domingo, agosto 18, 2013

A explicação - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 18/08

Já se especulou como a História seria outra se Adfolf Hitler tivesse se tratado com seu conterrâneo e contemporâneo Sigmundo Freud, em Viena. Curado dos seus complexos e de suas fobias, Hitler teria abandonado a ideia de dominar o mundo e vivido uma pacata vida de burguês, ou talvez se contentado em dominar só um quarteirão. O fascismo não passaria de uma breve erupção hormonal italiana e jamais chegaria à Alemanha, ou se chegasse seria sob um líder mais equilibrado.

Também se especula sobre o que aconteceria se, por alguma mágica, o diretor de admissões da Academia de Belas Artes de Viena fosse avisado de que deveria aceitar o pedido de matrícula de um certo Adolf Hitler sem fazer perguntas.

— Mas ele é um pintor medíocre.

— Aceita.

— Mas...

— Aceita!

Não avisaram a Academia das consequências de barrar a entrada de um certo Adolf Hitler e frustrar suas ambições artísticas e deu no que deu.

Falando em Hitler... Ainda não vi esse filme sobre a Hannah Arendt e não sei como é tratada a relação dela com Martin Heidegger, que foi seu professor e amante. Pelo que sei, ela nunca repudiou ou criticou Heidegger abertamente, mesmo depois da revelação de que ele não fora apenas simpatizante do nazismo, mas atuara, no meio acadêmico, como um ativo agente do regime, inclusive denunciando e perseguindo colegas que não seguiam a mesma linha. O crítico George Steiner escreveu sobre Heidegger e o paradoxo de intelectuais — outro citado por ele é o poeta Ezra Pound — que nos seus escritos defendem ideais clássicos de civilização e civismo (Steiner chega a dizer que Heidegger e Pound são os dois maiores mestres do humanismo do nosso tempo) e ao mesmo tempo se deixam seduzir pelo fascismo, com sua desumanidade evidente. Qual será a conexão invisível na contradição? O que torna a alta cultura tão incompreensivelmente vulnerável ao apelo da barbárie?

Talvez, tanto no caso do Heidegger fascista como no caso da Hannah Arendt compreensiva, a explicação seja, simplesmente, o amor. Do Heidegger, não pelo fascismo, mas pelo poder; da Hannah, pela lembrança de uma paixão intelectual e física mais forte do que qualquer julgamento moral.

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