máximo que podem", relata o corretor. "Só as grandes redes e empresas têm como arcar com o custo daqui."
Um novo empreendimento tenta oferecer às grifes atrativos e a segurança perdida. O Cidade Jardim Shops, da JHSF, se instalará entre as ruas Haddock Lobo, Sarandi e Vittorio Fasano, em 2015. Com área em torno de 5.000 m² e aproximadamente 50 lojas, o espaço tentará reproduzir o ambiente a céu aberto da rua, mas com a atmosfera de shopping tão cara aos consumidores paulistanos.
"Será uma nova opção para clientes que estão no footing' (caminhando) dos Jardins, mas preferem a segurança e conforto do shopping", diz Robert Harley, diretor do futuro centro de compras.
Sofisticada e exclusivista ou mais popular e acessível, a Oscar Freire permanece como "point". E mesmo aqueles que não têm o intuito principal de comprar veem o destino como um dos melhores programas para se fazer na capital paulista.
"A Oscar Freire não pode faltar na nossa lista", diz o bancário Peterson Ramos, que veio em turma de Belém (PA) para uma festa gay na casa noturna The Week. "Passear aqui é indispensável. Tem muita gente bonita."
"Luxo é uma palavra que ficou brega", diz Rosangela Lyra, presidente da Associação dos Lojistas da Oscar Freire. Ela dá ao antigo "quadrilátero do luxo" (das ruas Oscar Freire, Haddock Lobo, Bela Cintra e alameda Lorena) até outro apelido: "Preferimos quadrilátero do charme".
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