sábado, dezembro 14, 2013

A Coreia do Norte inova - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 14/12

São raras as notícias vindas da Coreia do Norte, um país onde a última ditadura staliniana do planeta ainda reina, no meio da nossa geografia, como um bloco de silêncio. No entanto, o que se diz é que, às vezes, ela fala demais, porque, toda vez que pronuncia uma frase, essa sentença é sinistra, perigosa e ameaçadora.

No geral, é bom lembrar que Pyongyang tem a bomba atômica e os EUA e a Coreia do Sul deveriam ser razoáveis pois, ao primeiro passo em falso, seriam reduzidos a cinzas pelo arsenal nuclear norte-coreano.

Agora, é uma música fúnebre que nos chega de Pyongyang. O número 1 da Coreia do Norte, o jovem Kim Jong-un, mandou fuzilar o general Jang Song-thaek sob acusação de complô contra o Estado. Dois colaboradores imediatos de Jang foram fuzilados na semana passada.

São fatos comuns nas tiranias. Stalin, um dos modelos seguidos pela Coreia do Norte, distribuiu know-how nesse campo. No entanto, o que vem a aumentar o horror é o fato de o ataque ocorrer em família: o general Jang, de 67 anos, era tio de Kim Jong-un. Mais estranho ainda é que foi o pai de Kim, o general Kim Jong-il, que colocou Jang ao lado do filho para orientar seus primeiros passos na função de líder supremo do país.

Tudo isso é um pouco complicado. Lembremos que a Coreia do Norte, desde a sua criação, é dirigida pela mesma dinastia. Ela foi fundada em 1948 por Kim Il-sung, morto em 1994. Ele foi substituído pelo filho, Kim Jong-il, que morreu em 2011 e transmitiu o trono para o atual número 1.

Kim Jong-il estava inquieto porque o filho que seria seu sucessor era muito jovem. Além disso, era um jovem que parecia distraído, educado na Suíça, que parecia se limitar a ouvir músicas de Frank Sinatra e a assistir a filmes de Walt Disney.

Eis porque o pai, antes de morrer, tomou duas decisões: inscreveu o filho, o gordo Kim Jong-un, na universidade militar e arranjou um conselheiro para ele. O escolhido foi seu cunhado, o general Jang, portanto, tio do jovem dirigente.

A irmã de Kim Jong-il chama-se Kim Kyung-hui, descendente direta do fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung. Neste ponto, uma pergunta deve ser feita: como executar um general cuja mulher tem um caráter sagrado por fazer parte da dinastia? A resposta é simples: o general afastou-se muito da sua mulher. Além do que, ela é alcoólatra em último grau. Não tem mais influência.

Se essa observação parece um tanto obscura, peço desculpas, mas vou me defender justificando que simplifiquei esse imbróglio da nobre família Kim. Na verdade, evitei citar, a cada etapa, as mulheres não casadas, sejam concubinas ou artistas de music-hall, colocadas numa posição secundária na árvore genealógica da família. Por exemplo, Kim Jong-un é filho de uma cantora chamada Ko Yong-hee, que morreu em 1994 num hospital parisiense.

Podem ser tiradas lições políticas desse episódio? Certamente, mas, no momento, fiquei fascinado com esse lúgubre romance familiar que poderia se desenrolar nos palácios da Renascença italiana, sob o Império Romano em sua decadência ou entre as famílias dos czares russos.

Outra peculiaridade deve ser apontada. Expurgos selvagens já ocorreram na Coreia do Norte após 1948. Cadáveres de dirigentes não faltam. Mas, por tradição, o silêncio envolvia essas mortes e só tínhamos notícia delas muito depois. Este ano, Pyongyang inovou: o fim de Jang foi divulgado e fotografado. Outros tempo, outros hábitos abomináveis. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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